O pupilo de Mourinho e Jesus rejuvenesceu em Fátima - TVI

O pupilo de Mourinho e Jesus rejuvenesceu em Fátima

Laranjeiro (foto: arquivo pessoal)

Laranjeiro é um histórico do futebol português que desapareceu dos grandes palcos. Aos 34 anos ajuda o Fátima na luta pela subida à II Liga

Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

 

«Ainda hoje me perguntam como vim aqui parar, mas pronto, são coisas do futebol»

Nuno Laranjeiro é um dos nomes históricos do futebol português.

Enquanto profissional são já dezasseis os anos dedicados ao desporto-rei e todos eles em Portugal. Clubes foram meia-dúzia, mas União de Leiria e Leixões são os que ocupam mais espaço na estante lá de casa.

O rapaz loirinho que há uns tempos se distinguia dos restantes na TV tem agora 34 anos, mas cabelos brancos nem vê-los.

Pelo menos ainda ninguém deu conta.

O defesa é uma das principais figuras na campanha positiva do Fátima esta época. Depois de ter terminado no primeiro lugar da Serie E do Campeonato de Portugal, o conjunto fatimense lidera também a fase de subida da Zona Sul, com dois pontos de vantagem sobre o Praiense.

No passado fim-de-semana, Laranjeiro cumpriu mais um jogo a titular, na goleada por 4-0 em casa do Operário de Lagoa. Com seis jogos ainda por disputar, já conseguiu ultrapassar o registo de presenças de toda a época passada e leva sete golos, todos eles de bola parada.

Há coisas que não mudam.

«Sempre tive jeito para as bolas paradas, é um facto. Os meus golos surgiram quase sempre de livres diretos nos clubes por onde passei»

A conversa com o Maisfutebol foi quase sempre parar ao passado, ou não tivesse Nuno uma carreira cheia de recordações, de momentos marcantes, de pessoas.

Fruto da geração de ouro do Sporting, amadurecido por Mourinho e Jesus

Nuno deu os primeiros passos nos clubes de Ourém, terra natal, mas depressa captou as atenções do Sporting, clube onde ingressou quando tinha apenas 14 anos (1996).

Na formação dos leões partilhou o mesmo teto com Ricardo Quaresma, Hugo Viana, Miguel Garcia, José Fonte ou até mesmo Cristiano Ronaldo, ainda que o madeirense fosse mais novo.

O tempo levou as memórias desse tempo, mas também foi curta a passagem. Depois de dois anos nos leões, o jovem partiu para Leiria e começou a plantar uma relação que durou mais de uma década.

Foi promovido à equipa principal em 2001/02, deixando então o Nuno de parte e assumindo o nome de guerra Laranjeiro.

A estreia fez-se quase no final da época, lançado por Mário Reis, que tinha substituído a meio da época o efémero José Mourinho no banco.

«Apanhei o Mourinho quando era miúdo ainda (19 anos). Precisava do clique e com ele era necessário estar preparado. Trabalhava muito a mente, mesmo as dos que não jogavam. Todos acordavam com vontade de jogar. Nenhum treino era igual, ninguém caía na rotina e isso permita-nos evoluir. Os treinos físicos eram com bola, o que era muito à frente na época», indicou.

Uns anos mais tarde foi Jorge Jesus quem chegou à beira Lis para distribuir sabedoria e...bonecos.

O Jesus é único, aprendi muito como ele taticamente. Exige muito de nós e vai até ao pormenor, perde muito tempo em questões táticas e analisa bem a outra equipa. Por exemplo, eu que era lateral direito já sabia as movimentações todas do extremo esquerdo adversário. Lembro-me que comprou um boneco com o símbolo do Leiria e dava-o a quem fosse o melhor em campo, então ia rodando de cacifo a cada semana»

Em 2009, partiu para uma aventura na Grécia, mas retornou passado um mês apenas, desta feita para o Leixões, onde viveu o jogo «mais marcante» da carreira.

«Aquele jogo em que ganhámos no Dragão ainda me dá arrepios. Vencemos 3-2 e passámos para o primeiro lugar. Foi a loucura total, uma rivalidade tremenda, os festejos com os adeptos no final do jogo. Já tinha estado numa final da Intertoto com a U. Leiria, mas nesse jogo com o FC Porto até chorei de alegria», lembrou.

Depois, a tristeza.

«Tenho pena de nunca ter jogado num “grande”»

No auge da carreira, Laranjeiro conheceu um lado mais triste do futebol, as lesões.

Em 2010, ainda no clube de Matosinhos, sofreu uma lesão que o afastou da competição durante meia época e que deu início a um ciclo descendente.

Ainda hoje me custa essa situação, estava numa fase estável, a jogar bem. Estava em final de contrato e o clube queria que eu ficasse, mas a lesão levantou dúvidas que antes não existiam. Está bom, está mau? Pronto, fui parar ao Fátima, desci uma divisão»

Desde então nunca mais se viu Laranjeiro pisar os grandes palcos.

Culpa do destino, contou.

«Foram más escolhas, mas só vemos isso depois de as fazer. O Moreirense até quis levar-me no inverno, mas o Fátima não deixou na altura, porque queria subir de divisão. Conclusão, eles subiram à I Liga e o Fátima não conseguiu. São coisas que acontecem, pronto. Ainda hoje quem me vê jogar pergunta-me por que estou nestes escalões. Faço o meu trabalho, sem pensar demasiado nisso», salientou.

