Governo quer criar cheque-dentista para reclusos - TVI

Governo quer criar cheque-dentista para reclusos

  • ALM com Lusa
  • 21 ago 2018, 10:35
Dentista

Desde que foi lançado em 2008, o programa nacional de saúde oral já chegou a 3,3 milhões de portugueses

O Governo está a estudar a criação de um cheque-dentista específico para reclusos e a prestação de cuidados de medicina dentária em consultórios nas prisões, uma solução que pode arrancar em 2019, revelou à Lusa o Ministério da Saúde.

A solução a aplicar nos estabelecimentos prisionais está a ser estudada pelos gabinetes do secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, e da secretária de Estado da Saúde, Rosa Valente de Matos, e visa apoiar os reclusos, “uma população vulnerável, com necessidades específicas”, adianta o Ministério da Saúde numa resposta à agência Lusa a propósito dos dez anos do programa cheque-dentista.

Os dois gabinetes estão a estudar uma solução, que pode começar como experiência-piloto no início de 2019, e que passa pela prestação de cuidados de medicina dentária em consultórios dentro dos estabelecimentos prisionais”, adianta.

Fazendo um balanço dos dez anos do programa nacional de saúde oral, o Ministério da Saúde adianta que, desde 2008 até ao passado dia 16 de agosto, foram emitidos 5.234.298 (5,2 milhões) cheques-dentistas, o que representou um investimento de 132.641.390 euros (132,6 milhões de euros).

Segundo os dados do ministério, foram ainda emitidos 20.638 vales no âmbito do Programa de Intervenção Precoce do Cancro Oral, um investimento de 331.190 euros.

Outro dos objetivos do Governo para garantir “uma cobertura mínima em todo o país no acesso a consultas de medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde”, é que, até ao final da presente legislatura, haja, pelo menos, um gabinete de saúde oral em cada agrupamento de centros de saúde, num total de cerca de 90 gabinetes.

Atualmente existem 53 médicos dentistas nos cuidados de saúde primários e 59 centros de saúde com gabinetes de saúde oral, 22 dos quais na Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, 25 na ARS Norte, seis da ARS Centro, três na ARS do Alentejo e três na ARS do Algarve.

Desde setembro de 2016 até 31 de julho foram realizadas 83.077 consultas de medicina dentária, acrescentam os dados do Ministério da Saúde.

Desde que foi lançado em 2008, o programa nacional de saúde oral já chegou a 3,3 milhões de portugueses, abrangendo atualmente crianças e adolescentes até aos 18 anos que frequentam escolas públicas, idosos com complementos solidário, grávidas, portadores de VIH/sida e doentes que necessitem de intervenção precoce devido a cancro da boca.

Cheque-dentista provou ser uma "reforma inovadora"

Os impulsionadores do cheque-dentista consideram que o programa provou ser uma "reforma inovadora” e atribuem o seu sucesso ao consenso entre todos os intervenientes sobre a necessidade de aumentar o acesso da população aos cuidados de saúde oral.

A reforma foi lançada pelo então ministro da Saúde do Governo PS Correia de Campos que recordou à agência Lusa como nasceu o programa. Na altura existia “uma situação em que o SNS praticamente se desresponsabilizava de qualquer tratamento de saúde oral”, contou.

Havia um certo acompanhamento através dos mecanismos de saúde escolar, que quase se limitava à avaliação do estado de saúde oral da população escolar, e isso era muito insuficiente porque, em primeiro lugar, cobria apenas uma franja da população, e, em segundo, não previa qualquer espécie de tratamento, de maneira que era uma lacuna muito grande no SNS”, disse Correia de Campos.

Também existiam centros de saúde com alguns equipamentos dentários que, por vezes, faziam contratos com dentistas, mas “não resolviam, nem de longe nem de perto”, a situação.

O momento da reforma, segundo Correia de Campos, foi facilitado pelo facto de, na altura, existirem recursos humanos.

Foi uma conjugação de necessidade, agravada com o tempo, e de disponibilidade de recursos humanos, que se fez com uma enorme cooperação da Ordem dos Médicos Dentistas”, lembrou.

 

Houve um bom entendimento, uma relação muito fácil, muito direta, provocada pelo facto de muitos dentistas terem pouco trabalho e pela circunstância de o SNS precisar de cuidar da saúde oral da sua população”, contou.

