Novo Banco: Alice virou Rainha de Copas ou o país das maravilhas era outro? - TVI

Novo Banco: Alice virou Rainha de Copas ou o país das maravilhas era outro?

Debate no Parlamento, sobre a venda, foi um passar de culpas entre os partidos sobre a solução que todos reconhecem que não é boa. PCP e BE querem tentar travar venda, mas PSD e CDS veem nisso apenas "teatro" e responsabilizam toda a esquerda

Todos os partidos se fizeram ouvir hoje, no Parlamento, contra o "mau negócio" da venda do Novo Banco, com o partido do Governo, o PS, a assumir que foi a "solução menos má". A direita responsabilizou a "geringonça" no seu todo. O PS atirou culpas ao anterior Governo, por a saída não ter sido a melhor. BE, PCP e PEV apontaram o dedo ao anterior Governo, mas não deixaram o atual passar entre os pingos da chuva. Mário Centeno lá estava, na bancada do Governo, a ouvir. Primeiro, o ministro remeteu-se a ler a declaração que tinha trazido ao Parlamento. Só respondeu diretamente às críticas que dispararam de todos os lados já no final do debate.

Ponto de partida: a Lone Star fica com 75% do Novo Banco, 25% ficam no Fundo de Resoluções, com uma série de condições. Primeiro a falar hoje: o BE - já que foi este partido que o convocou. Mariana Mortágua recorreu a desenhos animados para explicar as consequências da decisão do Governo.

"Não vivemos como a Alice no País das Maravilhas, mas é o Governo que faz de Rainha de Copas, por muito que se corra não saímos do mesmo sítio. Na verdade, estamos a correr para trás. 60% dos ativos bancários em mãos estrangeiros. Até a Alice aprendeu que há jogos que são sempre para perder", ironizou.

Para o Bloco de Esquerda, que imputou responsabilidades ao anterior Governo, mas também ao atual, a entrega do banco ao Lone Sar é "inaceitável". Vendeu-se um banco a custo zero e "o fundo resolução é uma fachada", atirou a mesma deputada. Logo avisou que não vale a pena estar "ficções ou chantagens" aos portugueses: ficção do custo zero da venda; ficção de que não havia alternativa, ou havendo seria mais cara. O Estado assumirá até 90% das perdas do Novo Banco. Por que razão deve entregar de borla banco onde já enterrou dinheiro?

Não é demais exigir clareza de que negócio vai ter custos para os contribuintes. Paga zero pela compra e injeta depois 1.000 milhões num banco que já é seu. Não quer assumir as perdas de carteira de 8.000 milhões em ativos perigosos. E é aqui que entra a garantia do Estado. O Estado fica com 25% mas pode assumir perdas até 3.800 milhões. No pior dos cenários, banco gasta só 1.000 milhões para ficar com banco limpo e estado pode gastar 8.000 milhões".

Mário Centeno aproveitou a deixa para atirar as culpas da solução "menos má", admitida pelo PS, ao anterior Executivo PSD/CDS-PP.

"Não vivemos, de facto, no país das maravilhas, mas vivemos no país onde nos contaram a fábula da saída limpa, quando deixaram em nome da república três compromissos que punham individualmente em risco: Banif (e oitoplanos de reestruturação não aprovados), venda falhada do Novo Banco e refiro-me, com certeza, ao plano de reestruturação e negócios da CGD". Não se esqueceu, também, de apontar o processo de sanções, em 2016 e a suspensão dos fundos comunitários.

Direita responsabiliza "geringonça" no seu todo

O PS empurrou o facto de se ter encontrado uma saída "menos má" para o Novo Banco, "a partir de um ponto de partida péssimo". "É péssimo porque o banco limpo afinal não era assim tão limpo. Se de um lado estava  o banco BES mau, afinal era péssimo. Segundo, o Governo PSD/CDS fez acordo com a Comissão Europeia que delimitava para 2016 a venda integral do Novo Banco, com prazo limite. Este é o ponto de partida que o atual Governo teve para cumprir os compromissos que o Governo liderado por Passos Coelho assumiu em Bruxelas".

