Como o Brasil ajudou a afundar o Banif - TVI

Como o Brasil ajudou a afundar o Banif

Uma investigação da TVI reconstituiu os últimos anos de vida do Banif. O Banif Brasil teve um efeito explosivo no processo que determinou o fim deste banco, em dezembro de 2015. A TVI teve acesso a uma auditoria, feita no início de 2012, onde está demonstrado que a administração de Jorge Tomé sabia da gravidade do problema do Banif, mas subestimou a necessidade de reforçar provisões

Uma investigação da TVI reconstituiu os últimos anos de vida do Banif. O Banif Brasil teve um efeito explosivo no processo que determinou o fim deste banco, em dezembro de 2015. A TVI teve acesso a uma auditoria, feita no início de 2012, onde está demonstrado que a administração de Jorge Tomé sabia da gravidade do problema do Banif, mas subestimou a necessidade de reforçar provisões.
 
Num plano de recapitalização feito em julho de 2012, a administração defendia que o banco precisava de 800 milhões de euros de capital, mas o Banco de Portugal acabou por impor 1.100 milhões.
 
A viagem a São Paulo foi uma das primeiras ações de Jorge Tomé depois de assumir a presidência do Banif, em março de 2012. Esta deslocação teve como objetivo perceber o que se estava a passar no Brasil, pois já se sabia que o negócio do banco não estava a correr naquele país.

Devo dizer que saí do Brasil muito preocupado. Até cheguei a dizer em Lisboa que provavelmente o Banif iria implodir via Brasil", assumiu Jorge Tomé em audição na Comissão Parlamentar de Inquérito, a 29 de março deste ano.

Chegado a Lisboa, o antigo presidente do Banif pediu uma auditoria interna aos bancos do Brasil. O relatório chegou às suas mãos em junho e o diagnóstico feito ao banco era grave. O documento, a que a TVI teve acesso, revela práticas bancárias de alto risco na carteira de empréstimos do Banif Brasil.

Créditos com fracas garantias

Segundo o relatório da auditoria, verificava-se no banco brasileiro a "concessão de crédito a empresas muito endividadas com aumentos sucessivos de limites para clientes em situação crítica". A auditoria concluiu também que, por detrás das operações bancárias "não existe modelo interno de avaliação do risco".
 
Esta auditoria passou a pente fino 15 grupos económicos e verificou que só este universo de clientes concentrava empréstimos à volta de 140 milhões de euros, ou seja, o equivalente a 188% dos capitais próprios do Banif Brasil.
 
Três exemplos de práticas lesivas para a instituição… Os grupos Vespoli e Fuzari, com créditos de 35 e 30 milhões de euros, respetivamente, são apenas dois exemplos em que a auditoria considerou haver “garantias fracas, praticamente inexistentes devido ao facto de não terem sido registadas”.  A Associação Portuguesa de Desportos, um clube, com um crédito de 15 milhões de euros que os auditores perceberam ter uma “garantia fraca e incorretamente formalizada”, já que “o aval é do presidente, respetivo cônjuge e do vice-presidente”.
 
Ainda no caso das imobiliárias, a auditoria detetou que "as avaliações de imóveis não seguem normas técnicas e na maioria eram solicitadas e apresentadas pelos próprios clientes”, o que denuncia um "claro conflito de interesses”. É também detetada a prática de "renovação de empréstimos com capitalização de juros". Ou seja, esta era uma forma de dissimular a incapacidade financeira dos clientes e, tão ou mais grave, "as propostas de crédito omitem este tipo de atuação". No relatório, os auditores alerta que há "fortes indícios de risco de ressarcimento de crédito". Isto é, é assumido que há um risco não acautelado e que "o provisionamento é insuficiente".
 
Contactado pela TVI, o ex-presidente executivo do Banif não reconhece a existência desta auditoria interna revelada pela TVI. Jorge Tomé diz que em julho de 2012 era impossível ter as contas do Banif Brasil validadas e que o relatório final de auditoria sobre a situação no Brasil no primeiro semestre só ficou concluído em setembro/outubro desse ano.
 
Na Comissão de Inquérito Parlamentar, a 29 de março, o ex-presidente do banco refere que “e, de facto, essa auditoria, que não espelhava tudo o que se passava no Brasil, nem pouco mais ou menos, mas já dava uma forte ideia… O Brasil ia-nos consumir muito capital porque, de facto, o Brasil era um dossier explosivo, absolutamente explosivo”. Ou seja, Jorge Tomé sabia da situação explosiva e sabia também que era necessário reforçar provisões porque a auditoria de junho de 2012 já o recomenda, de modo a salvaguardar más surpresas latentes no Brasil.

Plano de recapitalização subestima danos

Quando olhamos para o primeiro plano de recapitalização do Banif, da autoria da administração de Jorge Tomé, constatamos, com surpresa, a leveza dos números inscritos para o efeito.
 
Na avaliação dos técnicos, considerando um cenário neutro (portanto, nem otimista nem pessimista) em termos de incumprimento, a recomendação aponta para um reforço de provisões à volta de 50 milhões de euros. E isto apenas para a tal amostra de 33% de clientes. Para abranger o universo real de créditos, a almofada teria de subir para cerca de 150 milhões de euros.
 
No entanto, no plano de recapitalização de julho a resposta a este problema não vai além de 30 milhões de euros para novas imparidades. O desvio viria a ser detetado pelo Banco de Portugal que, após uma outra auditoria, solicitou mais um reforço de 80 milhões de euros.
 
Mesmo assim, quando a bomba estourou, foi muito pouco o que se conseguiu salvar no Brasil. Na audição Parlamentar de Inquérito, Jorge Tomé revelou: “Aproveitou-se 10% do crédito, o resto foi toda imparizada”. No final de 2012 a carteira de crédito do Banif Brasil era de cerca de 426 milhões de euros. O banco recuperou 10%, o que dá cerca de 43 milhões de euros mantendo-se o volume de crédito. Ter-se-ão perdido 383 milhões de euros, o que demonstra que a administração de Jorge Tomé fez contas por baixo. E este não foi caso único.
 
Voltemos ao plano de recapitalização do banif de julho de 2012. O conselho de administração estimava uma necessidade de injeção de capital entre 750 e 800 milhões de euros com o estado a assegurar entre  600 a 650 milhões de euros.
 
Como se sabe, o Banco de Portugal fez outros cálculos e, em dezembro, o estado deu luz verde a uma ajuda pública de 1.100 milhões de euros. “Obviamente o Banco de Portugal teve acesso àquele relatório de auditoria do Brasil. O número a que o Banco de Portugal chegou para as necessidades de capital, eu diria que era o número certo”, assumiu Jorge Tomé na audição parlamentar. Mas o “número certo” não deu certo e o Banif morreu em dezembro de 2015, tendo sido depois vendido ao Santander por 150 milhões de euros. Uma morte assistida pelo Estado que, afinal, teve de injetar mais 2.200 milhões de euros.
 
A TVI contactou Nuno Teixeira, ao tempo administrador financeiro do Banif, e também Carla Rebelo, coordenadora do plano de recapitalização, mas ambos recusaram prestar esclarecimentos.

Continue a ler esta notícia