Encomendas retidas na alfândega: como resolver esta dor de cabeça? - TVI

Encomendas retidas na alfândega: como resolver esta dor de cabeça?

Há uma passagem mútua de responsabilidades entre a alfândega e os CTT no que toca aos atrasos que se verificam. Perceba quais os critérios para os produtos ficarem retidos

Desalfandegar uma encomenda arrisca ser uma dor de cabeça para quem fez uma compra pela Internet. Ficar retida pode ser simplesmente uma questão de azar. Nem todas as encomendas feitas a países fora da União Europeia são controladas quando chegam a Portugal, pelo que desalfandegar pode até nem ter custos, mas o melhor mesmo é tê-los em consideração, antes comprar alguma coisa à distância de um clique.

Contámos com os esclarecimentos do vice-presidente da Associação de Inspetores Tributários (APIT), António Castela, no espaço Economia 24 do Diário da Manhã da TVI, e colocámos também questões aos CTT via-email.

Rapidamente podemos concluir que há uma passagem mútua de responsabilidades entre estas duas entidades no que toca aos atrasos do desalfandegamento. Quem dá a cara perante os consumidores são os CTT, até porque são eles que enviam as notificações. Mas há também o trabalho aduaneiro, todo ele de backoffice.

O inspetor António Castela releva que é “o pessoal dos CTT tira aquilo que considera que é franquia e aquilo que considera que deve ser submetido a controlo aduaneiro”, mas também assume “há uma supervisão nossa – dos inspetores tributários - em simultâneo e no imediato”. Por sua vez, fonte oficial dos CTT respondeu à TVI24 que os seus funcionários atuam tendo em conta as "instruções" da Autoridade Aduaneira.

Uma coisa é certa: o processo, para o comum dos cidadãos, não é fácil. Há quem se arrisca a pagar 50% ou até mais do que o custo total do produto só em impostos para ter, finalmente, a sua encomenda nas mãos.

Qual o papel da Autoridade Tributária e qual o papel dos CTT?

António Castela começou por fazer uma contextualização, dizendo que o papel das alfândegas nas fronteiras “não é meramente fiscal, mas também económico, de defesa da fronteira da União Europeia, dos direitos dos importadores e dos produtores da EU”. Ao mesmo tempo, há que zelar pela segurança da sociedade: “podemos estar a falar de tráficos ilícitos, armas, pornografia, contrafação, por exemplo de medicamentos, o que é perigosíssimo”.

“A partir de junho de 2016, todo o procedimento de triagem, submissão à alfândega, interface com o destinatário da mercadoria, cobrança e posteriormente a entrega são da responsabilidade dos CTT”. O vice-presidente da APIT sublinhou que os Correios passaram de empresa pública a privada em 2014. "A alfândega faz supervisão na parte da triagem e, depois, está em causa um procedimento aduaneiro, exclusivamente”.

Já fonte oficial dos CTT diz que atua tendo em conta as diretrizes da Autoridade Aduaneira. “Os objetos postais de origens extracomunitárias entram em território nacional, maioritariamente por avião, através do Entreposto Postal Aéreo (EPA), dos CTT, situado no Aeroporto Lisboa, onde são inspecionados e selecionados tendo em conta as instruções da Autoridade Tributária e Aduaneira, apurando-se se devem ser sujeitos ou não a tratamento aduaneiro”.

Como se desenrola o processo de desalfandegamento?

Há intervenção das duas entidades: alfândega e CTT. António Castela explicou que a mercadoria que chega via encomendas postais “é submetida a triagem feita pelo pessoal dos CTT”.

Feita a distinção, a “larguíssima” maioria é triada para franquia, vai “diretamente” para a distribuição (desde que sejam produtos com valor inferior a 22 euros e que não sejam produtos químicos, contrafações, tráficos ilícitos e não tenham de ser sujeitos a controlos sanitários e veterinários).

