Pagar a pensão de alimentos é um problema? - TVI

Pagar a pensão de alimentos é um problema?

Não raras vezes é tema de conflito entre os progenitores. Perceba o que está estipulado na lei, como calcular e como lidar com um eventual incumprimento

É a realidade de muitas famílias portuguesas: pais separados, filhos em idade de crescimento, despesas que se somam diariamente. Impõe-se pagar a pensão de alimentos, o que não raras vezes gera discórdia entre os progenitores.

O que está estabelecido na lei? O que é que inclui a pensão de alimentos? Como se calcula? Como lidar com o incumprimento? Estas são algumas das dúvidas que o advogado Luís Silva, com largos anos de experiência em Direito da Família e Menores, nos ajudou a esclarecer no espaço Economia 24, do Diário da Manhã da TVI.

Primeiro, o conceito: é pensão de alimentos, mas inclui mais coisas, certo?

Podemos dizer que são os alimentos propriamente ditos, mas não só. Inclui-se também tudo aquilo que é necessário ao sustento, à sobrevivência da criança: habitação, educação, vestuário. Escola e despesas de saúde normalmente são despesas divididas 50%/50%.

Mas não há duas crianças com a mesma necessidade, são sempre matematicamente diferentes. Não há propriamente tabelas, em Portugal, há a preocupação em aferir no caso concreto. É por essa razão que uma sentença dada sobre esta matéria pode ser alterada se se alterarem as condições de prestar por parte dos progenitores. Exemplo disso são situações de desemprego, ou quando se alteram condições de vida, até porque entretanto tiveram outros filhos. A decisão pode ser modificada pelo magistrado.

É obrigatório pagar até que idade?

A lei fixa nos 25 anos, desde que o jovem esteja a estudar e que os estudos não sejam voluntariamente interrompidos, ou desde que, entretanto, não adquira rendimentos. A partir dos 25 anos caduca essa obrigação.

O pagamento pode ser feito em géneros e não em dinheiro?

Embora o progenitor que não tiver condições para pagar os alimentos possa pagá-los em espécie, tendo a criança consigo (há uma norma na lei), na prática tem de ser traduzido em dinheiro. Esse montante tem de estar estabelecido e fixado pelo tribunal.

Ainda que os pais acordem não haver pensão de alimentos, porque o progenitor que ficou com a guarda diz que não precisa, mesmo assim os tribunais decretam um valor pecuniário, que tem de ficar fixado, para salvaguardar o superior interesse da criança. As coisas podem mudar de um dia para o outro e o direito a alimentos é irrenunciável e tem de ser estabelecido por um tribunal superior, ainda que o progenitor não o peça.

Há diferenças no cálculo quando a guarda é partilhada?

A guarda alternada pode não ser simétrica, pode não ser 50/50. Convém estabelecer um valor e a habitação também entrar.

Há casos em que os progenitores não têm o mesmo rendimento e querem que o nível de vida da criança, até por acordo entre eles, seja mantido como até então. Imagine-se que a criança está num colégio particular e ambos os progenitores o desejam. Pode acontecer que um pague 60% e outro 40%.

Quando se dá o caso de ser só um progenitor a ter a guarda e se muda para outra cidade, há implicações?

Normalmente uma das obrigações do juiz, quando fixa o regime, é fixar a residência, porque a residência é uma questão de particular importância. Ou seja, um dos progenitores não pode deslocalizar a criança sem consentimento, sem acordo, a não ser que esse acordo não seja possível de obter e que não haja fundamentos para a recusa. Em condições normais, o facto de um dos progenitores se deslocar tem de ser por acordo, não pode ser decidido unilateralmente.

Mesmo que isso aconteça, o progenitor que tem de pagar a pensão de alimentos. Não pode deixar de o fazer. Uma coisa não tem a ver com a outra: a pensão de alimentos foi decretada por um tribunal.

Quando há deslocalização da criança para outra cidade dentro do país, ou até para outro país, o que está em causa é, sim, a questão dos afetos, a privação do convívio com o outro progenitor. Os progenitores têm igualdade em termos de convívio, têm o dever, que consta na Constituição da República Portuguesa, de participarem ambos na educação e na formação da criança. A figura maternal e paternal são decisivas e não podem ser suprimidas. Por isso é que o juiz tem de se pronunciar, para que não haja desequilíbrios.

E quando há incumprimento, estamos perante um crime?

