Centeno admite perdas "voluntárias" para obrigacionistas do Novo Banco - TVI

Centeno admite perdas "voluntárias" para obrigacionistas do Novo Banco

Ministro das Finanças fala em troca de dívida “voluntária” por parte dos clientes. PSD acusa Governo de "desbaratar" dinheiro dos contribuintes na venda do banco e BE diz que há uma garantia de Estado à Lone Star, que Centeno continua a negar

O ministro das Finanças assume o cenário de eventuais perdas para os obrigacionistas na venda do Novo Banco.

“As perdas dos obrigacionistas são uma das peças do acordo a que o Banco de Portugal chegou com a Lone Star”, começou por responder Mário Centeno, depois de uma interpelação acesa do deputado do PSD António Leitão Amaro.

Centeno não quis “ emitir opinião”, porque seria “totalmente desajustado fazê-lo”, mas acabou por dizer que em causa estará um “mecanismo de transformação de dívida”.

Obviamente será feito de forma voluntária num mecanismo de troca que envolverá obrigacionistas numa lógica de preservação da instituição”.

Para o ministro, o mais importante “para todos é sustentabilidade” da instituição. “A não sustentabilidade é a maior perda que pode existir. E é essa a dimensão deste problema”.

Os detentores de obrigações do Novo Banco terão de aceitar perder 500 milhões de euros para que a venda ao fundo Lone Star se concretize. Trata-se de uma das condições necessárias para que o sucessor do antigo BES mude de mãos.

A TVI noticiou ontem que cerca de 43% dos obrigacionistas que poderão perder dinheiro com a venda do Novo Banco são clientes de retalho ou seja pequenos investidores não qualificados, que também serão forçados a assumir perdas.

"Não há garantias", mas...

O ministro assegurou que "não há nenhuma garantia dada pelo Estado" ao Lone Star nesta venda. "Não há garantias. (...) O banco bom que estava à venda não iria permitir a recuperação do empréstimo que o Estado fez ao fundo de resolução. O Novo Banco não era o banco que na altura [novembro de 2015, quando o Governo tomou posse] foi dito que era portanto há perdas contingentes que vão ser materializadas ou não. Não é garantia, não há ativos".

Para além do deputado do PSD, também o Bloco de Esquerda insistiu, mais à frente, neste ponto, com Mariana Mortágua a perguntar diretamente "se o Estado garantiu ou não garantiu à Lone Star que, em caso de perdas, o Estado assume".

"Não sendo uma garantia há um mecanismo contingente no capital que levará o Novo Banco a injetar capital no Novo Banco sempre que perdas neste conjunto de ativos signifiquem reduções no rácio de capital avaliadas gradualmente que o coloquem abaixo de um determinado valor. Não é mecanismo de garantia porque não são de euro de perda para euro de injeção. Foi desenhado para proteger por exemplo impedindo distribuição de dividendos ao longo de oito anos", afirmou Centeno.

Mariana Mortágua não ficou convencida. "Para mim isto é uma garantia"

"Vou dizer pela terceira vez: há riscos"

Depois das explicações algo técnicas, o ministro assumiu que há riscos associados a esta venda. "Há um risco, eu queria deixar isso muito claro. Mas esse risco não se traduz numa garantia. O valor que referiu dos 3,9 mil milhões de euros é o limite superior das injecções que o fundo de resolução pode ter de vir a fazer no contexto deste mecanismo. Antes de o fundo de resolução ser chamado a injetar capital, há uma almofada de capital que deverá ser consumida com as primeiras perdas". Essa almofada está ente 1.000 a 1.200 milhões, decorrente da prometida injeção de capital que será feita pelo Lone Star.

Enquanto não se materializarem perdas nessa ordem, o fundo de resolução não intervém. A expectativa que existe é de que atentendo a esta almofada constituída pela injeção de capital da Lone Star, inicial e posterior, e também no processo de transformação da dívida dos obrigacionistas que também contribui para a almofada de capital, que esta almofada proteja os primeiros anos e o banco entre em velocidade de cruzeiro para que a sua atividade corrente liberte recursos e para que os resultados constituam, ao longo do tempo, um reforço desta almofada até que fundo de resolução tenha de intervir".

Centeno frisou que o facto de ser o fundo de resolução a fazer a gestão dos ativos faz com que possa decidir como são feitas as transações e o impacto das perdas. "Este mecanismo não é uma garantia. Este mecanismo cria condições para que o capital do Novo Banco tenha um determinado nível e que essas injeções sejam feitas com mecanismos de controlo que mitigam – não digo eliminam – os riscos de injecção de capital, com vendas ao desbarato".