A restante mercadoria sai do aeroporto para o Centro de Produção e Logística de Lisboa (CPL), na Avenida Marechal Gomes da Costa, em Cabo Ruivo, e os CTT enviam notificação ao destinatário a pedir:

  • comprovativo de pagamento (fatura, ou no caso de não ter sido emitida, outro comprovativo da transação)
  • nº e dados do documento de identificação
  • indicar qual o site onde efetuou a compra
  • referência correta do produtos para que CTT e alfândega possam avaliar 

São CTT que fazem o pedido. (E já estamos a perder tempo no meio disto tudo. Analisam a documentação, o que pode ser sujeito a franquia e libertado de imediato. Submetem no sistema aduaneiro o processo de desalfandegamento daquilo que foi para controlo. Aí, o sistema faz uma seleção de forma aleatória, mas tendo por base perfis de risco (como as origens e o tipo de produto em causa) e há três seleções possíveis: sem controlo, controlo documental e controlo físico (percentagem destas duas últimas desce para entre 5 e 10%). Ou seja, a larguíssima maioria já foi libertada.", diz António Castela.

Já os Correios escudam-se no facto de a informação pedida ao destinatário da encomenda ser "requerida pela AT". "É pedida pelos CTT aos clientes em nome da AT”, frisam na resposta por e-mail.

Quando uma encomenda extra-comunitária sujeita a processo aduaneiro é libertada, o cliente recebe um recibo que descreve os custos associados. No que se refere a objectos proibidos (por exemplo, a contrafação), o processo não é da competência dos CTT, sendo gerido pela AT. A esmagadora maioria das compras não passa pela complexidade do processo aduaneiro, uma vez que beneficia de franquia aduaneira ainda no Entreposto Postal Aéreo (EPA), na primeira fase do processo".

Por que razão demora tanto tempo? 

O processo para triagem é aleatório “e ainda por cima é um sistema aleatório humano, não há outra forma de o fazer”, enfatiza o mesmo responsável. “Imagine um tapete onde estão a passar dezenas de objetos de tamanhos diferentes. A etiquetagem dá informação do valor (se é superior a 22 euros ou não) e dá indicação do que lá virá dentro. Quando é retirado para franquia ou para controlo não quer dizer que não possa passar, no meio disso, alguma coisa que devia ter passado a controlo e a pagamento de impostos”.

O tempo perde-se, quanto a mim, nesta parte da triagem, que está fragilizada neste momento, provavelmente por falta de pessoal [nos CTT]; e pelo processo de envio de documentação [por carta]. As empresas não têm estes problemas, porque previamente já entregaram a documentação ao despachante. Com particulares é que isto acontece.”

Os Correios contrapõem com um reparo e sublinham as exigências da Autoridade Tributária que também se tornam um obstáculo: “a troca de informação é realizada por e-mail, sempre que existe essa informação na base de dados, ou por correio físico, quando não existe”.

Os tempos de libertação de uma encomenda dependem do envio da informação requerida pela AT; por vezes, é necessário fazer múltiplos contactos até se obter a informação exigida pela alfândega”.

Para além de apontar a falta de pessoal dos Correios, o vice-presidente da APIT aponta também a falta de experiência dos funcionários, que começaram em junho de 2016 a ter estas funções.

Questionados pela TVI24 sobre se o pessoal dos CTT é suficiente para dar resposta a esta situação e melhorar os prazos de entrega das encomendas, fonte oficial dos Correios recusou haver constrangimentos a esse nível, mesmo numa altura em que a empresa anunciou uma reestruturação que prevê a saída de 800 trabalhadores nos próximos três anos.

Os CTT têm investido fortemente no aumento da sua capacidade no tratamento do tráfego proveniente do comércio eletrónico, que considera ser um os seus motores estratégicos de crescimento. Por isso, no que aos CTT diz respeito, não haverá qualquer tipo de condicionalismo de pessoal”.

Quais os critérios para as encomendas ficarem retidas na alfândega? 

Todos os produtos até 22 euros têm imediatamente saída e são distribuídos pelos CTT, “a não ser que correspondam a um dos perfis de risco já mencionados”, ressalva o sindicalista da APIT.

As encomendas não podem ser libertadas pela autoridade aduaneira se se tratar de importações proibidas (por exemplo, armas ou contrafação) ou enquanto a informação enviada pelo destinatário for inconclusiva e não permitir fazer uma declaração de importação”, acrescentam os CTT.

Se a mercadoria for contrafeita, a marca tem alguns dias tempo para responder se quer ver a mercadoria, ou se não quer e quer que se destrua. Mais tempo a contar no relógio para quem quer receber em casa o que comprou.

