Salgado e dois membros do GES sabiam da ocultação de dívida - TVI

Salgado e dois membros do GES sabiam da ocultação de dívida

BES [Reuters]

João Filipe Martins Pereira, que foi responsável de compliance no BES e na ESFG, conta, no Parlamento, o que o contabilista que lhe disse, no final de março de 2014. Nesse encontro, Machado da Cruz revelou que Salgado, José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo tinham conhecimento de que o passivo não estava totalmente refletido nas contas da ESI

Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo, três membros do conselho superior do Grupo Espírito Santo, sabiam da ocultação de dívida nas contas da Espírito Santo Internacional (ESI), a holding que espoletou o colapso do GES e do BES. Isso foi dito pelo contabilista do grupo, Francisco Machado da Cruz, numa reunião no final de março de 2014, onde todos terão estado presentes, revelou esta quinta-feira o ex-responsável de compliance do BES e da ESFG, João Filipe Martins Pereira. Confirmou, assim, na comissão de inquérito sobre o caso, a versão do contabilista, que contou a sua «verdade dos factos», naquele dia. Uma verdade que «não foi questionada».

«Na parte que eu assisti, o dr. Machado da Cruz disse que havia pessoas no grupo que sabiam que dívida não estava totalmente refletida, mas que não sabiam o montante [foram 1,3 mil milhões de euros]»


Martins Pereira, que revelou ter ficado «perplexo» com as contas, especificou, depois, o que disse o contabilista. Para além dele e do controller financeiro José Castella, as outras três pessoas que tinham conhecimento eram:

«Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo»


Sobre se essa ocultação de passivo foi feita por ordem de alguém, isso não lhe foi dito, nessa reunião. Ou seja, o contabilista não apontou um responsável em concreto:

«Não ouvi o dr. Machado da Cruz dizer A, B ou C mandou-me fazer isto»

Uma reunião que teve duas partes. O que o próprio Martins Pereira defendeu foi que «era absolutamente imprescindível que toda a verdade fosse revelada aos advogados» e «é isso que está refletido no memorando» que eles escreveram. O contabilista falou a «sós» com eles. Se contou não a verdade, é algo que o ex-gestor do BES não sabe dizer: 

«Eu não sei qual é a verdade. Não sou dono de nenhuma verdade, nem atribuo verdade ou mentira a qualquer pessoa». «Se me pergunta se as declarações do Dr. Machado da Cruz correspondem exatamente à verdade, só ele poderá responder»

Certo é que, nessa reunião, «a verdade do dr. Machado da Cruz não foi discutida»

E Salgado, o que disse ao ex-responsável pelo compliance do BES?  «Segundo me foi transmitido pelo próprio, desconheceria a situação» das contas escondidas, afirmou.

O que disseram os três citados nas suas audições?

Ora, Ricardo Salgado culpou Machado da Cruz, pela ocultação de contas e disse que ele «assumiu totalmente a responsabilidade pelos seus atos». «Não dei instruções a ninguém para ocultar passivos do grupo».

José Manuel Espírito Santo presumiu que o contabilista não tenha «decidido por conta própria» e chegou a falar numa «combinação» entre os responsáveis pela tesouraria do grupo (Machado da Cruz, José Castella e Ricardo Salgado), mas não assumiu qualquer responsabilidade própria.

Manuel Fernando Espírito Santo culpou o contabilista pelo descontrolo das contas e alegou que «sempre foi dito que não era necessário, pelo próprio comissaire aux comptes, que não era preciso consolidar as contas da ESI». «Tivemos muita dificuldade em obter informação», afirmou, ainda, aos deputados.

«Até ganhei algum respeito por Machado da Cruz»

Segundo Martins Pereira, Machado da Cruz «começou por admitir um erro» que pensa ter sido admitido à KPMG na auditoria de setembro de 2013. E só. «Até à reunião de março, não ouvi outro tipo de explicação» sobre esses 1,3 mil milhões de euros de passivo omitidos nas contas. Seria preciso perceber se, em causa, estava apenas prejuízo, ou «se havia ativos não registados», declarou.

«O que eu disse, e voltaria a dizer hoje, é que era indispensável o Dr. Machado da Cruz, responsável por aquele repositório, colaborasse na resolução» do problema. «Se tivesse desaparecido (...). Se tivesse levado às últimas consequências a sua demissão e tivesse abandonado completamente (...) a sua saída de cena tornaria o apuramento das coisas muitíssimo mais complicado»


Explicação do passivo da ESI feita com «suposições»

Antes, ainda em novembro de 2013, Martins Pereira - que tinha sido antes responsável pelo departamento de compliance (fiscalização do cumprimento de regras) do banco durante 11 anos e da Espírito Santo Financial Group por apenas três meses.foi chamado a Lisboa, para lhe ser dado conhecimento da situação financeira da Espírito Santo Internacional. As explicações sobre o que se tinha passado foram escassas, feitas de suposições: 

«Possivelmente seria da consolidação, possivelmente seria um erro contabilístico. A ESI não tinha uma estrutura própria de contabilidade. Nessa reunião, não houve nenhuma explicação concreta sobre a ausência da dívida»


Martins Pereira aconselhou uma «recuperação imediata» dessa dívida. «Qual era, no fundo, a razão para a contrapartida dessa dívida», explicou.

Um mês depois, em dezembro de 2013, foi convidado para «auxiliar» na resolução do problema. Saiu da ESFG, onde estava num regime de licença sem vencimento requerida ao BES.

Aceitou ajudar, impondo condições: queria ter «uma identificação clara, claríssima, das responsabilidades passadas em quem entrasse para a ESI». Queria ter pessoas da sua sua confiança «técnica e pessoal» e acesso «incondicional» à informação. «Uma vez que não tinha uma estrutura própria, a informação estava diretamente na posse das pessoas relacionadas», explicou.

Também quis falar com o BdP, para informar que ia deixar de assumir funções na área financeira, e «manter relação deontológica» com o supervisor.

Depois de nomeado, foi ao Luxemburgo várias vezes, já que a holding estava sedeada lá. 

Na sua audição, no Parlamento, defendeu que a derrocada do Grupo Espírito Santo se deveu a falhas de controlo interno e externo, por parte dos reguladores.

 
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