Altice comprometeu-se a não fazer despedimentos coletivos, mas deu o dito por não dito - TVI

Altice comprometeu-se a não fazer despedimentos coletivos, mas deu o dito por não dito

Altice

Garantia foi dada, por carta, no momento da compra da PT, em 2015. Despedimento coletivo avança a 31 de outubro para 204 trabalhadores. Empresa fala em quebras de produtividade, aponta o dedo à Anacom e à Autoridade para as Condições do Trabalho

No momento da compra da PT, em 2015, o diretor executivo da Altice, Dexter Goei, enviou uma carta aos sindicatos a afirmar que se comprometia a privilegiar soluções "negociadas e acordadas com os trabalhadores", em detrimento de medidas unilaterais. Ao fim de seis anos, deu o dito por não dito e o despedimento coletivo deverá avançar para 204 trabalhadores no dia 31 de outubro.
 

Na carta, a que a TVI24 teve acesso, a empresa manifestou-se "empenhada em manter um diálogo ativo com as estruturas representativas dos trabalhadores, elemento chave na manutenção da paz social e do consenso". O documento referia ainda que a Altice não tinha “intenção de adotar medidas” que pudessem “prejudicar o consenso entre os mesmos e a administração". 

 
À TVI24, a Altice recusou-se a comentar o teor concreto dessa carta, remetendo as suas respostas para um comunicado que a empresa divulgou a 22 de junho de 2021. Na mesma altura em que confirmou o avanço para o despedimento coletivo de 232 funcionários da Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. e da PT Contact. A empresa acabou por reduzir para 204 o número de trabalhadores incluídos na reestruturação, após negociações com a Comissão de Trabalhadores e com a participação da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho. 
 

Nesse comunicado, a Altice referia que era “o momento" de se iniciar "uma nova etapa no âmbito da transformação da empresa, "com vista à reorganização, reestruturação e racionalização de algumas das áreas da Altice". A empresa sublinhava ainda tratar-se de "uma decisão difícil”, mas que se afigurava “como indispensável, essencialmente devido ao contexto muito adverso” que se vivia “no setor das comunicações eletrónicas".  

Num documento interno enviado aos trabalhadores em agosto deste ano e a que a TVI24 teve acesso, a empresa critica outras entidades pela situação da empresa. A ANACOM é um dos alvos. A Altice garante que, em “todos os exercícios económicos” desde 2007 a 2020, a ANACOM “provocou em todos os anos um impacto financeiro negativo para as contas da MEO (e consequentemente para as contas do Grupo Altice Portugal), que de forma consolidada representa um impacto negativo total de cerca de 153 milhões de euros”.

 

Mas há mais. No mesmo documento interno é referido que, pontualmente, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e os tribunais do trabalho “criticaram” a empresa “por ter mantido situações de trabalhadores sem trabalho efetivo atribuído, ao invés de ter recorrido às medidas unilaterais, legalmente previstas, para redimensionar o quadro de pessoal”. 

A TVI24 tentou obter um comentário da ACT sobre esta situação, mas esta entidade revelou-se indisponível para prestar esclarecimentos até ao momento. Contudo, Jorge Félix, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Altice Portugal (STPT) disse que a autoridade, durante uma reunião, “admitiu que assume natureza difamatória o facto da MEO alegar que é a própria ACT quem critica a empresa por manter situações de não ocupação efectiva ao invés de proceder a despedimentos colectivos”.

O STPT avançou com providências cautelares contra o despedimento coletivo em vários tribunais do trabalho, nomeadamente em Lisboa, Vila Real e Porto. Mas todas elas foram perdidas, de acordo com o dirigente sindical. Ou seja, indicam não haver jurisprudência para aceitar a providência cautelar, encaminhando a análise e julgado para o processo principal de impugnação do despedimento.

 

Trabalhadores a mais

 

Este despedimento coletivo acontece depois de - desde 2016 e até dezembro de 2020 -, terem saído da empresa, por acordos ou reformas antecipadas, 3.500 trabalhadores. Em dezembro de 2020, o quadro de pessoal da MEO ascendia a 5.096 trabalhadores, e o quadro de pessoal do Grupo Altice Portugal a 7.732 trabalhadores nas áreas de telecomunicações. 

Segundo a Altice Portugal, o quadro de pessoal do Grupo é 151% superior ao dos seus principais concorrentes, a NOS e a Vodafone. A produtividade dos trabalhadores é referida como um fator essencial para a empresa avançar com o despedimento coletivo. De acordo com um capítulo do documento interno da Altice a que a TVI24 teve acesso, que compara a divisão da receita por trabalhador entre os principais operadores de mercados de telecomunicações na Europa, o Grupo expressa que os seus trabalhadores têm uma taxa de produtividade “muito inferior” aos da NOS e da Vodafone.

