Coronabonds, as obrigações da discórdia europeia - TVI

Coronabonds, as obrigações da discórdia europeia

Eleições europeias

O que são e o que ganhamos todos com isso?

A existirem, serão obrigações europeias para emissão de dívida pública conjunta, permitindo aos países da Zona Euro financiarem-se ao mesmo preço, para fazer face à devastação económica provocada pela crise do novo coronavírus.

O instrumento de financiamento associado a uma taxa de juros igual para todos os países do Eurogrupo evitaria que as taxas exigidas pelo mercado disparassem para os países mais afetados pela Covid-19 e cuja economia enfrenta maiores dificuldades financeiras no caminho de regresso à normalidade, como será o caso de Itália, Espanha e também Portugal.

As coronabonds ainda não existem e a ideia tem fortes opositores. Os países do Norte da Europa, mais ricos, recusam financiar-se emitindo títulos de dívida conjunta que para eles, implicaria custos mais elevados, já que alguns conseguem individualmente taxas de juro negativas no mercado.

A discussão nas instâncias europeias é tudo menos pacífica.

Veja também: UE: Quase todos os países de acordo com uma resposta conjunta à crise

Mais uma vez esta crise da Covid-19 e a discussão em torno das coronabonds, em particular, está a trazer ao de cima as velhas divisões da União Europeia.

DIVISÃO NORTE/SUL OU NEM TANTO

A crise económica que se adivinha sem precedentes, para muitos economistas uma verdadeira tragédia, no pós-crise sanitária da Covid-19 está a acordar de novo o espectro de uma Europa dividida.

A emissão de dívida pública conjunta através de coronabonds é a discussão da discórdia.

Após mais uma reunião do Eurogrupo, esta terça-feira, não há consenso e mantém-se um extremar de posições.

Desta vez, no entanto, ao contrário da crise das dívidas públicas, a Alemanha parece estar mais sensibilizada para esta ideia de os países da moeda única emitirem títulos de dívida conjunta. Uma convicção de um novo patamar de solidariedade assente na afirmação reiterada da chanceler alemã, Angela Markel, de que é preciso mais Europa”.

E desta vez também França apoia a ideia de que Itália não abdica. São dois países de peso na União Europeia e ambas as economias estão entre as mais afetadas pela pandemia, mas na realidade esta crise vai ser difícil de ultrapassar para grande parte da Europa. Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda estão no mesmo lado da barricada.

Mas o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, o mais relutante, mantém o não que dizia há dias quando garantia: “Coronabonds, jamais!”

Também a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou a classificar as coronabonds como um “mero slogan”.

Ao fim de 16 horas de reunião por videoconferência, o presidente do Eurogrupo, punha água na fervura. "Chegámos perto de um acordo, mas ainda não estamos lá", disse Mário Centeno.

Um acordo que para Centeno passa por uma via intermédia. O ministro das finanças português, na qualidade de presidente do Eurogrupo defende a garantia de linhas de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), por ser a opção mais prática e "consensual", mas ainda assim não o suficiente.

Para a Holanda emissão de dívida comum nem pensar, e, mesmo na versão acesso a linhas de crédito do MEE, quer impor condições.

E o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, não aceita uma solução sob a forma de empréstimos do fundo de resgate da zona euro.

A memória da Troika ainda está fresca. A esse assunto voltaremos mais adiante.

ECONOMIAS ASSENTES EM ESTACAS DE DÍVIDA

Para quem não está familiarizado, nem com a linguagem nem com a forma como os Estados e os países se financiam, vale a pena dar uns passos atrás.

Os desafios, problemas e ambições, são cada vez maiores. Todos os países, uns mais que outros, estão endividados e são um sorvedouro de dinheiro.

Para se financiarem, os Estados contraem dívida no mercado. Emitem títulos de dívida pública, a maioria das vezes para pagar dívida anterior. Os investidores ao comprarem essas obrigações soberanas estão a emprestar-lhes dinheiro a prazo, com juros.

O mercado de dívida publica, como todos, não é benemérito, existe com o objetivo de ganhar dinheiro e com o menor risco possível.

Aos países mais ricos, que teoricamente têm melhores condições de cumprirem com o pagamento da dívida contraída, os investidores cobram juros mais baixos.

Pela razão inversa, por anteverem mais riscos de não serem reembolsados, aos países mais pobres exigem juros mais elevados.

Ora este é um cenário que está montado e ameaça repetir-se agora com a crise do novo coronavírus tal como aconteceu, em 2011, com a crise das dívidas soberanas. Lembra-se? Depois veio a Troika.

Já na altura foi ensaiada, ou para ser mais rigorosa foi solicitada pelos países mais aflitos, a criação de Eurobonds, obrigações europeias, que permitiria que todos os países do Eurogrupo se financiassem ao mesmo preço, com uma taxa de juro igual.

Não aconteceu.

CORONABONDS OU EUROBONDS

Na prática são a mesma coisa.