O inspetor António Castela deu ainda outro exemplo de produtos que podem ficar retidos. "Deparamo-nos por vezes com bens de duplo uso – como tubos de aço podem ser utilizados na construção das nossas cozinhas ou para teatros de guerra. Nesses casos, há restrições. O sistema age de acordo com algoritmos e um mero tubo da cozinha pode ir lá parar. Ou no caso de haver suspeita de produto contrafeito, que até pode ter sido muito barato, bem inferior aos 22 euros, e ter ficado retido”.

Quais as taxas a pagar?

A partir dos 22 euros de valor, a mercadoria é sujeita a cobrança de IVA.

As taxas aduaneiras são próximas de zero, mas se em causa estiver um produto que a UE tenha grande produção (têxtil ou calçado) pode chegar a 12% ou 17%.

A franquia de direitos aduaneiros aumenta para 45 euros entre particulares. De empresa para particulares pode subir até 150 euros.

Há uma taxa que é fixa, segundo António Castela: a de armazenagem dos CTT, 12 euros. À pergunta das taxas a pagar, fonte oficial dos CTT não mencionou esta.

Por exemplo, uma mercadoria que custa 30 euros, submetida a IVA a 23%, são quase mais 7 €, se depois tem taxa de armazenagem dos CTT, mais 12 €. Se houver mais algum problema acrescido, pode pagar mais de 50% só em impostos", exemplificou o vice-presidente da Associação dos Inspetores Tributários.

O caso de uma pessoa que fez uma única encomenda, que veio em dois pacotes, e pagou a dobrar

Mencionámos este caso que chegou ao conhecimento da TVI24. António Castela disse que isso pode ter acontecido por não ser exatamente o mesmo produto. "Um até poderia ter franquia e o outro ter de pagar desalfandegamento".

Há hipótese de o valor de desalfandegamento ser superior ao valor pago pelo produto?

Em algumas circunstâncias pode acontecer que o vendedor não tem em conta custos de transporte ("no caso dos CTT isso não acontece", nota o responsável da APIT). "Se não estiverem incluídos na compra do produto, são cobrados cá".

O valor aduaneiro é o de chegada à fronteira da UE, inclui o valor da mercadoria, mais o transporte, mais o seguro. Se isto não foi incluído à partida, às tantas com o IVA vai pagar mais do que o valor da mercadoria. Com os Correios não costuma acontecer, só se for com os outros operadores".

Quem compra produtos que podem ser contrafeitos, mas que são vendidos em sites legais, pode ser penalizado?

Nos sites de venda online, "quase todos dizem quando os produtos são réplicas". António Castela entende que "as pessoas estão informadas que são réplicas, na maioria dos casos". Por isso, estão sujeitas, "no mínimo", à destruição do produto, se as marcas originais assim o entenderem.

A defesa da propriedade intelectual é outra das missões da alfândega.

Há alternativas para que compras efetuadas pela Internet não venham a passar pela alfândega?

Os CTT são os declarantes da mercadoria, mas o destinatário pode decidir que não e que tem um despachante para tratar do processo. Operadores como a DHL, Fedex ou UPS cobram determinado valor pelo serviço.

"Há marcas que têm sede em países europeus e, por essa via, o que se mande vir de fora da UE, pode passar por esses países e o controlo é feito logo lá. Há um site muito utilizado por fotógrafos de compra de material que tem sede em França e tudo o que se mande vir por compra online, já vem tudo pago, incluindo direitos, e nem passa pela alfândega", exemplificou o vice-presidente da APIT.

Se a empresa está sediada, como é o caso da DHL, em Espanha, o controlo é feito lá e a mercadoria, quando chega a Portugal, já é entregue diretamente ao destinatário, sem passar por controlo.

Muita atenção na hora de comprar

Quanto quer comprar um produto num site internacional, o responsável da Associação de Profissionais de Inspeção Tributária deixa um conselho: "Atenção que aquilo que lá está dito não é a realidade. Não é mentira, mas não é realidade".

O valor do produto que aparece no site é o valor de colocar o produto não em casa da pessoa, mas no país. No nosso caso, na fronteira da União Europeia".

O melhor mesmo é ler tudo o que está associado à encomenda, não só o preço. Olhar para as entrelinhas todas, métodos de envio, custos extra... Há sempre o risco de ter de, afinal, o barato sair-lhe (mais) caro.

 

 

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