“Das 20 declarações que aparentemente estão em causa apenas uma deu entrada na AT" - TVI

“Das 20 declarações que aparentemente estão em causa apenas uma deu entrada na AT"

  • AM
  • 3 mar 2017, 18:15

José Azevedo Pereira, ex-diretor-geral do Fisco, foi ouvido na comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa. Finanças confirmam que só receberam uma declaração

O ex-diretor-geral do Fisco Azevedo Pereira afirmou, esta sexta-feira, que apenas uma declaração de transferência para ‘offshore’ entre as 20 que não foram tratadas pela Autoridade Tributária foi entregue durante o seu mandato, sendo as restantes nos mandatos seguintes.

Das 20 declarações que aparentemente estão em causa apenas uma deu entrada na AT [Autoridade Tributária] no período em que fui diretor-geral. O resto foi no [período] dos meus sucessores”, afirmou José Azevedo Pereira na comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.

O antigo diretor-geral da AT disse que a informação das declarações do modelo 38 (que os bancos enviam ao Fisco com a informação de transferências para paraísos fiscais) chegou ao sistema informático, mas que não chegou ao nível da inspeção tributária.

Um dos exemplos que Azevedo Pereira deu, quando questionado pelo deputado do PS Eurico Brilhante Dias, foi de uma declaração relativa a rendimentos de 2012, mas que só terá dado entrada na AT em 2016, admitindo não saber, no entanto, se esse atraso se deveu à entrega de uma declaração de substituição (quando a primeira tem um erro) ou apenas está fora do prazo.

A partir de um determinado nível, a informação deixou de ser transmitida. Como a inspeção tributária trabalha dados a partir do ‘data house’ trabalhou a informação que tinha e deu-lhe o tratamento tributário fiscal que devia ter dado”, afirmou Azevedo Pereira.

O ex-diretor-geral do Fisco afirmou que “não é expectável que se percam impostos”, porque os procedimentos inspetivos ainda podem ser feitos.

As informações que entraram logo no final de junho poderiam ter sido tratadas no segundo semestre de 2014”, disse, considerando que, por isso, o “tratamento tributário terá sido atrasado não por três ou quatro anos, mas na boa parte atrasado em prazos de um ano ou poucos meses, que são quase insignificantes”.

Nesse sentido, Azevedo Pereira defendeu que “a esmagadora maioria das declarações são passíveis de ser tratadas em momentos posteriores”.

Finanças confirmam que só receberam uma declaração

O Ministério das Finanças confirmou que apenas uma das 20 declarações de transferências para 'offshore' que não foram inspecionadas pelo Fisco deu entrada na AT durante o mandato de Azevedo Pereira, até julho de 2014.

Num esclarecimento enviado à agência Lusa, a tutela afirma que no período de mandato de José Azevedo Pereira - que terminou em 16 de julho de 2014 - decorreu o prazo de entrega das declarações relativas aos rendimentos de 2011 e 2012.

"Apenas três declarações relativas a esse período apresentaram problemas de tratamento de dados", indica o Ministério das Finanças, acrescentando que duas delas "são declarações de substituição entregues depois de 16 de julho de 2014".

Embora o mandato de Azevedo Pereira, que teve início em 2007, englobe as transferências de rendimentos feitas entre 2011 e 2014, os prazos para a entrega das declarações referentes a 2013 e os períodos posteriores terminaram após a saída do ex-diretor-geral.

Assim, o Ministério das Finanças "confirma a indicação do professor doutor Azevedo Pereira, que aliás coincide com dados que lhe foram fornecidos pelo gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a seu pedido, de que apenas uma dessas três foi entregue antes de junho de 2014. As duas restantes são declarações de substituição entregues depois de 16.07.2014".

Problema informático pode ser causa

José Azevedo Pereira admitiu ainda que um problema informático pode ser o motivo do não controlo inspetivo de algumas transferências para 'offshore'.

A AT é uma organização complexa, sublinhou Azevedo Pereira no parlamento, e "há sempre problemas informáticos" e "coisas que são muito difíceis de controlar", pelo que "é possível" que seja essa a causa do não controlo inspetivo e posterior não publicação de transferências de cerca de 10 mil milhões de euros para paraísos fiscais.

Questionado em concreto sobre o caso do Panamá, onde mais de 97% das transferências foram feitas de forma oculta, como referiu o Governo, e se era normal um problema informático ser tão "seletivo", o antigo diretor do Fisco reiterou: "É possível. Nem todas as instituições financeiras têm o mesmo tipo de relacionamento com o Panamá", adiantou, vincando que um erro informático tão específico é "perfeitamente compatível" com a leitura que fez aos deputados.

Depois, e procurando "desdramatizar" o tema, Azevedo Pereira declarou que embora haja "impacto mediático" nas transferências para ‘offshore', estas não asseveram ao Estado português "um volume significativo de receita" em matéria de impostos.

José Azevedo Pereira foi diretor geral dos Impostos entre 2007 e 2014 e está hoje a ser ouvido na comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) a propósito das transferências para ‘offshore’.

Antes, hoje também, foi ouvido pelos parlamentares da COFMA o também antigo diretor do Fisco António Brigas Afonso.

Na quarta-feira, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, explicou na Assembleia da República que as características das 14.484 transferências para 'offshore' que escaparam ao controlo inspetivo da AT estão a ser averiguadas, sublinhando que o valor oculto ultrapassou o declarado em 2014 e que "quase tudo o que foi para o Panamá está oculto".

As questões ligadas às tecnologias de informação foram referidas pelo atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, na sua quando referiu que terá sido uma falha informática a impedir o controlo inspetivo sobre os cerca de 10.000 milhões de euros transferidos para ‘offshore' entre 2010 e 2014 e não publicados nas estatísticas oficiais.

A AT informou-nos que tinha sido detetada uma falha relativamente aos dados e que os erros detetados resultaram em problemas na transmissão de informação do Portal das Finanças para o sistema central", afirmou o governante.

Na semana passada, o jornal Público noticiou que entre 2010 e 2014 quase 10.000 milhões de euros foram transferidos para contas sediadas em paraísos fiscais sem qualquer controlo da AT, embora tenham sido comunicados ao Fisco pelos bancos, como a lei obriga.

Entre 2011 e 2015, enquanto Paulo Núncio era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, não foram publicadas as estatísticas da AT com os valores das transferências para ‘offshore', uma publicação que tinha sido tornada obrigatória em 2010.

As estatísticas só voltaram a ser publicadas no Portal das Finanças por decisão do atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, sendo que o Ministério das Finanças detetou que houve 20 declarações de Operações Transfronteiras (enviadas pelos bancos ao Fisco) que "não foram objeto de qualquer tratamento pela AT".

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