Rita Barosa contou aos deputados que foi chamada pelo ex-presidente do BES a uma reunião, no dia 9 de junho de 2014, na qual foi colocada em cima da mesa «a possibilidade de emitir umas cartas que, no fundo, dessem algum conforto, que fizessem com que o cliente aguardasse pelo vencimento da dívida e se sentisse mais confortável».
«Mais tarde, recebo no meu e-mail (não sei quem as produziu mas sei quem as enviou) um draft dessas cartas. Na reunião, manifestei e disse que independentemente de tudo, as cartas seriam sempre uma imprudência. Naquela altura não fazia sentido nenhum o banco estar a emitir qualquer tipo de cartas. Deia a minha opinião ao CEO [Ricardo Salgado]»
Do ponto de vista técnico, careciam de credibilidade. «Se eu fosse investidor institucional, aquela carta para mim não seria suficiente como garantia. Ocorreram-me os termos financeiros, que me pareceram muito básicos. Achei que não ia servir o propósito de quem queria qualquer conforto ou garantia», acrescentou.
A ex-responsável assegurou que não teve nada a ver com essas cartas. «Não as produzi, nem nunca as vi assinadas, a não ser pela mão do Dr. José Honório [que integrou a administração do BES liderada por Vítor BEnto», mais tarde». «Não me competia a mim assinar, ou enviar as cartas. Não era eu que acompanhava o clientes», reforçou. «Nunca as vi registadas, assinadas».
O deputado do PSD, Pedro Alves, fez notar que Rita Barosa recebeu o rascunho dessas cartas, por mensagem de correio eletrónico. Foi apenas para imprimir, garantiu. Quem lhe enviou foi uma comercial, que «não estava fisicamente no BES». «Estava no seu portátil e enviou para o meu email para ser impresso o seu draft. É verdade, mas foi uma questão técnica».
Do rascunho ao papel carimbado
Dos outros contactos por e-mail que teve nessa altura, «as cartas que tinham sido assinadas» nunca foram anexadas. «A partir dessa altura, a minha convicção clara é que não tinha havido cartas nenhumas». Teriam ficado só pelo rascunho, sem efeito prático, pensou.
Houve «vários emails de reclamação [para reembolso do dinheiro] e o cliente [PDVSA] nunca refere aplicações na ESI e nunca refere qualquer carta, garantia ou conforto». «Terá sido a 15 de julho que recebi um e-mail do Dr. Rui Silveira, administrador da área jurídica, a perguntar se tinha conhecimento daquelas cartas. O que respondo é que, para além daquelas [do draft] não conhecia». Só em agosto é que a existência de cartas de conforto foi referida pela petrolífera, segundo Rita Barosa.
Ainda em julho, a ex-responsável do BES contou o que sabia sobre o assunto ao seu novo administrador, José Honório. «Sugeriu-me que enviasse email com explicação para ele e Dr. Ricardo Salgado. Foi [essa] a primeira vez, [através de José Honório] que vi as cartas assinadas».
Também sobre a Espírito Santo Internacional (ESI), contou que, na mesma reunião, Ricardo Salgado lhe explicou que havia um fundo que tinha algumas aplicações em dívida ESI e «se havia alguma forma de o banco recomprar ou fazer uma operação de crédito colateral sobre essas emissões». «Pedem-me opinião sobre o assunto. Não vejo que possa ser feita de maneira nenhuma», conta. Isto é, usar a ESI como colateral numa operação de crédito. Não servia de garantia. Foi o que Rita Barosa alega que disse, na altura, ao ex-presidente do BES.
Na sua curta intervenção inicial, a ex-diretora do BES, banco onde esteve 18 anos, afirmou ainda que foram «anos de grande dedicação e trabalho» e que foi, com «profundo pesar» que assistiu à resolução do BES decidida pelo Banco de Portugal a 3 de agosto de 2014.
Revelou, também, que se mostrou surpreendida com o facto de integrar a lista do ex-CFO Amílcar Morais Pires para a administração que iria suceder a Ricardo Salgado, alegando que ninguém lhe perguntou previamente se queria. E teve o mesmo sentimento de surpresa quando Miguel Relvas, que não a conhecia, a convidou para secretária de Estado.
Por que é que as cartas de conforto são importantes?
Foram passadas à petrolífera venezuelana PDVSA, em junho de 2014, e resultaram em elevadas imparidades para o banco nas últimas contas que apresentou antes da derrocada final, em julho desse ano.
O ex-administrador do BES Rui Silveira já tinha assegurado, na sua audição no parlamento, em dezembro, que os administradores do banco não as conheciam e que elas tinham sido passadas a dois investidores institucionais venezuelanos, no valor de 267,2 milhões de euros.
Especificou, até, que foram endereçadas ao Banco de Desarrollo Economico y Social Venezuela e ao Fondo de Desarrollo Nacional Fonden, «à revelia dos restantes membros da administração».
Apesar de serem datadas de 9 de junho de 2014, e assinadas quer por Ricardo Salgado, antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES), quer por José Manuel Espírito Santo - que já disse na comissão de inquérito parlamentar que foi Salgado que lhe pediu para assinar as cartas, garantindo que não tinha conhecimento do seu conteúdo - Rui Silveira assegurou que a comissão executiva do BES só teve conhecimento da existência destas cartas um mês depois, a 15 de julho.