Ex-presidente do IRN diz que ajudou amigos sem contrapartidas nos vistos gold - TVI

Ex-presidente do IRN diz que ajudou amigos sem contrapartidas nos vistos gold

  • Atualizada às 20:30
  • 13 nov 2017, 14:39
António Figueiredo

António Figueiredo disse em tribunal que apenas prestou um serviço público e admitiu, por outro lado, ter recebido 20 mil euros por organizar uma conferência em Angola, mas negou que tenha cometido qualquer ilicitude nas atividades descritas no processo

O ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado António Figueiredo justificou em tribunal que apenas pretendeu ajudar os amigos e empresários chineses, no caso dos vistos gold, sem contrapartidas financeiras. Disse que apenas prestou um serviço público.

Acusado dos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, tráfico de influência e prevaricação, António Figueiredo resolveu prestar declarações sobre todos os factos em julgamento por forma a provar que "não houve qualquer intenção criminosa" da sua parte.

Explicou, segundo a Lusa, que conhece o empresário chinês Zhu Xiaodong desde 2007, data em que recebeu uma delegação chinesa no IRN por causa da iniciativa "Empresa na Hora".

Esclareceu também, de forma detalhada, que esse conhecimento se transformou em amizade e que, mais tarde, Zhu lhe apresentou um outro investidor chinês, que também passou a fazer parte do seu círculo de amigos, após deslocações ao Douro e a Porto de Mós.

Apenas "ajuda" ou mais do que isso?

À semelhança do que dissera na contestação já entregue ao tribunal, António Figueiredo reiterou que não traficou a sua influência ou a de terceiros e não recebeu contrapartidas ou vantagens indevidas pela "ajuda" dada aos seus amigos chineses, que tinham dificuldades com a língua e com os procedimentos da administração pública.

O juiz Francisco Henrique questionou António Figueiredo sobre se era normal ser o presidente do IRN a interceder diretamente em assuntos dos empresários chineses quando estes já tinham uma advogada, colocando ainda em questão as razões que levaram o secretariado do IRN a tratar de pedidos destes quando há serviços de atendimento público.

Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Não houve aqui uma mistura?"

Pergunta do juiz, tendo António Figueiredo respondido que nunca utilizou os seus serviços para "favorecer quem quer que fosse". Assegurou ainda não ter obtido em troca "qualquer compensação ou retribuição".

Em sua defesa, António Figueiredo justificou a "ajuda" dada aos empresários chineses na questão dos vistos gold e dos contactos com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) com a conceção alargada que possui do que deve ser o serviço da administração pública e o contacto com os interessados.

Referiu que a sua disponibilidade para ajudar os empresários chineses ocorreu numa altura em que os vistos gold eram essenciais para o país, devido à crise económica e em que a atividade dos registos de imóveis estava estagnada.

Justificou também que muita da sua disponibilidade para ajudar os chineses verificou-se fora do horário de trabalho no IRN.

O juiz perguntou ainda ao arguido sobre se "não lhe passava pela cabeça" que estando a desempenhar um cargo público daquela relevância podia ser mal visto que tivesse toda aquela atenção para com os empresários chineses, ao que António Figueiredo voltou a refugiar-se no argumento de "serviço público".

"Tudo era pago por Angola"

António Figueiredo admitiu ainda ter recebido 20 mil euros por organizar uma conferência em Angola, mas negou que tenha cometido qualquer ilicitude nas atividades descritas no processo vistos gold.

O arguido salientou que, no âmbito da formação e cooperação em matéria de registos e notariado, ficou acordado que "tudo era pago por Angola", admitindo que numa das viagens recebeu ajudas de custas no valor de 2.000 euros.

Foi ainda confrontado com 25 mil kwanzas (moeda angolana) que foram apreendidos numa busca domiciliária, tendo justificado esta verba com as ajudas de custo de uma outra deslocação a Angola, para o mesmo efeito.

O antigo presidente do IRN lembrou que, em abril de 2014, deslocou-se a Angola, no âmbito da cooperação, numa comitiva que integrava a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, e o diretor nacional da Polícia Judiciária Almeida Rodrigues.

António Figueiredo foi ainda confrontado sobre uma proposta vantajosa que terá recebido para participar na reforma dos códigos de registos de Angola, tendo o juiz inquirido o antigo presidente do IRN sobre se "nunca cogitou sobre estas coisas da aparência", ou seja que "à mulher de César não basta ser séria".

Nesta e noutras matérias da acusação, como sejam o concurso da CRESAP (em que o Ministério Público entende que houve uma troca de favores com a ex-secretária-geral do Ministério da Justiça Maria Antónia Anes) ou da nomeação do Oficial de Ligação para a Imigração (OLI) em Pequim, o arguido rejeitou a prática de qualquer ato ilícito, considerando contudo que a sua "disponibilidade para tudo e para todos" lhe acabou por ser "prejudicial".

"Para mim foi uma lição de vida", declarou o arguido, que teve ainda de explicar uma deslocação à Madeira na companhia do empresário angolano Eliseu Bumba, tendo em vista a eventual aquisição de um hotel que estava penhorado.

Na questão do OLI para Pequim, que motivou também perguntas do procurador José Nisa, o arguido negou que tivesse falado sobre o assunto com o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo ou com o antigo diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Jarmela Palos.

António Figueiredo foi ainda instado a explicar o significado da frase contida num e-mail que lhe foi enviado por Miguel Macedo e em que este diz que António Figueiredo "está sempre a faturar", tendo o arguido explicado que se tratava de "linguagem privada" entre amigos e que nada tem a ver com dinheiro.

Quanto à frase "há que arrebanhar por todo o lado", explicou que se tratava de uma conversa com o seu genro para despachar o vinho que a família tinha e precisava de vender rapidamente.

À saída do tribunal, Rogério Alves, advogado de António Figueiredo, considerou que "há atos que podem ser eticamente mais ou menos reprováveis", mas que não configuram qualquer ilícito penal, razão pela qual encontrar um crime neste processo pode revelar-se mais difícil do que "encontrar o Wally naqueles livros".

Segundo Rogério Alves, o que está em causa é "um conjunto de condutas que podem ser criticadas no plano ético ou comportamental", mas provar que houve corrupção, tráfico de influência, branqueamento de capitais e outros crimes imputados a António Figueiredo pela acusação é "um salto mortal".

Outros arguidos

Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna do Governo de Pedro Passos Coelho, é outro dos arguidos mais conhecidos deste processo.

A ex-secretária-geral do Ministério da Justiça Maria Antónia Anes, o ex-director-geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Manuel Jarmela Palos e o empresário chines Zhu Xiaodong são outros dos arguidos principais do processo.

Em causa na "Operação Labirinto" estão indícios de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, peculato de uso, abuso de poder e tráfico de influência, relacionados com a atribuição de autorizações de residência para a atividade de investimento, vulgarmente conhecidos por "vistos Gold".

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