Covid-19: Estado deverá assumir 5% a 10% das perdas dos créditos garantidos - TVI

Covid-19: Estado deverá assumir 5% a 10% das perdas dos créditos garantidos

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  • Publicada por ALM
  • 26 mai 2020, 14:17
António Costa

No âmbito das linhas de apoio à economia. Os restantes Estados têm uma absorção maior de risco proveniente das garantias, de acordo com esta estimativa do Banco Central Europeu. BCE alerta para solvência das seguradoras e relação com a dívida pública

O Banco Central Europeu (BCE) estima que entre 5% e 10% das perdas provenientes dos empréstimos bancários garantidos pelo Estado português no âmbito das linhas de apoio à economia associadas à pandemia de Covid-19 sejam assumidas pelo erário público.

O valor, cujo intervalo é percetível, mas a sua exatidão não, consta de um gráfico presente no relatório de Estabilidade Financeira hoje divulgado pelo BCE, e está apenas acima da percentagem calculada para a Holanda (abaixo de 5%).

Os restantes Estados têm uma absorção maior de risco proveniente das garantias, de acordo com esta estimativa do BCE, já que a França se situa entre os 15% e 20%, Bélgica e Espanha ligeiramente abaixo de 20%, Itália entre os 55% e 65% e Alemanha entre 60% e 65%. A zona euro como um todo situa-se entre os 30% e 40%.

O gráfico apresentado diz respeito à "percentagem estimada de perdas por crédito bancário cobertas por sistemas de garantias governamentais", e tem por base vários cenários macroeconómicos e de fluxos de caixa, assumindo o Estado total responsabilidade pelo empréstimo à luz das garantias.

"Em princípio, os sistemas podem reduzir as perdas incorridas pelos bancos em empréstimos às empresas e transferir algum do risco de crédito remanescente para os Estados", e o BCE estima, em quatro cenários, que "a implementação total dos sistemas de garantia de crédito pode reduzir perdas nos empréstimos entre 15% e 20% na zona euro", comparando com uma não utilização dessas garantias.

O BCE afirma ainda que "cerca de um terço das perdas que ainda assim surgiriam poderiam ser transferidas para os Estados através da ativação das garantias".

"A combinação da posição inicial do setor empresarial e o desenho dos esquemas de garantias vai determinar o impacto nos diferentes países", antecipa o BCE, considerando que "quanto maior o tamanho geral dos sistemas de garantias relativamente à economia, maior o benefício geral em termos de evitar perdas no crédito".

O BCE destaca ainda que "a extensão de como as perdas remanescentes são transferidas para o Estado vai depender da percentagem de empresas que falhem os critérios de elegibilidade, por exemplo porque se encontravam com preocupações de solvência anteriores".

Quanto aos números apresentados, a instituição liderada por Christine Lagarde aponta que "devem ser interpretados como indicativos, dado que o impacto varia por país dependendo das assunções acerca do desenho do sistema e da forma estimada do setor empresarial".

"Mas na realidade, a eficácia dos esquemas de garantia depende da sua tomada e da capacidade dos requerentes terem acesso aos empréstimos rapidamente", maior em países com mais pequenas e médias empresas (PME) e com o setor empresarial mais endividado (como Portugal), porém "a tomada real dos empréstimos pode ser significativamente menor do que os envelopes anunciados, dado que muitas empresas podem sentir que podem gerir o seu fluxo de caixa sem necessidade de garantias".

O BCE estimou ainda que, se apenas empresas dos setores mais afetados tomassem os empréstimos, "o valor seria cerca de 60% do montante máximo potencial", o que poderia levar a que as perdas assumidas pelo Estado permanecessem "relativamente altas, pois que os empréstimos iriam para as empresas que beneficiam mais de financiamento por outras vias".

BCE alerta para solvência das seguradoras e relação com a dívida pública

O BCE considera ainda que a solvência do setor segurador da zona euro poderá enfraquecer-se devido à baixa de preço dos ativos e à continuação do ambiente de baixas taxas de juro.

De acordo com o relatório de Estabilidade Financeira do BCE, "a solvência das seguradoras poderia ser significativamente enfraquecida por um duplo golpe proveniente do declínio do preço dos ativos e de taxas de juro baixas por mais tempo".