O que foi feito foi , segundo Eurico Brilhante Dias, "procurar os impactos que a Lone Star podia ter na gestão dos ativos, limitar as perdas, limitar que os contribuintes tivessem de contribuir mais".

O PSD recusou responsabilidades na forma como a venda se efetivou e atribuiu todas ao "Governo de todas as esquerdas". O executivo socialista fez "dois maus negócios: mau em venda parcial e garantias; perdão de dívida que fez aos bancos à custa de todos os contribuintes".

Para os social-democratas, hoje representados por Leitão Amaro, a venda é melhor do que a nacionalização ou liquidação, mas não implica aceitar qualquer negócio. "Fica indefinidamente a participação de 25% e o Fundo de Resolução e o Estado oito anos amarrados. Lá por o comprador querer o Estado no banco, porque é que o Governo teve de aceitar? É para satisfazer o comprador para assumir o estado mais riscos e apoio? Ou é resultado da geringonça, com BE e PCP a chamarem fundo abutre ao Lone Star?", soltou, com ironia.

"À palavra dada de não envolver mais dinheiro aos contribuintes, surgiu a palavra desonrada do Governo de financiar garantia. Afinal há dinheiro e esforço dos contribuintes, mas continuam a esconder os termos desse esforço Tal como perdão parcial da dívida que fez aos bancos dias antes", disse, referindo-se ao facto de os bancos terem agora até 2046 para pagar empréstimos ao Fundo de Resolução.

Curioso que estas esquerdas que tanto pediram a reestruturação da dívida, pasme-se, afinal vai fazer reestruturação da dívida dos bancos em prejuízo dos contribuintes. Aqui está uma decisão com a assinatura do BE. Este Governo só tomou esta decisão porque a cada semana BE, PCP e PS se juntam no seu apoio. Só existe mau negócio porque este Governo decidiu. Só existe este Governo porque os senhores os apoios. São todos responsáveis, quem é que paga? Os contribuintes".

Pelo CDS-PP, o principal alvo de Cecília Meireles também foi o Bloco de Esquerda. "Na semana passada o BE dizia que iria fazer tudo para travar este negócio. Aparentemente tudo para o BE era este debate. Ficamos a saber que para o BE fazer tudo é fazer de conta que faz alguma coisa".

O Governo, com legitimidade do apoio dos partidos, falhou nos objetivos, falhou na negociação e como tem sido habitual, falhou na coerência. Falhou não só o governo, mas partidos que o apoiam. Podemos ter aqui os teatros que entenderem. Falhou primeiro porque venda é parcial, garantia – responde até 3.800 milhões de calotes; e mais, falhou na coerência porque onde está o PS que dizia que quando são as responsabildiades do fundo de resolução e não eram os contribuintes? É um sofisma. Agrava o défice"

Durante esta intervenção, ouviram-se vários protestos da parte do socialista João Galamba. "Senhor deputado João Galamba, pode gritar o que quiser, é um facto óbvio", insistiu Cecília Meireles.

A deputada realçou que este Governo prometeu bater o pé à Europa, mas resumiu o que, no seu entender, acabou por fazer: "Menos de meio ano já conseguiram pagar ao Santander para ficar com o Banif, que a CGD pagasse mais do dobro de juros a fundos no Luxemburgo que o Estado português paga para se financiar e agora conseguiram venda de 75% com fundo de resolução a ficar com 25% fica com todos os deveres e quase nenhum direito de um aionista. Quando chegar a altura de receber alguma coisa aí já só recebe como se tivesse 25%".

Senhor ministro das Finanças, ora queriam venda, ora queriam nacionalização, e isso desvalorizou brutalmente o Novo Banco".

"Vêm aqui lavar as mãos"

O BE ainda teve oportunidade de intervir. Mais uma vez Mariana Mortágua, que lembrou à direita quem pôs 4.900 milhões no Novo Banco, seguindo-se uma acusação: "Agora vêm aqui lavar as mãos. O BE agradece o carinho e a confiança, mas nós rejeitámos este negócio como o anterior" (a primeira tentativa, falhada, da venda). 

