Utentes pagam kits de proteção dos médicos do privado. Seguros podem não cobrir - TVI

Utentes pagam kits de proteção dos médicos do privado. Seguros podem não cobrir

  • Alda Martins
  • (Atualizada 14-05-2020 15:59 com declarações da Médis)
  • 14 mai 2020, 20:35

Governo volta a limitar margem de lucro dos comercializadores de máscaras, gel e equipamentos

Não é um nem dois. Os abusos nos preços cobrados por determinados produtos essenciais em tempo de pandemia são vários e as queixas de quem precisa, mas se sente “roubado”, também.

Ao ponto de ter sido necessário o Governo legislar e voltar a decretar, esta quarta-feira, que a percentagem de lucro na comercialização de dispositivos médicos, equipamentos de proteção individual (EPI), álcool etílico e gel desinfetante cutâneo de base alcoólica não pode exceder 15%.

Se a tentativa de lucro fácil na venda preocupa, o que é cobrados por EPI aos utentes que vão a clínicas e hospitais privados também não tem agradado muitos portugueses, à medida que se atrevem a sair do confinamento. E as queixas estão a aumentar, concretamente na Deco, a associação que defende os consumidores.

Além de precisar de cuidados médicos, o utente ainda é confrontado com os custos associados à proteção obrigatória de terceiros. Leia-se pessoal médico, enfermeiros e técnicos.

Foi o caso de Célia Viola. À TVI24 contou que foi fazer um exame de osteodensiometría, análises, eco e mamografia e acabou a pagar também 20 euros por dois kits - bata, touca, luvas, pés, máscara e viseira para a proteção de quem lhe prestou o serviço. Um na CUF Infante Santo e outro na CUF Almada.

Ao telefone, no ato da marcação, disseram-me que teria de pagar esse valor pelo kit,  mas que não me preocupasse porque estava coberto pelo seguro de saúde. Só soube que não seria assim, depois fazer o primeiro exame, na CUF Infante Santo, e ser informada, no ato do pagamento, que a Médis não cobria o tal kit”, disse.

A Lara Fernandes aconteceu algo semelhante, mas parou a tempo de não pagar um valor ainda maior. Há uns dias foi contatada pele CUF Cascais e a operadora questionou-a se queria remarcar a consulta de dermatologia, anteriormente adiada pelo efeito Covid-19, na qual iria tirar uns sinais da cara.

Informaram-me que, caso quisesse remarcar a consulta, teria de fazer um teste à Covid-19, no valor 100 euros, e pagar um fato de proteção do médico que custaria 45 euros. Isto numa primeira abordagem, disseram-me ainda”, explicou à TVI24.

A garantia de que a cobertura pelo seguro estaria assegurada também foi dada. Lara Fernandes optou por não remarcar e telefonou para a seguradora. Ao contrário da informação dada pela CUF, a Advance Care disse que “o teste, se tivesse receita médica, seria pago à cabeça e depois reembolsado em 50% mediante a apresentação da prescrição e da fatura, mas pelo kit não receberia nada do seguro.”

No final do mês passado o Expresso noticiava que as seguradoras estavam disponíveis para comparticipar as despesas relacionadas EPI que fossem cobrados aos seus clientes, quando  tratados em hospitais privados e dizia mesmo que duas maiores companhias de seguros de saúde do mercado – Multicare, do grupo Fidelidade, e Médis, do universo Ageas – garantiam tratar-se de despesas que seriam cobertas.

À TVI24, fonte oficial da Fidelidade disse que, através da Multicare "chegou a acordo com os principais grupos hospitalares privados", garantindo que o custo dos EPI "em todos os atos médicos são comparticipados, da mesma forma que todos os outros custos inerentes a consultas, tratamentos, exames, entre outros, de acordo com as condições individuais de cada uma das apólices."

Esta sexta-feira a Medis, disse também à TVI24 que "para os cuidados de saúde comparticipados aos seus clientes, comparticiparia também os equipamentos de proteção exigidos para os realizar. Neste sentido foram dadas indicações a todos os prestadores no sentido de faturarem diretamente à Médis o custo destes equipamentos."

Já a Associação Portuguesa de Seguradores, da qual quisemos saber quantas seguradoras já estão a prever a cobertura destes kits nos seus planos de saúde, diz que a informação de que dispõe é a de que "a generalidade das seguradoras os estão a cobrir, e que os respetivos custos dependem das negociações que tenham lugar entre as seguradoras e os prestadores hospitalares, não tendo a APS qualquer intervenção neste âmbito.”

Contactada a  Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), no sentido de perceber se estarão a trabalhar com o Governo e seguradoras nesta matéria, não se quer pronunciar.

Queixas na Deco estão a aumentar

A associação de defesa dos consumidores, Deco, está atenta e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que tem vindo a proceder a várias ações de fiscalização de operadores económicos durante estado de emergência, também.

À TVI24, a Deco assegura que continuam a receber queixas. As primeiras denúncias começaram a chegar dia 20 de abril e estão a aumentar. Cerca de três dezenas de reclamações que reportam às redes CUF, Lusíadas, Luz, Trofa e alguns consultórios privados de medicina dentária.

O coordenador do departamento jurídico e económico da Deco, Paulo Fonseca, frisa que perante, as queixas, começaram por verificar que “a informação não é generalizada, transparente e fixa”.  Além disso, “os valores e as situações a que se aplica esta cobrança é muito diferente de instituição para instituição."