A criminalização da conduta existe, mas não tem sido muito aplicada. Há outros mecanismos: se um dos progenitores deixar de cumprir, entra em incumprimento a partir do momento em que o tribunal o declara.

Há casos em que deixa de cumprir por desacordo com o outro progenitor (às vezes pelo não funcionamento do regime de visitas, até o faz como forma de pressão). O incumprimento pode ser total ou parcial: quando é parcial é porque, à partida, deixou de ter condições; quando é total, provavelmente fá-lo-á por pressão.

O tribunal pode decidir penhorar bens ou parte do vencimento ou de outros rendimentos ao faltoso.

É comum haver condenações em Portugal?

Ao não cumprir, e ao mesmo tempo coloque em perigo a satisfação das necessidades da criança, aí sim o progenitor faltoso pode ser condenado.

O facto é que, em Portugal, há pouquíssimas condenações pelo crime da violação da obrigação de alimentos. O crime de o progenitor faltoso deixar a criança numa situação de perigo de tal forma que suscite a intervenção, a tutela do Estado, é muito raro.

E isto acontece também porque o tutor, ou a família, ou os avós ajudam a sustentar a criança. Há sempre uma rede familiar que ajuda a suprir as suas necessidades.

Perante o tribunal, os obrigados que não cumprem, não sentem a pressão de ter de cumprir. Como dizia em brincadeira, se lhes bloqueassem a viatura e obrigassem a pagar, provavelmente pagariam muito rapidamente. Já neste tipo de crime, normalmente a meio do processo - depois de se sentarem naquele banquinho de madeira, onde ninguém gosta de se sentar, o banco dos réus -, acabam por fazer um acordo e o juiz pode suspender a pena se ele pagar.

Se vier a ser cumprida a obrigação pode ou dispensar a pena ou ditá-la extinta. No fundo, acaba o próprio devedor por encontrar uma solução.

Quanto tempo podem demorar os processos?

O problema de fundo é que os tribunais são relativamente tolerantes com o incumpridor. Em Portugal, temos uma cultura de tolerância. Se estivéssemos à espera da decisão do tribunal que leva muito tempo, se aquela criança se não tivesse outro apoio, provavelmente ficaria numa situação muito crítica.

A justiça deveria ser mais célere e deveria haver mais vontade das magistraturas em enfrentar as situações. O ónus da prova recai sobre o devedor: se não demonstrar que pagou, a situação deveria ser intensificada, acelerada. Mas como há o contraditório, ele entra com requerimento com testemunhas, tem de se fazer prova, instrução e vai a julgamento.

Dois anos é o tempo médio que, de acordo com as estatísticas, demora este processo. Normalmente, o tempo de um incidente de incumprimento é duas vezes superior à demora de um processo em condições normais.

Com isto, o tempo passa e as crianças crescem presenciando um contínuo conflito entre os pais…

O tempo que os tribunais demoram a resolver os processos não se compadece com o crescimento da criança. Uma criança de sete ou oito anos, se estiver dois a três anos neste conflito, 25% a 30% da vida dela foi vivida em conflito. É uma matemática assustadora.

O outro progenitor naturalmente não estará feliz, nem satisfeito, nem a dizer bem daquele progenitor que não paga. As crianças apercebem-se de tudo. As próprias crianças acabam por aceder a um estado de insatisfação, verificam que entre os progenitores não há comunicação e são motivo de sofrimento. Acabam por desenvolver sintomas físicos, orgânicos, de difícil localização. 

E quando o progenitor que tem de pagar a pensão de alimentos deixa mesmo de ter recursos?

Mesmo aí temos de ter uma decisão do tribunal. Primeiro, é necessário decretar o incumprimento, com o progenitor a requerer em tribunal que, em vez de pagar o progenitor faltoso, seja o próprio Estado. Existe o fundo de garantia de alimentos da Segurança Social que pode pagar uma quantia que não poderá ser superior ao Indexante de Apoios Sociais (IAS), que é de 428,90€ para 2018. No geral, é um fundo estatal que vai suprir a sobrevivência. Há uma prova periódica que tem de ser feita pelo progenitor.

Quanto ao progenitor faltoso, pode vir a ser chamado pelo Estado se a sua condição se alterar e passar a ter recursos. Fica com uma conta aberta perante o fundo, que o pode acionar. Ou seja, o não pagamento não significa que ele não fique devedor do Estado, do fundo de garantia alimentar.

Se tiver mais dúvidas, envie para economia24@tvi.pt

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