UTAO: medidas do OE2017 podem ser consideradas insuficientes por Bruxelas - TVI

UTAO: medidas do OE2017 podem ser consideradas insuficientes por Bruxelas

António Costa e Mário Centeno

Unidade Técnica de Apoio Orçamental que apoia o Parlamento admite que proposta orçamental pode não chegar para cumprir as metas para a redução do défice

 A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alertou hoje que as medidas discricionárias apresentadas pelo Governo na proposta orçamental de 2017 "podem vir a ser consideradas insuficientes" para cumprir o ajustamento estrutural recomendado por Bruxelas.

Na análise preliminar à proposta de lei do Orçamento do Estado para 2017 (OE2017), a que a Lusa teve hoje acesso, a UTAO refere que as medidas discricionárias que constam da proposta orçamental para 2017 e do projeto de plano orçamental enviado à Comissão Europeia "representam cerca de 0,34% do PIB [Produto Interno Bruto]".

Os técnicos independentes que apoiam o Parlamento referem que estas medidas "têm um contributo direto no sentido de diminuir o défice", pelo que "têm uma natureza restritiva, de consolidação orçamental" e acrescentam que estas medidas podem ser "decompostas por aumentos e reduções de receita e de despesa, contribuindo diretamente para a consolidação do défice orçamental com um efeito líquido direto de cerca de 645 milhões de euros ou 0,34% do PIB".

Este é um "valor líquido que resulta de medidas que contribuem para a redução do défice em cerca de 892 milhões de euros, combinando aumentos de receita e diminuições de despesa, as quais são parcialmente compensadas por outras que contribuem em sentido contrário em cerca de 247 milhões de euros".

Do lado da despesa, estas medidas "representam um aumento de cerca de 50 milhões de euros", sendo a medida de maior dimensão a atualização de pensões (187 milhões de euros), à qual se soma a despesa decorrente da nova prestação social para deficientes (60 milhões).

"Estas duas medidas discricionárias de aumento de despesa são parcialmente compensadas por outras, que têm subjacente reduções de despesa, nomeadamente em despesas com pessoal por efeito de uma política de contratações mais restritiva, de saída de dois funcionários e substituição apenas por um, e pelo efeito de um exercício de revisão da despesa, representando em conjunto 197 milhões de euros", lê-se na nota, que explica que a reposição salarial e a reposição das 35 horas de trabalho semanal "não foram consideradas medidas discricionárias de 2017" por constituírem "pressões orçamentais que transitam de 2016".

Já do lado da receita, as medidas discricionárias incluídas na proposta orçamental vão permitir uma redução do défice no montante que pode atingir 695 milhões de euros.

A medida de maior dimensão é a criação do adicional de receita da sobretaxa de IRS que será recebido em 2017, uma vez que esta não termina a 01 de janeiro, seguindo-se o aumento de tributação de património como adicional ao IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis), de 160 milhões de euros, a atualização do IABA (Imposto sobre Álcool e Bebidas Alcoólicas) para refrigerantes, a recomposição do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos) penalizando o gasóleo em favor da gasolina, o exercício de revisão da receita e taxas a cobrar no âmbito do setor empresarial na tutela do Ministério do Equipamento e Infraestruturas, "as quais em conjunto representam mais 255 milhões de euros".

Assim, conclui a UTAO, "tendo em consideração a dimensão das medidas necessária para que o saldo estrutural [que exclui os efeitos do ciclo económico e as medidas temporárias] corresponda às recomendações do Conselho, as medidas discricionárias de consolidação apresentadas no relatório da proposta do OE2017 e no projeto de plano orçamental podem vir a ser consideradas insuficientes".

De acordo com esta unidade técnica, "as medidas discricionárias de consolidação" apresentadas pelo Governo para 2017 e que ascendem a 0,34% do PIB, "podem vir a ser consideradas insuficientes para fazer face ao ajustamento estrutural recomendado pelo Conselho no âmbito do Semestre Europeu, o qual tem subjacente a necessidade de medidas de consolidação de cerca de 1% do PIB".

Por isso, os economistas da UTAO indicam que estas medidas "não parecem ter a dimensão suficiente para contrariar as pressões orçamentais que estão subjacentes à trajetória divergente do saldo estrutural em cenário de políticas invariantes", de ausência de políticas com efeitos orçamentais".