O responsável assume que algumas queixas mencionavam kits de 5 euros, mas houve caso em que o valor excedia os 100 euros, dependente do ato médico, dos serviços de que precisava o utente.

À TVI24 fonte oficial da CUF refere que “estes equipamentos de proteção individual adicionais, de utilização única, são prioritariamente cobrados às entidades financeiras responsáveis e só nos casos em que não se confirme comparticipação são cobrados aos doentes.” Preços do EPI que, na CUF, podem variar entre os 8 e os 90 euros, segundo a informação disponível no site.

A mesma fonte acrescenta que “a CUF não tem qualquer margem sobre os custos associados aos EPI.”

Já na Luz Saúde os valores do kit variam entre os 3 e os 125 euros. Fonte oficial remete qualquer informação para o que está disponível no site.

A TVI24 acabou ainda por confirmar que os Lusíadas não têm qualquer preçário disponível do site, mas que num RX, por exemplo, o EPI tem um valor de 10 euros para o utente, segundo nos disse um operador ao telefone. O mesmo que o Hospital da Ordem Terceira cobra, segundo conseguimos apurar.

Governo avalia pagamento dos EPI pelos utentes dos convencionados

Confrontado com o preço dos EPI nos serviços de saúde privados, na conferência diária da Direção Geral de Saúde, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, disse esta quarta-feira e voltou a repetir esta quinta-feira que o assunto só tem a ver com os hospitais privados e que “o Serviço Nacional de Saúde não intervém nessa matéria”, acrescentando que caberá ao paciente concordar com o que lhe está a ser proposto, em matéria de preços.

Mesmo assim, e por insistência dos jornalistas, o secretário de Estado acabou por dizer que no caso dos convencionados, “a convenção é feita para o ato clínico, mas como há atos impossíveis de realizar sem o EPI, o tema está a ser analisado pelo Governo” no sentido de alguma comparticipação.

Sobre o tema dos EPI, a  Entidade Reguladora da Saúde alinha pela mesma cartilha do Governo e diz que "as entidades prestadoras de cuidados de saúde do setor privado, social e cooperativo estabelecem os preços dos cuidados de saúde que prestam aos seus utentes, desde que sejam escrupulosamente cumpridas as obrigações decorrentes da Lei a este respeito, nomeadamente de informação prévia e completa aos utentes, e desde que sejam respeitados os casos específicos de utentes que se dirijam aos seus estabelecimentos na qualidade de beneficiários do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou de subsistemas públicos de saúde.”

E vai mais longe afirmando que a entidade “pode incluir os equipamentos de proteção individual nos preços que estabelece para os cuidados de saúde, desde que considere a sua utilização necessária para a segurança e qualidade da prestação, concreta e efetiva, de tais cuidados.”

Mas reforça que o utente deve ser previamente informado dos mesmos e estes devem “constar de uma tabela de preços, que deve estar sempre disponível para consulta pública no estabelecimento a que diz respeito.”

Resta, para já, ao utente, reclamar.

Paulo Fonseca diz que, além da ERS e Associação Portuguesa de Hospitais Privados, a Deco fez chegar as preocupações aos deputados no Parlamento pois teme que, “quando o descofinamento aumentar , o número de queixas aumente também.”

Além disso, o jurista garante que não fica claro que este não seja um custo inerente à responsabilidade do hospital na prestação do serviço e, se assim for, “não pode ser considerado um extra.”

Travar na margem de lucro na comercialização volta a despacho

Esta quarta-feira voltou a estar em vigor, pelo despacho n.º 5503-a/2020, a lei que prevê que a “percentagem de lucro na comercialização, por grosso e a retalho, de dispositivos médicos e de equipamentos de proteção individual identificados no anexo ao Decreto-Lei n.º 14-E/2020, de 13 de abril, bem como de álcool etílico e de gel desinfetante cutâneo de base alcoólica” seja “limitada ao máximo de 15 %.”

E diz o despacho que “considerando que se revela essencial continuar a assegurar o acesso generalizado a dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual, bem como a álcool etílico e gel desinfetante cutâneo de base alcoólica, importa garantir que estes bens se encontram disponíveis para os consumidores a preços justos e não especulativos.”

Por isso, importa agora ir para o terreno averiguar estas situações tal como, de resto, tem sido feito a ASAE que ainda não respondeu às perguntas da TVI24

ASAE fiscaliza 750 operadores económicos durante estado de emergência

Durante o estado de emergência, entre 18 março e 2 de maio, a ASAE realizou diversas ações de fiscalização, a nível nacional, direcionadas para a verificação da prática de eventuais ilícitos relacionados com as medidas impostas pela nova doença.

E já tinha comunicado que foram  fiscalizados, nesse período, cerca de 600 operadores económicos no âmbito do combate à prática de alegado lucro ilegítimo (especulação) obtido na venda de bens necessários para a prevenção e combate à pandemia, verificação dos requisitos de conformidade dos equipamentos de proteção individual (EPI), designadamente máscaras de proteção, verificação do cumprimento das especificações técnicas das máscaras comunitárias ou de uso social e ainda verificação dos requisitos de conformidade dos produtos biocidas (álcool, álcool-gel e desinfetantes).

No âmbito da operação que no seu conjunto fiscalizou 750 operadores económicos foram instaurados 41 processos crime pela prática de obtenção de alegado lucro ilegítimo (especulação).

 

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