Segundo estas informações, o índice de produtividade da Altice é de 274 mil euros. Menos de metade do da NOS (745 mil euros) e do da Vodafone (776 mil euros). Também o peso dos custos com pessoal no grupo que detém a MEO é superior em 156% face à NOS e em 120% face à Vodafone.

 

Despedimento coletivo abrange 153 trabalhadores envolvidos no projeto Lavoisier

 

 

Em 2015, com o intuito de evitar o despedimento de trabalhadores cujas posições se tornaram redundantes, a MEO inaugurou um plano interno para tentar que vários trabalhadores não ficassem sem trabalho efetivo. Numa entrevista à RTP3, nessa altura, Paulo Neves, à data presidente do conselho de administração da PT/MEO (viria a demitir-se em novembro de 2017) garantiu que o programa tinha um só propósito: realocar pessoas. “Não rescindimos com ninguém”, assegurou, na entrevista.

A ideia era, através do ajuste direto, mover trabalhadores sem funções para novas diretorias em que iriam desempenhar o mesmo papel para o qual foram contratados. Foram dadas cerca de 102.106 horas de formação, sendo que foi possível colocar 568 trabalhadores que tinham ficado sem funções. E assim, nasceu o projeto Lavoisier. 

 

 

Concentração de trabalhadores da Altice / Lusa

Os trabalhadores selecionados eram, na sua maioria, porteiros, operadores de call center e operadores de registo de venda. Durante o plano, foram integrados em funções de portaria e receção, nomeadamente no atendimento geral e atendimento telefónico.

No documento enviado aos trabalhadores, a Altice afirma que, com a diminuição dos trabalhadores a circular nos edifícios do grupo e com a generalização do teletrabalho, o nível de ocupação pós-pandemia tornou-se “muito residual”. Isto levou a Altice a eliminar os serviços de portaria em todos os edifícios em que, “por força da redução da afluência ou da sua não criticidade para o negócio”, deixou de se justificar a presença de trabalhadores, ou a mesma pudesse ser substituída por mecanismos automatizados.

 
Não causará surpresa constatar que 153 dos trabalhadores abrangidos pelo presente procedimento de despedimento coletivo (que engloba 204 trabalhadores) estiveram envolvidos no Projeto Lavoisier”, justifica a empresa no documento que enviou aos funcionários em agosto de 2021.
 
 

 

Altice foi condenada a reintegrar 16 trabalhadores, deixou-os sem funções e agora a maioria será despedida

 

De acordo com os documentos internos que foram enviados aos trabalhadores em agosto, a reestruturação da empresa avança para lidar com o problema de trabalhadores sem função atribuída.

Um caso que evidencia a problemática remonta a fevereiro de 2021, altura em que a Altice foi condenada a reintegrar 16 trabalhadores três anos depois de terem sido afastados para empresas fora do grupo.

Os tribunais de Penafiel, Viseu e Coimbra deram razão a estes trabalhadores, que desempenhavam funções em projetos de rede de acesso fixa em três empresas - Tnord Tech, S.A.; Sudtel Tecnologia, S.A. e Field Force Atlântico, S.A.. Mas a empresa explica que, na altura da reintegração, a MEO já não desenvolvia qualquer atividade de projeto da rede de acesso fixa e, portanto, não tem funções que possa atribuir aos trabalhadores sem enquadramento funcional. “Ou seja, não obstante a decisão de reintegração, os trabalhadores em causa encontram-se sem exercer qualquer atividade”, explica a empresa num documento sobre esta situação.

 
Pela circunstância de a MEO se encontrar em processo de reorganização global das suas direções, não há disponível qualquer posto de trabalho compatível com as competências destes trabalhadores”, explica a Altice no documento. E, na “derradeira tentativa de assegurar uma prestação de trabalho”, propôs aos referidos trabalhadores a sua integração no departamento de Serviços Técnicos de Redes de Comunicações Eletrónicas. Dos referidos 16 trabalhadores, apenas um aceitou a proposta da empresa. Dos restantes 15 trabalhadores, um acordou na sua reforma, sendo que os outros 14 recusaram a proposta de integração. 

Contactada, a Altice sublinha que não comenta casos particulares, mas ao que a TVI24 conseguiu apurar junto de fontes sindicais, todos estes trabalhadores receberam a carta de despedimento e deverão cortar laços com a empresa até ao dia 1 de novembro.

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