Portugueses nunca pouparam tão pouco. E a culpa não é da crise - TVI

Portugueses nunca pouparam tão pouco. E a culpa não é da crise

Melhoria económica e subida da confiança leva portugueses a consumir mais

Pôr dinheiro de parte ao fim do mês é um hábito cada vez mais raro entre os portugueses e em menos de seis anos, a taxa de poupança das famílias caiu para menos de metade. Em 2009 era de quase 11% mas no primeiro semestre deste ano, as famílias só pouparam 5% do rendimento disponível. É o valor mais baixo desde que há registo.
 
À primeira vista poder-se-ia dizer que a culpa é da crise... mas os economistas dizem que não é bem assim.
 
“Há uma componente da poupança que se comporta precisamente em contraciclo com a economia”, explica Pedro Braz Teixeira.
 
A prova é que a poupança das famílias portuguesas atingiu um pico de 10,9% do rendimento disponível em 2009, em plena crise mundial, desencadeada nos EUA em 2008 pelo malfadado subprime e a falência do Lehman Brothers. Desde aí, a tendência é de queda, com exceção de 2012, o ano a seguir ao pedido de ajuda externa que Portugal foi obrigado a fazer à troika.
 

“Quando entramos em recessão, a primeira coisa que as famílias fazem é refrear o consumo de bens duradouros. Os automóveis são o melhor exemplo: as vendas caíram muito nos anos da crise. As pessoas deixam de comprar carros, eletrodomésticos, porque é uma forma fácil de poupar, sem terem de alterar muito o seu estilo de vida.”

 

“Depois aos primeiros sinais de retoma, de aumento da confiança, pensam logo: pronto, agora já podemos gastar aquilo que poupámos anteriormente”, explica o economista.

 
É este aumento da confiança, ligado à queda do desemprego e à melhoria das perspetivas económicas, que explica o aumento do consumo – de que é um bom exemplo a compra de automóveis.
 

“A queda da poupança é explicada em 80% pelo aumento do consumo de bens duradouros”, resume Pedro Braz Teixeira.

 

“Poupar? Prefiro viver”

 
Mas com crise ou sem ela, há quem nunca se tenha preocupado muito com a poupança. É o caso de Joaquim Papafina. Hoje está reformado, mas há meia dúzia de anos, tinha dois empregos, um na função pública outro no setor privado. Ganhava 1.700 euros por mês, e poupar foi coisa que nunca fez.
 

“O dinheiro era para pagar as contas, para viver, era para gastar”, conta. “Um dia fui transferido para mais longe de casa, as despesas aumentaram, e depois o contrato de trabalho acabou, fui dispensado, e perdi uma boa parte dos rendimentos a que estava habituado”.

 
As contas não encolheram, o dinheiro não esticou e, sem poupanças às quais recorrer, esteve quase a entrar em incumprimento. Conseguiu renegociar os créditos que tinha, e hoje já reequilibrou as contas. Agora já poupa?
 

“Não, ainda é cedo. Primeiro tenho de ir de férias, que este ano ainda não gozei”. Está a brincar? “Não. O primeiro dinheiro que tiver disponível é para mim. Temos de viver a vida, eu e a minha mulher somos gente. Vamos poupar para ficar enfiados na toca? Para isso não vale a pena!”

 

Poupar nunca é de mais

 
Caso diferente é o de Luís Reis. Com rendimentos a rondar os 2 mil euros por mês, “punha de parte 300 ou 400 euros por mês”. Mas o resto, era para viver bem.
 

“Nunca me poupei a gastos. Sempre gostei de viajar, desde muito novo, e fazia sempre viagens grandes. Não eram dois ou três dias, nem uma semana. Viajava sempre pelo menos um mês”, conta.

 
Há dois anos, deixou-se de viagens. Foram as poupanças que lhe valeram quando a vida deu uma volta: uma doença deixou-o incapaz de trabalhar, teve de se reformar antecipadamente e perdeu boa parte do rendimento. Depois o divórcio agravou os gastos, porque passou a ter de suportar algumas despesas sozinho.
 

“Tive de recorrer às poupanças e até à ajuda de alguns familiares. Agora já consigo pôr outra vez dinheiro de parte, mas só 50 euros por mês, já sobra um bocadinho para ir tomar uns cafés com os amigos, ir ao cinema uma ou duas vezes por mês… Não me arrependo da forma como vivi, mas hoje já olho para isto de uma forma completamente diferente. Acabaram-se as viagens, agora só vou passar um fim-de-semana ou outro ao Alentejo, onde a minha família tem uma casa”, explica.

 

Poupamos pouco: preconceito ou distração?

 
Ricardo Martins é consultor financeiro, e lidera o Instituto do Cliente, uma entidade privada que ajuda as pessoas a poupar e a reorganizar as despesas e a vida. Quando lhe perguntamos se os portugueses não conhecem já todas as dicas de poupança de cor e salteado, a resposta surpreende:
 

“Não, as pessoas distraem-se facilmente e raramente se dão ao trabalho de procurar bem, de pesquisar, de perder tempo e despender esforço para planear os gastos e poupar a sério, sem terem de abrir mão de coisas menos essenciais”.

 

Do que está a falar? “Se perderem tempo a pesquisar promoções, cupões, é possível poupar muito. Eu costuma andava com um molho de cupões no carro e quando ia na rua, olhava e… olha este restaurante, tenho um cupão no carro. Em vez de 30 ou 40 euros, pagava 10 pelo jantar. Mesmo nas viagens, é possível com cupões e promoções poupar 70 ou 90%”.

 
Mas mesmo nos bens essenciais, garante, é possível poupar, sobretudo se não houver preconceitos.
 

“Olhe, por exemplo, nesta sala, este mobiliário todo que vê foi comprado em segunda mão. Há sites, armazéns, que vendem coisas boas, a preços muito mais baixos. Comprar em outlets, em saldos, nas lojas chinesas, nas feiras… é possível poupar e muito. Tudo o que tenho vestido, foi comprado assim, não compro em lojas caras, não me visto por mais de 100 euros”, exemplifica. “Não é preciso andar mal vestido, com coisas pirosas. E isto é válido para quem ganha pouco, assim-assim, ou quem ganha muito”, garante.

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