Para o antigo ministro, a decisão política “mais difícil e mais importante” foi a construção do sistema. “Entendi que seria um desperdício” criar consultórios de saúde oral no SNS porque já existiam em “quantidade muito abundante” e havia dentistas “bem formados, bem treinados e em grande quantidade”. Portanto, “não fazia sentido o Estado investir milhões de euros a montar instalações” e a recrutar profissionais.

“Portanto, fomos aproveitar as condições que já existiam no país”, uma decisão que “foi atacada à esquerda do Partido Socialista”, mas com “pouca convicção”, porque as pessoas perceberam que “a solução era realista e vinha resolver uma boa parte do problema”.

Devido aos “recursos limitados” foi tudo “bastante controlado” desde o início. “Se tivéssemos ido para uma solução de convencionar com os consultórios médicos sem um ‘plafond’ estaríamos numa situação de descontrolo”, porque “era muito fácil chegar a uma situação de multiplicação, não necessária, de atos, de haver aqui ou ali uma pequena fraude, e isso seria muito dificilmente controlável”.

Correia de Campos salientou a importância do bastonário dos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, para a construção do sistema, assim como do professor Jorge Simões, o “patrono da ideia”, na altura na Universidade de Aveiro, entidade a quem o Ministério da Saúde encomendou o sistema informático, e de Rui Calado, da Direção-Geral da Saúde.

Num artigo publicado no Health Policy Journal sobre os dez anos do programa, Jorge Simões afirmou que “o cheque-dentista provou ser uma reforma inovadora” devido a um “grande consenso entre todas as partes interessadas, permitindo a liberdade de escolha dos utentes e respondendo à necessidade de aumento o acesso da população à saúde oral”.

A população abrangida é “um dos aspetos mais positivos” do programa que “deve orgulhar os políticos que tomaram esta decisão, os técnicos que se envolveram em todo este processo e os portugueses que têm à sua disposição um instrumento que até 2008 não existia”, disse Jorge Simões à Lusa.

Para o bastonário dos Dentistas, “tem sido importante manter aquilo que já existe” e que é “uma referência internacional em termos de acesso a cuidados de medicina dentária”.

Havia algumas tentações negativas, evidentemente, de colocar em causa o programa, que já chegou a três milhões de portugueses e que tem provocado importantes ganhos em saúde para vários grupos, mas essencialmente nas crianças, adolescentes, grávidas e portadores de VIH”, salientou Orlando Monteiro da Silva.

Cheque-dentista só foi usado por 3,5% dos idosos beneficiários

Apenas 6.081 dos 175.306 idosos que receberam complemento solidário em 2017 utilizaram o cheque-dentista, uma cobertura “muito baixa” que pode dever-se ao facto de desconhecerem que têm direito ao vale, segundo o especialista em saúde pública Jorge Simões.

No ano passado, o programa de saúde oral contratou 4.678 dentistas espalhados por 8.641 clínicas do país, uma cobertura elevada, que varia entre 97,7% no Norte e 89,4% no Algarve.

Contudo, a sua abrangência apresenta variações conforme a população-alvo: enquanto nas crianças e nos adolescentes a cobertura se situa nos 95% e nas grávidas em 63%, nos idosos baixa para os 3,5%.

São um grupo muito vulnerável da população, com alfabetização reduzida e podem não estar plenamente conscientes do seu direito ao uso do cheque-dentista”, afirma Jorge Simões.

Em declarações à agência Lusa, o diretor da Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatística do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, explicou que o acesso ao programa “pressupõe conhecimento”, o que coloca os idosos em desvantagem em relação a outros grupos beneficiários do programa financiado pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Enquanto as crianças e os adolescentes recebem os seus vales automaticamente nas escolas públicas e estão ao alcance dos serviços de saúde, as grávidas, os idosos e os portadores de VIH/Sida têm de revelar a sua condição para receber o cheque-dentista, explicou.

Para inverter esta situação, o especialista defendeu que deve haver uma “maior preocupação” por parte da equipa de saúde que acompanha o idoso em saber a sua condição e informá-lo sobre os seus direitos, tal como os párocos e as outras confissões religiosas podem anunciar nas paróquias que existe o cheque-dentista e a quem se destina.

 

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