A UTAO estima que, tomando por base o cenário de políticas invariantes (de ausência de políticas com impacto orçamental) para 2017 do Conselho das Finanças Públicas (-2,6% de saldo estrutural) ou da Comissão Europeia (-2,5% de saldo estrutural), "a dimensão das medidas subjacentes ao OE2017 poderá apontar para uma degradação ou relativa manutenção do saldo estrutural de 2016 para 2017, não respeitando portanto a restrição orçamental a que as finanças públicas portuguesas se encontram vinculadas no âmbito do ajustamento estrutural".

 

Perdão fiscal pode não ser aceite como medida permanente

 A UTAO alertou que o plano de regularização de dívidas, que pode incluir um perdão de juros, com o qual o Governo espera arrecadar 100 milhões de euros por ano, pode não ser aceite como medida permanente por Bruxelas.

A Unidade Técnica analisou o Programa Especial de Redução do Endividamento do Estado (PERES), que permite aos contribuintes regularizarem dívidas fiscais e contributivas beneficiando de um perdão de juros e de coimas se pagarem toda a dívida de uma só vez ou de uma redução se optarem por pagar a prestações.

Sublinhando que este programa "foi proposto pelo Ministério das Finanças enquanto medida permanente de aumento de receita no âmbito do plano de ação efetivo para 2016", antecipando-se uma receita de 100 milhões de euros por ano, os técnicos independentes que apoiam o Parlamento notam que "a classificação desta operação como permanente poderá vir a ser questionada pela Comissão Europeia".

Para a UTAO, Bruxelas "poderá vir a classificar a operação não discricionária em 2016 e nos anos seguintes, na medida em que se refere a uma receita com algumas condições de elegibilidade para operação 'one-off' [medida temporária], tal como sucede com a recuperação da garantia ao BPP", com que o Estado prevê uma receita de 450 milhões de euros em 2017.

Em 6 de outubro, o Governo anunciou o lançamento do PERES, cujo objetivo é permitir que os contribuintes que tenham dívidas ao Fisco ou à Segurança Social as possam saldar.

Os contribuintes podem optar por pagar toda a dívida e, neste caso, ficam isentos do pagamento de juros e de coimas associadas à dívida, ou por aderir a um programa de até 150 prestações mensais, beneficiando de uma redução daqueles encargos que é tanto maior quanto mais rapidamente a dívida for paga.

Este regime aplica-se aos contribuintes que tenham dívidas fiscais e contributivas que não tenham sido pagas nos prazos normais, ou seja, até final de maio de 2016, no caso das dívidas ao Fisco, e até final de dezembro de 2015, no caso das dívidas à Segurança Social, podendo os contribuintes aderir ao programa até 20 de dezembro deste ano.

 

"Almofada" de mais de 1.500 milhões de euros

A UTAO estima que a proposta orçamental de 2017 inclua uma "almofada" de pouco mais de 1.500 milhões de euros - entre reserva orçamental, dotação provisional e cativos - mas alerta que a utilização das verbas cativadas agravará o défice.

Na análise preliminar à proposta de lei do Orçamento do Estado para 2017 (OE2017), a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) inclui uma tabela em que sintetiza as dotações orçamentais, cuja utilização está dependente de autorização do Ministério das Finanças, concluindo que ao todo há 1.557,5 milhões de euros em despesa que só pode ser executada se Mário Centeno permitir.

De acordo com a tabela, a UTAO estima que a proposta de OE2017 inclua 522,5 milhões de euros em cativos e na reserva orçamental, 535 milhões de euros a título de dotação provisional e mais 500 milhões de euros em dotações centralizadas, o que totaliza os 1.557,5 milhões de euros em despesa que é "objeto de utilização condicionada".

Salvaguardando que o montante total de cativações "não seja apurado com exatidão", os técnicos estimam que o objetivo implícito ao relatório do OE2017 para o saldo da administração central "pressupõe poupanças (isto é, a não descativação, mantendo cativações até ao final do ano) na aquisição de bens e serviços (88,9 milhões de euros) e na reserva orçamental (427,1 milhões de euros)".

A UTAO acrescenta que "o objetivo para 2017 consiste em manter as cativações no montante 516 milhões de euros (88,9 milhões em aquisição de bens e serviços e 427,1 milhões em reserva orçamental)", mas deixa um aviso: "caso sejam descativadas no âmbito das competências do Governo, a consequente concretização em despesa efetiva agrava o défice das administrações públicas no montante descativado".

Continue a ler esta notícia