Ainda assim, olhando para aquilo que foi o seu passado, guarda com alguma mágoa o facto de nunca ter chegado a um “grande”, visto que, segundo o próprio, até esteve perto.

Gostava de ter tido essa oportunidade. Quando estava na U. Leiria era internacional sub-19 e o único a jogar na I Liga, a par do Paulo Ferreira. Soube do interesse do Benfica mas o presidente João Bartolomeu não me deixou ir. Lá está, olhando para trás custa um pouco»

Águas passadas, como fez questão de vincar.

O rejuvenescido que conseguiu o milagre da multi...posição

Freamunde, Desp. Chaves, de novo U. Leiria e o regresso ao Fátima. No ano passado Laranjeiro decidiu voltar às origens.

«É bom estar perto de casa, mas optei pelo Fátima porque acreditei no projeto. Felizmente as coisas estão a correr como o previsto, temos um bom plantel, boas condições e estamos a fazer um grande trabalho. Nada está ganho e os jogos aqui decidem-se nos detalhes, mas estamos numa posição favorável e motivados», assegurou.

O Fátima está bem posicionado para subir à II Liga e Laranjeiro tem tido um papel importante nessa caminhada.

Está a correr tudo bem, também me cuido para isso. Já joguei em diversas posições pela primeira vez: central, extremo. A verdade é que ainda me sinto muito útil e tento ajudar os mais novos como posso. Às vezes oiço piadas por ser um dos mais velhos, mas também me dizem que não pareço, pela forma como jogo»

Apesar da idade, Laranjeiro tem ajudado a tapar muitos buracos. Já parece o ídolo de sempre, Javier Zanetti, notabilizado pela polivalência em campo.

Bruno Álvares, treinador do Fátima, não escondeu a admiração pelo que o veterano jogador tem feito esta época.

«É um privilégio tê-lo na equipa, pela forma intensa como vive o treino e o jogo. Respira futebol e é um exemplo de humildade, está sempre disponível para ajudar. Já fez várias posições e sempre com uma entrega e qualidade incríveis», apontou.

Laranjeiro (em cima, à direita) é um dos mais velhos do plantel fatimense (foto: Facebook Fátima)

Quanto a Nuno, Laranjeiro no futebol, disse que não gosta de traçar planos a longo prazo, até porque sabe por experiência própria como as coisas podem mudar de um dia para o outro.

Já no final da conversa confessou que ainda se sente em condições para jogar muito para lá dos 34 anos. No fundo é «até as pernas aguentarem». Tenta não pensar no adeus, mas assumiu o desejo de continuar ligado à paixão de sempre.

«Gosto da parte de gestão desportiva, de “scouting”, tenho boa memória e capacidade de observação. Vou já tirar algumas formações nesse sentido», revelou.

Por agora, Laranjeiro pensa em ajudar o Fátima, ao mesmo tempo que desfruta daquilo que lhe dá prazer.

«Aqui entre nós, o futebol hoje é tão diferente. Os miúdos não têm humildade, não olham para as oportunidades como se fossem únicas. Encaram tudo de outra forma. Eu nem costumo rever os meus momentos do passado. Ao invés disso, faço muita introspeção antes dos jogos. Penso só nas coisas boas que o futebol me trouxe e isso permite-me levar boas energias para o campo. Olhe, até agora tenho-me dado bem com isso.»

 

OUTROS TEXTOS DA RUBRICA «DOMINGO À TARDE»

Uma aventura no Vietname contada pelo homem que ama o Moreirense

O Klysman de Viseu levou os Trambelos à loucura

Sonho de Belém teve pesadelo em Guimarães mas ainda dura em Faro

Aos 28 anos tornou estas águias invencíveis nos distritais

Vila Fria 1980: o primeiro ponto ao fim de 19 jornadas

Jorge Ribeiro: da Luz à Rússia, o pé esquerdo com Faro de golo

Cresceu com o «patinho feio» de Alvalade, agora renasce no Barreiro

Do título à chamada de Mourinho: «Miúdo, logo vais à conferência»

De dia faz cadeiras, à noite é goleador em Gandra

Kadú: «No FC Porto tinha quem limpasse as botas, no Trofense não»

Amigo de Neymar corre atrás do sonho partilhado com Talisca

Amigo de Marco Silva foi herói em Sintra por um penalti

O amigo «galático do Campeonato de Portugal» de Cristiano Ronaldo

«Irmão» de Horta quer tombar Benfica: «Não pode ficar a rir»

Acidente quase lhe matou o sonho, Paulo Fonseca foi «anjo da guarda»

Há um Sócrates que lê livros de Ronaldo e fez dupla com Lucas João

Foi «menino de ouro» no Benfica e renasceu no Oeste

Jogou com Gelson, agora é Iniesta por culpa das miúdas

Rui Rêgo: a palestra de Jardim, uma alegria em Oblak e o sonho concretizado

Mortágua dos amores e golaços, inspirado pelos grandes

Tombou o Benfica, agora funde metal e brilha nos distritais

A melhor defesa da Europa, culpa de um «chato»

Um Mitroglou que quer bater Casillas com ideias de Jesus

Cresceu na sombra de Eto’o e fez um milagre em Fátima

Amigo de Óliver revê-se em Renato: «Uma chance e vou explodir»

Continue a ler esta notícia

EM DESTAQUE