Mário Centeno garantiu que este solução é "equilibrada", embora não seja "perfeita". Foi "a melhor solução do conjunto de alternativas" e assegura "a necessária proteção dos contribuintes". Também António Costa, no dia em que o acordo com a Lone Star foi anunciado, garantiu que não haverá "novos encargos" para os portugueses.

O ministro prosseguiu, atribuindo não só culpas ao anterior Governo, como ao Banco de Portugal. "Teria sido melhor fundo de resolução recuperar valor injetado pelo anterior governo. Foi o melhor negócio possível perante as circunstâncias concretas. O Banco de Portugal alterou composição das componentes do BES e do Novo Banco tendo transferido obrigações séniores. Com mais de um ano de processo negocial , em agosto de 2015 não foi vendido sequer 1% do Novo Banco".

Alternativa: a nacionalização

É o que BE, PCP e PEV queriam, que o banco ficasse na esfera pública. Maria Mortágua contra-argumenta o que já foi dito pelo secretário de Estado Mourinho Félix, "de que seria difícil justificar, perante toda a gente que Estado poderia ter tal participação no sistema financeiro: na Alemanha banca pública representa mais de 40% do mercado bancário".

O PS, pela voz de Eurico Brilhante Dias, desculpou-se com a dívida para a nacionalização - que chegou a ser admitida pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças - tivesse sido descartada.  

A dívida pública portuguesa teria tido mais encargos, num momento em que todos estamos a fazer esforço para sair do Procedimento por Défice Excessivos. Implicaria mais 4 a 5 mil milhões de euros de dívida pública. Somando a nacionalização com mais dívida, estaríamos no caminho certo para recuperar rendimento ou repor prestações sociais? Esta é a pergunta a que tem de responder, deputada Mariana Mortágua".

Teve resposta: "Não nos diga que é a menos má das opções nem chantageie os portugueses que têm de ficar sem rendimentos ou salvar o sistema bancário. A nacionalização é opção que melhor defendia interesses da economia. Estamos à espera que nos provem que essa não era a melhor alternativa", atirou Mariana Mortágua.

Da parte do PCP, Miguel Tiago também defendeu que ter o banco nas mãos do Estado é "a única solução que garante viabilidade, estratégia de interesse nacional e que salvaguarda do ponto de vista orçamental". Ao mesmo tempo, deixou uma pergunta, prometendo um projeto de resolução do PCP para integrar o banco na esfera pública: "O Lone Star agradece essa garantia com outro nome. Mas porque é que não foi encontrada situação semelhante: estado com 75% e fundo de resolução com 25%?"

D'Os Verdes, José Luís Ferreira afirmou que a venda "não garante nem assegura o interesse público" e que é um "mau negócio", em dose dupla: para o Estado e para os contribuintes.  "Pode não haver gato escondido, mas que há garantia escondida com rabo de fora… É um erro monumental. A venda apenas empurra ou sacode o problema". Os ecologistas são igualmente pela nacionalização,

"Seria bem pior"

Mário Centeno mostrou a sua discordância, com convicção, congratulando-se com a "boa notícia para os portugueses" que é a venda do Novo Banco (veja o vídeo, em cima).

As alternativas à venda seriam bem piores. A nacionalização levaria a capitalizar no momento inicial montantes superiores 4.000 milhões recaindo no futuro exclusivamente sobre o estado os encargos, e os portugueses"

Uma hora depois, o BE encerrou a discussão dizendo que esteve, está e estará "disponível para discutir com Governo a alternativa à venda". Ficou o repto de Mariana Mortágua a Mário Centeno: "Traga ao Parlamento, terá todo o apoio do BE". 

Não foi só a Alice no País das Maravilhas que entrou no debate. No final, entrou em cena a Branca de Neve, com o deputado do PSD Leitão Amaro a querer "oferecer um espelho" a Bloco e PCP. "Os senhores são o partido do Governo, fazem esse teatro, o folclore de conversa porque não têm de votar. Amanhã a geringonça cá está e funciona. Projetos de resolução não mudam nada, são conversa para distrair".

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