Lembrando que "em geral, as seguradoras estavam bem capitalizadas no início da pandemia", mas que "a tomada de maior risco por algumas seguradoras nos últimos anos tornou o setor mais vulnerável à reavaliação dos ativos financeiros", o BCE considera que a desvalorização de ações registada em fevereiro e março "deverá causar um impacto adverso significativo nos rácios de solvência".

"Se as preocupações acerca da sustentabilidade da dívida pública subirem novamente, os rácios de solvência poderiam também ser afetados de forma adversa pela alta concentração de dívida soberana nas carteiras das seguradoras", adverte a instituição presidida por Christine Lagarde.

O BCE lembrou que antes do anúncio do programa de compra de dívida no contexto da pandemia de Covid-19, "os spreads da dívida soberana e de alguns países da zona euro [entre os quais Portugal] experienciaram alta volatilidade".

"As seguradoras tradicionalmente têm percentagens significativas das suas carteiras em dívida pública, contabilizando até 70% dos seus títulos de dívida totais em alguns países", de acordo com o BCE, que adverte que o balanço das companhias "poderia ser enfraquecido no caso de novo 'stress' nos mercados de dívida soberana".

O BCE assinala até que "o alto nível de exposição a dívida soberana doméstica também indica uma presença atual de um 'nexo seguradores-soberanos'".

"Os declínios nas receitas esperadas de investimentos e prémios também deverão pesar nos lucros e na solvência" das seguradoras, segundo o BCE, que "como consequência da pandemia, algumas seguradoras poderão sofrer de pressões de liquidez", bem como um aumento de pedidos de seguros.

Também no setor ressegurador, são esperados mais pedidos decorrentes da pandemia de covid-19, associados a cancelamentos de eventos como os Jogos Olímpicos Tóquio2020, mas que serão "parcialmente contrabalançados por perdas abaixo da média nas linhas de negócio associadas a catástrofes naturais".

Pandemia é "um desafio de médio prazo" para as finanças públicas

Em termos globais, o documento não esconde que a pandemia de Covid-19 representa um desafio de médio prazo para a sustentabilidade das finanças públicas dos países da zona euro.

"A pandemia representa um desafio de médio prazo para a sustentabilidade das finanças públicas. Os governos da zona euro continuam a beneficiar de condições de financiamento benignas no contexto do corrente programa de compra de ativos do BCE, mas a pandemia deverá enfraquecer as posições orçamentais à medida que os estabilizadores automáticos e medidas de apoio discricionárias se traduzirem em maiores défices", pode ler-se no relatório de Estabilidade Financeira hoje divulgado pelo BCE.

Notando que as medidas orçamentais de apoio à economia "ajudam a mitigar" os efeitos da crise económica e podem apoiar a sustentabilidade da dívida a médio prazo, o BCE aponta, no entanto, que "o aumento associado dos níveis de dívida pública podem também acionar uma reavaliação do risco soberano [dos Estados] dos participantes no mercado e reacender pressões em soberanos mais vulneráveis".

"Uma contração económica mais severa e prolongada do que o esperado, se associada com maiores custos de financiamento para alguns países da zona euro e com a materialização de obrigações contingentes, arriscaria pôr o rácio de dívida pública face ao PIB [Produto Interno Bruto] num caminho insustentável em países já altamente endividados", alerta a instituição presidida por Christine Lagarde.

Em geral, o BCE considera que "o sistema financeiro da zona euro resistiu a muito do 'stress' recente com a ajuda de medidas de política, mas a produção económica perdida e maiores 'fardos' da dívida aumentam os riscos a médio prazo para a estabilidade financeira da zona euro".

Os quatro maiores riscos identificados pelo relatório da instituição sediada em Frankfurt, na Alemanha, são as "condições financeiras mais apertadas e funcionamento frágil em alguns mercados", "um aumento significativo nos 'fardos' da dívida, especialmente dívida pública", "menor capacidade de intermediação bancária e lucratividade", e ainda a "amplificação das dinâmicas de mercado pelo setor financeiro não bancário". 

No que concerne à banca, "as avaliações bancárias caíram para mínimos recorde e os custos de financiamento dos bancos aumentaram, apesar da melhorada resiliência desde a crise financeira mundial" e de não terem estado "no epicentro da pandemia", refletindo "tanto as perspetivas económicas deterioradas e a consideravelmente maior incerteza acerca das perspetivas dos lucros e qualidade dos ativos dos bancos da zona euro".

 

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