«Fiz sempre fé em Salgado» e BdP «gerou incerteza e stress» - TVI

«Fiz sempre fé em Salgado» e BdP «gerou incerteza e stress»

Morais Pires sublinha que contabilidade era responsabilidade de Salgado

Morais Pires conta que a saída do ex-presidente do BES, anunciada a 20 de junho, foi recebida com surpresa pelos investidores internacionais. O ex-administrador financeiro aceitou o convite liderar o banco, mas travão do supervisor da banca por causa da avaliação da idoneidade acabou por gerar um período de incerteza que culminou na volatilidade das ações e na fuga de depósitos. «Acho que o BES não tinha de desaparecer»

O ex-administrador financeiro (CFO) do Banco Espírito Santo, Amílcar Morais Pires, tido como braço direito do ex-presidente do BES, disse que fez «sempre fé em Ricardo Salgado» quanto ao convite para suceder-lhe na liderança, ou seja, passar a CEO, garantindo que não teve «qualquer interação» com o governador do Banco de Portugal. É precisamente ao supervisor da banca a quem atira a culpa pela «incerteza» que se gerou por causa da demora na sucessão, que veio a caber a Vítor Bento. E essa «incerteza» gerou «stress». Tudo se refletiu na «volatilidade das ações» e na «fuga de depósitos». Podia ter sido tudo diferente, alega, porque ele próprio diz que alertou para a «tempestade perfeita» ainda a 11 de julho e que 

«Para os investidores internacionais, muitos dos quais tinham participado no aumento de capital - e com alguns dos quais eu tinha contacto -, ficaram com incertezas em relação à liderança, o que se refletiu de imediato na volatilidade das ações», explicou. Adiantou também que, por causa disso, propôs reunir o grupo de gestão de crise do banco, a 2 de julho, para ativar o plano de contingência, «que tem como principal elemento de análise o risco de liquidez». «No plano das ações a desenvolver, estava prevista coordenação com o BdP. Entretanto, no dia 4 de julho, anunciaram Vítor Bento para presidente». Nesse entretanto, tudo piorou, alega.

«Este conjunto de fatores criou uma situação de stress no BES caracterizada pelo aumento significativo da volatilidade nas ações e também nas obrigações emitidas e no início da fuga de depósitos»


Portanto, Morais Pires não tem dúvidas em afirmar que, antes de uma crise de capital, o que aconteceu ao GES «foi uma crise de liquidez»: «Os senhores sabem que mais de 50% de um ativo de um banco é financiado por depósitos à ordem e a prazo». Se houver fuga de depósitos, nem com um capital de 15%, o banco aguenta, explicou.  Fica «encostado à facilidade de emergência». Isso, a juntar ao corte de linhas intervabancárias, «tornou o banco completamente dependente da linha de emergência bancária do BCE», situação que tornou «insustentável».

O ex-CFO do BES citou, também, o «famoso» comunicado feito aos mercados no dia 10 de julho sobre a exposição direta e indireta do BES à Espírito Santo Financial Group SFG e ao GES não financeiro. «Nesta fase começaram a sentir-se também manifestações de preocupação dos clientes junto dos balcões de Portugal e em Espanha já começava a fuga de depósitos», indicou. 

«Recapitalização privada foi oportunidade perdida»

No dia seguinte, 11 de julho, Morais Pires reforçou os alertas. De saída do banco, nesse dia, foi embora consciência tranquila, dizendo que fez tudo o que devia:

«Alertei de forma clara e inequívoca que o banco estava em situação de stress» (...) «São n situações, à terceira vez, até lhe chamo a tempestade perfeita»


Por outro lado, adiantou que teve uma reunião com a Blackstone para assessorar o banco na recapitalização com fundos privados. Alegou que foi a última reunião em que esteve presente, antes de sair. Ou seja, o BES tentou mesmo, segundo Morais Pires, a recapitalização privada antes do descalabro. Já se sabia que havia interessados, mas o ex-administrador financeiro fala mesmo em «compromisso». 

«Estando a Blackstone comprometida a fazê-lo. Aconselho vivamente os senhores deputados a lerem esta ata». O fim de semana de 12 e 13 de julho era «a última oportunidade» e «perdeu-se». «As atas eram entregues ao Banco de Portugal. Os acionistas de referência iriam fazer as diligências necessárias. Eu tinha consciência que fiz tudo»

Antes, tinha contado que, depois de anunciados os resultados do aumento de capital, que aconteceu em maio, «inesperadamente, pelo menos para a maioria dos investidores institucionais», a 20 de junho Ricardo Salgado anunciou a sua saída. Ora, o Governador do Banco de Portugal indicou, na sua audição, que Salgado aceitou sucessão em abril e apresentou plano de sucessão em maio, para sair em julho. Morais Pires era o seu braço-direito, mas não deixou explícito se sabia ou não dessa mudança. 

Confirmou, sim, que a 18 de junho ele o convidou para a assumir a liderança do BES, «com o apoio da ESFG»

«Nunca tive nenhuma conversa com o senhor governador sobre isto. Fiz sempre fé em Ricardo Salgado. Não tive nenhuma interação. Fiz fé sempre no convite que o Dr. Ricardo Salgado me fez. A minha missão era só completar o mandato que terminava no final de 2015, assegurando a fase de transição» com «a família Espírito Santo a afastar-se progressivamente»


Questionado sobre a afirmação de Salgado - «o BES não faliu, foi forçado a desaparecer» - afirmou: « Acho que não tinha de desaparecer. E eu não sou da família Espírito Santo, sou um modesto acionista que investiu no aumento de capital. Se a 11 de julho tentei convencer os meus colegas de uma recapitalização privada, estava convencido disso».

Morais Pires salientou, igualmente, que viu a sua carreira interrompida ao fim de quase 30 anos e que não é «o dono disto tudo». «Não sou um faz tudo».  


 
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