A única diferença é que as Coronabonds de que se fala têm como objetivo específico o financiamento por necessidades comprovadamente derivadas à crise sanitária da Covid-19 e subsequente crise económica, ou seja, não se destinam a corrigir desequilíbrios orçamentais e estruturais das economias.

E é precisamente este argumento a somar ao facto de ao contrário de esta crise ser simétrica, ao contrário do que aconteceu com a crise da dívida soberana, que é utilizado pelos países defensores de uma mutualização da dívida europeia.

Um argumento recentemente apresentado através de uma carta subscrita pelos líderes de nove países, entre os quais o primeiro-ministro português, e enviada ao Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.  A intenção é, ou era, pressionar para que se avance com a emissão de dívida conjunta para fazer face aos efeitos causados pela pandemia.

O argumento para um instrumento tão comum é forte, já que todos enfrentamos um choque externo simétrico, pelo qual nenhum país é responsável, mas cujas consequências negativas são suportadas por todos. E nós somos coletivamente responsáveis por uma resposta europeia eficaz e unida", lê-se na carta.

Em defesa da ideia, ao lado de António Costa está o presidente francês, Emmanuel Macron, o chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, a primeira-ministra belga e os primeiro-ministros grego, Kyriakos Mitsotakis, o irlandês e os do Luxemburgo e da Eslovénia.

Todos juntos batem-se pelo mesmo objetivo, "precisamos de trabalhar num instrumento de dívida conjunta, emitido por uma instituição europeia."

O ministro das Finanças, Mário Centeno, garantia recentemente que não iria desistir.

Parece ter afrouxado na firmeza em favor de um consenso possível.

É preciso acompanhar a próxima, ou próximas reuniões do Conselho Europeu e do Eurogrupo.

As coronabonds foram apontadas como “a solução” por Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE).

A autoridade bancária europeia liderada por Christine Lagarde, face ao impasse da EU na tomada de uma posição coesa, avançou com o reforço de capacidade do BCE para comprar, quase sem limites, títulos de dívida dos países da Zona Euro.

A descida significativa das taxas de juro exigidas pelos mercados a todos os países foi a reação quase imediata.

Com as devidas diferenças, a história repete-se.

DE CRISE EM CRISE ATÉ AO RESGATE

A crise financeira de 2008 desembocou na crise das dívidas soberanas que em Portugal assumiu gravidade máxima em 2011 com o pedido de resgate.

As economias mais fragilizadas, embora nem todas exatamente pelos mesmos motivos, viram em muito pouco tempo o mercado da dívida fechar-se. Os investidores só aceitavam comprar obrigações soberanas da Irlanda, Grécia e Portugal a troco de juros elevadíssimos e incomportáveis.

 Já nessa altura discutiu-se na União Europeia a possibilidade, desejada e solicitada pelos países que estavam literalmente com a corda na garganta, de inovar no modo de financiamento com um novo instrumento de emissão de dívida europeu, comum a todos os países.

Nessa altura os tais títulos, que nunca chegaram a ver a luz do dia, foram designados Eurobonds, obrigações europeias.

A Portugal, a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) concedeu um empréstimo de 78 mil milhões de euros.

Toda a gente se lembra da Troika. Seguiram-se anos de austeridade para pôr as contas em ordem, como bem sabemos.

O mesmo aconteceu a outros países. Irlanda e Grécia também foram alvos de resgate. Espanha, por exemplo, também recebeu ajuda embora circunscrita ao setor da banca e por isso escapou à formalidade do resgate. Itália esteve à beira do colapso.

A crise das dívidas soberanas, como passou a ser conhecida, que disparou no rescaldo da crise financeira por desmando de práticas abusivas por parte da banca mundial, colocou mesmo em risco a sobrevivência da moeda única europeia.

Mas nem isso convocou ou convenceu a União Europeia a aceitar emitir dívida pública conjunta, solidária, através das eurobonds, para muitos “a solução” para salvar os países em maiores dificuldades alvos da trajetória dos juros em flecha e da especulação de preços do dinheiro.

Países como a Alemanha, a Holanda, a Áustria e a Finlândia opuseram-se terminantemente a pagar mais pela dívida por si contraída para que outros, em situação menos favorável, pagassem menos.

Na altura as justificações eram encontradas numa alegada agenda política interna, como evitarem o risco de perderem votos dos seus eleitorados cansados de serem contribuintes líquidos ou de darem muito mais que outros para o orçamento europeu.

Foi a intervenção do Banco Central Europeu, ao tempo liderado pelo italiano Mário Draghi, ao comprar volumes maciços de dívida pública de vários países que consegui aplacar o desnorte dos juros exigidos pelos investidores.

E é aqui que de novo nos encontramos, face a uma crise virulenta de novo de tipo desconhecido, que se antevê de consequências sem precedentes e em que não há garantias de que alguns países não voltem a ter ao pescoço a corda apertada pelos juros sufocantes.

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