Grupo português Vila Galé tenta construir hotel de luxo em reserva indígena - TVI

Grupo português Vila Galé tenta construir hotel de luxo em reserva indígena

  • SS - notícia atualizada às 18:50
  • 29 out 2019, 11:34
Grupo Vila Galé tenta construir hotel de luxo em reserva indígena no Brasil

A área em causa, que corresponde a 470 quilómetros quadrados, pertence ao povo Tupinambá de Olivença, que luta pela demarcação daquelas terras há pelo menos 15 anos, e cuja primeira fase do processo foi concluída em 2009. No entanto, o grupo hoteleiro português desmentiu esses factos

O grupo hoteleiro português Vila Galé está a tentar construir um hotel de luxo numa reserva indígena no sul do estado brasileiro da Bahia, com o apoio do governo do Brasil. A notícia é avançada esta segunda-feira pelo The Intercept.

De acordo com o portal de jornalismo de investigação The Intercept, a Fundação Nacional do Índio (Funai) recebeu, em julho, um pedido do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) - órgão vinculado ao Ministério do Turismo do Brasil - para encerrar o processo de demarcação de uma reserva indígena no sul da Bahia, para a construção de um hotel de luxo.

A área em causa, que corresponde a 470 quilómetros quadrados, pertence ao povo Tupinambá de Olivença, que luta pela demarcação daquelas terras há pelo menos 15 anos, e cuja primeira fase do processo foi concluída em 2009.

Esta é a primeira vez, pelo menos desde a Constituição de 1988, que um órgão federal faz 'lobby' sobre outro – e o regista num documento oficial do governo – para entregar à iniciativa privada uma área indígena, também ela registada num documento oficial do executivo", escreveu o The Intercept, depois de falar com vários especialistas, que declararam a ação inédita e ilegal.

A Embratur argumenta, no documento oficial enviado à Funai - órgão responsável pela proteção dos direitos indígenas no país sul-americano - que a rede hoteleira portuguesa Vila Galé tem a intenção de "viabilizar a construção de dois empreendimentos hoteleiros, do tipo resort, com 1040 leitos, no estado da Bahia", assim como pretende dar "uma ampla divulgação do Brasil em Portugal e na Europa, através do empreendimento voltado para turistas estrangeiros".

Desta forma, a Embratur vem à presença de vossa Senhoria [Marcelo Augusto Xavier, presidente da Funai] manifestar o seu interesse no encerramento do processo de demarcação de terras indígenas Tupinambá de Olivença, localizadas especialmente nos municípios de Una e Ilhéus, Estado da Bahia. (...) Rogamos o fundamental e imprescindível apoio para a viabilização deste importante polo turístico", declara o ofício.

A área em causa é o lar de 4,6 mil nativos, além de pescadores artesanais, e a sua história remonta a 1680, quando missionários jesuítas fundaram aquele aldeamento indígena.

Desde então, os Tupinambá residem no território que circunda a vila de Olivença, nas proximidades do curso de vários rios.

Entre outros aspetos, [os Tupinambá de Olivença] destacam-se pela organização em pequenos grupos familiares e certos gostos alimentares, como a preferência pela 'giroba', uma bebida fermentada produzida por eles. Ainda que se considerem muitas vezes "índios civilizados" isso nunca significou um abandono de sua condição indígena", diz o 'site' Povos Indígenas no Brasil, pertencente à organização não-governamental (ONG) Instituto Socioambiental (ISA).

Tendo em vista o empreendimento turístico em questão, o governo do Estado da Bahia e a Prefeitura Municipal de Una firmaram com o Grupo Vila Galé um protocolo de intenções com um investimento superior a 200 milhões de reais (cerca de 45 milhões de euros), gerando mais de 500 empregos diretos e 1.500 indiretos, detalhou a Embratur.

O órgão vinculado ao Ministério do Turismo frisou ainda, no documento, que o Vila Galé, assim como outros grupos e investidores, têm interesse em construir na área empreendimentos turísticos imobiliários, "compostos por um aldeamento de casas e condomínios de apartamentos residenciais, com serviços hoteleiros".

Contudo, o pedido do órgão não se restringiu apenas aos trâmites oficiais. Segundo o The Intercept, o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, amigo de Jair Bolsonaro, usou as redes sociais para descrever o projeto como "magnífico", acrescentando que o mesmo "conta com o apoio do governo federal".

Questionado pelo portal de jornalismo de investigação, a Embratur respondeu que "não tem competência para interromper a demarcação de terras indígenas", argumentando que o documento em causa "apenas solicita a revisão do processo de maneira a garantir a segurança jurídica e estimular o desenvolvimento do turismo na região citada".

"Não existe no local qualquer tipo de ocupação de pessoas"

O grupo Vila Galé, num comunicado enviado às redações, esclareceu que não existe no local "qualquer tipo de ocupação de pessoas e bens ou sequer vestígio da mesma num horizonte temporal muito alargado" e que a obra ainda não começou mas, no entanto, têm "tudo preparado" para o imediato arranque da mesma. 

Explica ainda que existe um processo de "demarcação de terra indígena" da FUNAI, mas que ainda não está concluído, nem aprovado pelo Ministério da Justiça. 

Alegam ainda que o Vila Galé é reconhecido "pelos seus investimentos em integral respeito pelas normas ambientais e urbanísticas e de uma forma socialmente responsável"

O The Intercept tinha tentado obter um comentário do junto do grupo hoteleiro português, mas que este não se quis pronunciar sobre o assunto.

O Vila Galé é um dos principais grupos hoteleiros portugueses e é, atualmente, responsável pela gestão de 34 unidades hoteleiras: 25 em Portugal e nove no Brasil.

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