Ora, antes já tinha sublinhado que "uma venda ao desbarato, acelerada, sem preocupações de maximização do valor dos ativos provocaria perdas imediatas que de facto poderiam ser significativas para o fundo de resolução". Entende que a solução encontrada é diferente:

"Quando eu garanto um ativo eu estou a dizer que qualquer perda nesse ativo é reembolsada. Nada disto existe, nada disto existe neste negócio. Volto a dizer, há riscos e a forma como o governo assumiu nesses riscos foi na mitigação dessses riscos. Podemos dizer que havia outras formas de o mitigar, mas não que eles não estão lá".

E como não há duas sem três, Mário Centeno quis deixar claro: "Vou referir pela terceira vez, acho eu: o risco existe nesta transação e ele está identificado neste mecanismo".

Venda vai mesmo até ao fim?

O CDS-PP perguntou a seguir a Mário Centeno se, neste momento, tem condições de garantir que esta venda se vai de facto realizar ou se continua a haver risco com os empréstimos obrigacionistas, caso não aceitem as perdas de 500 milhões de euros.

À deputada Cecília Meireles, Mário Centeno disse que as negociações continuam e que há um "promitente comprador, agora com contrato assinado". "Nós temos todas as expectativas que este negócio se conclua". "A minha expectativa – não gosto de usar palavras vãs e por isso não uso a palavra garantia – é que este negócio se conclua". E que fique tudo fechado durante o verão. 

"O que acaba de nos dizer é muito grave. Está a dizer que não sabe o que vai acontecer daqui em diante", interpelou a deputada centrista. Centeno enervou-se. "Olhe lá para mim e veja se tenho aqui uma bola de cristal. Não estamos a trabalhar para títulos de jornal nem para conversas vãs. O que disse é exatamente o que queria dizer: há uma solução que melhora o sistema financeiro e vai ser concretizada. Vai ser concretizada no futuro".

Acabou, no entanto, por definir o calendário. Espera que fique tudo fechado "durante o verão".

Quanto ao potencial impato futuro no défice e na dívida desta venda, o ministro espera que não haja, pelo menos "nos primeiros meses, trimestres", por existir a tal almofada de capital. Serão atualizadas, anualmente, as previsões das necessidades em sede de Orçamento do Estado, o que, congratulou-se, confere "transparência" ao processo.

A alternativa da nacionalização

Miguel Tiago, do PCP, carregou baterias contra o anterior Governo PSD/CDS, acusando-o de ter cometido um “verdadeiro crime contra o interesse público” na resolução do BES. “Partidos que emprestaram sem qualquer garantia 4.900 milhões a um banco vêm agora [pronunciar-se contra a garantia?]". Ao mesmo tempo, criticou o atual Governo por não “romper” com o rumo seguido pelo antecessor, ao "entrar com dinheiro dos portugueses nos bancos, limpar os bancos e entregar a outros que também o vão assaltar". Disse mais:

É gravíssimo que a solução da nacionalização não tenha sido equacionada com a Direção Geral de Concorrência da Comissão Europeia - segundo diz uma das comissárias num artigo de opinião - porque é a solução que menos compromete o interesse público e que mais possibilidades de retorno para o Estado cria da despesa já realizada".

Na reação, o ministro disse que a nacionalização foi colocada pelo Governo "ao longo de todo este processo numa perspetiva que não era meramente negocial".

Seria totalmente contraproducente excluir à partida, por qualquer motivo ideológico ou não ideológico, soluções que poderiam ser relevantes. Não pode ser só um bluff. A conta que existe e que foi pesada no momento da decisão implicaria envolvimento público imediato das perdas esperadas que viessem a ser concretizadas [com impacto para as contas públicas]".

"Resolve sempre a desbaratar"

Sobre a venda do banco e também sobre a revisão de empréstimo ao fundo de resolução, o deputado do PSD Leitão Amaro concluiu que Mário Centeno age sempre do mesmo modo.

O problema é que o senhor, sempre que tem um desafio, resolve desbaratando o dinheiro dos portugueses. É uma enormidade".

O deputado social-democrata bem tentou saber qual é o valor atualizado do empréstimo feito à banca. Questionou o ministro várias vezes, mas Centeno nunca falou em números.  

"Deixe-se lá de propaganda, qual é o valor atualizado do empréstimo feito à banca?". Centeno voltou a repetir o que já tinha respondido antes, de forma muito genérica, que "o empréstimo de 2014 não garantia solvabilidade do empréstimo ao fundo de resolução", porque a taxa de 8% para reembolso em dois anos dos 3,9 mil milhões de euros era "impossível". "Já nem falo da taxa de juro imposta para parecer que estava tudo limpo no dia 4 de outubro de 2015", atirou ainda, referindo-se às eleições legislativas.

Com a revisão do empréstimo, diz o ministro, "o Estado garantiu que o fundo de resolução cumpre obrigações com o Estado, paga um juro indexado ao da República [com referência à taxa a cinco anos] e paga um spread". E números? Continuam no segredo dos deuses.

 

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