Carris regressa hoje às mãos da câmara, sem consenso - TVI

Carris regressa hoje às mãos da câmara, sem consenso

Metro (Lusa)

Câmara de Lisboa assume na quarta-feira a gestão da rodoviária, 41 anos depois de a ter perdido para o Estado. Medida foi bem acolhida pelo pessoal de tráfego, mas enfrenta reticências de utentes e da Fectrans. PCP leva assunto à AR. BE quer alterações

A Câmara de Lisboa assume na quarta-feira a gestão da rodoviária Carris, 41 anos depois de a “ter perdido” para o Estado. No entanto, o processo não está a ser pacífico, depois de o PCP ter pedido a sua apreciação parlamentar. Se a decisão bem acolhida pelo pessoal de tráfego, enfrenta algumas reticências por parte dos utentes e da Fectrans, federação sindical afeta à CGTP. 

Ao contrário do PCP, que ainda vai decidir, até à apreciação parlamentar requerida precisamente pelos comunistas, se apresenta propostas de alteração ou avança para a eliminação do diploma do Executivo socialista para a gestão da rodoviária, o Bloco de Esquerda é contra qualquer revogação, mas defende mudanças.

“Pensamos que será uma boa solução. Quer queiramos, quer não, a falta de motoristas leva a não haver autocarros nas ruas. Temos consciência de que tudo irá melhorar com mais motoristas”, expressou à Lusa Orlando Lopes, da Associação Sindical do Pessoal de Tráfego da Carris.

O dirigente deu como exemplo algumas alterações desde que o presidente da câmara, Fernando Medina (PS), anunciou que a autarquia iria ficar com a gestão da Carris, nomeadamente quanto à contratação de novos motoristas (220).

Há uma medida que prometeram e que já estão a cumprir. Os novos motoristas já estão a fazer entrevistas e exames médicos. Em relação à nova frota, já está o concurso aberto”

A frota não era renovada “há mais de seis anos”.

Num comunicado conjunto com a Comissão de Trabalhadores (CT) da Carris, o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes (SITRA) e o Sindicato Nacional dos Motoristas (SNM), a organização representativa dos trabalhadores defendeu que a transferência da Carris para a Câmara de Lisboa “é a solução que melhor serve os trabalhadores, a empresa e o serviço que esta presta”.

“A Câmara Municipal de Lisboa tem demonstrado a intenção de promover um transporte público que sirva as populações e a cidade, dignificando os 145 anos de história comum, contrastando com o desinvestimento a que a empresa foi vetada nos últimos tempos”, referem.

Entre os aspetos positivos apontados para a transferência da gestão da Carris destaca-se “a importância que a Câmara de Lisboa tem na articulação da rede de transportes” e que, conjugada com a gestão do trânsito da cidade, proporciona “uma vantagem no serviço prestado aos utentes”.

Quem tem dúvidas em ano de eleições

Com incertezas quanto à municipalização encontra-se a Comissão de Utentes dos Transportes Públicos de Lisboa, cuja porta-voz, Cecília Sales, manifestou “algumas dúvidas acerca da transição” e do processo em si.

Nos primeiros meses, a nível financeiro, a Câmara Municipal de Lisboa vai fazer gestão, mas temos algumas dúvidas de que a autarquia tenha meios financeiros disponíveis para arcar com uma responsabilidade destas, porque a Carris está altamente deficitária”.

A Comissão de Utentes lembrou que se vive um ano de eleições, com promessas, mas mostrou-se preocupada e questiona se “haverá cabedal para se aguentarem”. “Passando a época eleitoral, vamos ver o que é que acontece”, afirmou.

“A nossa preocupação é que, passadas as eleições, as coisas não corram bem e o serviço seja concessionado. É um serviço público que deve estar na esfera pública. Até devia estar como estava: na esfera do Governo”, sublinhou Cecília Sales.

Manuel Leal, sindicalista da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS), partilhou das preocupações da Comissão de Utentes e vai mais longe, defendendo a criação de uma autoridade metropolitana de transportes da qual o Estado fizesse parte.

“Concebemos que a Carris, a responsabilidade financeira e os investimentos necessários fossem da responsabilidade do Estado, que a Carris continuasse na esfera do Estado e a articulação de toda a rede fosse de uma autêntica autoridade metropolitana de transportes, da qual fizesse parte”. 

As autarquias da área metropolitana “teriam capacidade de organização e gestão da própria rede com os representantes das empresas”, defende. A municipalização da empresa “tolhe o crescimento e a construção deste sistema articulado de transporte”.

O historial

Na cerimónia de assinatura do memorando da passagem de gestão da rodoviária para o município, o presidente da câmara, Fernando Medina congratulou-se: “A Carris regressa a casa”. 

A opção do Governo de entregar a empresa à autarquia surge na sequência da suspensão dos processos de concessão das empresas públicas de transporte, lançados em 2011 pelo Governo PSD/CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho.

Na ocasião, o então primeiro-ministro ainda atribuiu à espanhola Avanza a exploração da Carris e do Metro de Lisboa; à britânica National Express, que detém a espanhola Alsa, a STCP - Sociedade de Transportes Coletivos do Porto; e à francesa Transdev o Metro do Porto.

No entanto, nove dias depois de ter entrado em funções (em novembro de 2015), o executivo de António Costa (PS) suspendeu o processo "com efeitos imediatos".

Defendendo que os transportes terrestres devem ser geridos pelos municípios, porque são estes que gerem as estradas, o estacionamento, os semáforos e as faixas BUS, entre outros, António Costa decidiu cumprir uma ambição antiga e entregou a Carris à Câmara de Lisboa.

A cerimónia oficial realizou-se a 21 de novembro e a autarquia vai começar a gerir a rodoviária a partir de hoje, 1 de fevereiro de 2017. Contudo, a 25 de janeiro, o PCP entregou na Assembleia da República um pedido de apreciação parlamentar do diploma que transfere a Carris para o município.

Na resposta à decisão do PCP, Fernando Medina disse que este é “só um debate, um diálogo”, que será travado com confiança e convergência entre parceiros.

Continue a ler esta notícia