«Era o presidente da comissão executiva da Tranquilidade», retorquiu a deputada do CDS-PP, Teresa Anjinho, a primeira a fazer perguntas ao ex-gestor, que dispensou intervenção inicial. Mais à frente, Brito e Cunha adiantou que recusou, em julho, o mês do colapso do GES e do BES, uma nova transação. Mas argumentou que, nesse mês, já sabia dos problemas e por isso é que não confiou. Até junho não, alegou.«Quem sou eu para questionar o acionista quando me pede ajuda?». «É um pedido do acionista que é muito difícil de recusar. O acionista não é só uma pessoa, é um grupo. Não há grandes hipóteses... Se eu recuso...»
Até aí, não tinha dúvidas de que o acionista principal iria devolver os empréstimos feitos, até porque «todos estes investimentos foram feitos na altura do famoso plano de recapitalização aprovado pelo Banco de Portugal [ETRIC]», explicou.
Alegando que o investimento direto em papel comercial do grupo, não era frequente, detalhou os empréstimos feitos no primeiro semestre de 2014: «O primeiro empréstimo de 15 milhões foi feito a uma das empresas do grupo, era puro empréstimo, que tinha obviamente remuneração atrativa e que tinha basicamente um prazo muito curto. Esse foi o primeiro, em maio».«Quando dei concordar estes quatro empréstimos, sempre o fiz na ótima que não havia problema nenhum. O acionista estava a pedir uma ajuda. Essa ajuda interessava sempre à Tranquilidade. Por um lado era bem remunerado. Eram sempre investimentos bem remunerados, com muito baixos riscos».
Mas houve, depois, outro de 40 milhões e mais um de 45 milhões. «Aí sim, foi compra de papel comercial e, também, de prazo muito curto».
Investimentos feitos por telefone
O último de todos, foi de 50 milhões. «Uma ajuda à casa mãe [ESFG], para todos os efeitos, para esta sustentar a sua posição no aumento de capital do BES», admitiu.
Esta operação foi autorizada por telefone, embora nem toda a administração estivesse de acordo:
«Não estava no país». «Nem toda a gente concordou, mas toda a gente teve conhecimento» destes investimentos em papel comercial do GES
Chegou mesmo a admitir, depois, que «nunca houve reunião da comissão executiva para discutir estes investimentos» e que o Instituto de Seguros só foi informado a 6 de junho das quatro transações.
Peter Brito e Cunha viu essas ajudas com naturalidade, porque já se tinham feito operações do género no passado, «nomeadamente em fevereiro», com um empréstimo de 100 milhões à ESFG, «num prazo muito curto, de um mês, reembolsado no dia 7 de março».
«Tinha acontecido no passado e não havia razões nenhumas para duvidas do acionista principal e que ia haver default. Não havia conhecimento da situação real, sobre a situação do grupo. Não havia nada a apontar. Tudo se passava bem até esse momento»
O ex-administrador disse que, para a Tranquilidade, o BES era uma «instituição extremamente importante», responsável por cerca de 30% das receitas da companhia. «Quando o acionista vem pedir ajuda é obvio que posição é ajudar», voltou a dizer.
O ex-presidente da Tranquilidade explicou ainda que a decisão sobre as transações não passava pela comissão executiva da companhia, porque os administradores trabalhavam «todos juntos num sala» e «falavam» logo.
Filme dos acontecimentos
Recorde-se que a Tranquilidade foi alvo de um penhor financeiro, em julho de 2014, por parte da Partran (sua acionista a 100%, uma sociedade detida pela Espírito Santo Financial Group, a holding financeira do Grupo Espírito Santo). Esse penhor, no valor de 700 milhões de euros, foi feito a favor do então Banco Espírito Santo.
Porquê? O Banco de Portugal tinha ordenado à ESFG o reforço de provisões, nesse montante, para as contas de 2013, para o caso de a ESI não conseguir reembolsar o papel comercial vendido pelo BES aos balcões. A ESFG usou a Tranquilidade para esse efeito.
Ou seja, uma empresa de seguros foi dada como garantia ou penhor por causa de um crédito concedido pelo BES à ESFG, a holding financeira do GES. Com a resolução decretada pelo Banco de Portugal, que dividiu o BES em dois, esse crédito passou para o Novo Banco.
O Novo Banco vendeu, por sua vez, a Tranquilidade ao grupo norte-americano Apollo, já em janeiro de 2015. O negócio esteve longe dos 700 milhões de euros: o que foi acordado é que o banco recebesse 44 milhões de euros, enquanto os novos donos se comprometeram a injetar 150 milhões para reforçar a solvabilidade da seguradora. Há ações em tribunal a pedir a nulidade do penhor e da venda da Tranquilidade.