Oliveira Martins: é constitucional criminalizar enriquecimento injustificado - TVI

Oliveira Martins: é constitucional criminalizar enriquecimento injustificado

Guilherme Oliveira Martins

Ex-presidente do Tribunal de Contas diz que, a acontecer, terá de cingir-se às funções públicas, defendendo que não se pode aplicar a todos os cidadãos. A "grande questão" é mesmo a vontade política

O ex-presidente do Tribunal de Contas Guilherme D'Oliveira Martins defende que a criminalização do enriquecimento injustificado - que já sofreu dois chumbos pelo Tribunal Constitucional  -pode ser consagrada dentro da lei, desde que tenha como alvo apenas as funções públicas. Não se pode aplicar a todos os cidadãos, diz. 

A grande questão aqui é de vontade política. Quer penalizar-se o enriquecimento injustificado? Adote-se um sistema, que é possível e que o direito comparado nos concede, que é justamente a de não violar a presunção de inocência, de aplicação a quem tem funções públicas, de serviço público e aos exatores orçamentais".

O antigo presidente do Tribunal de Contas entre 2005 e 2015 explicou que "esta figura do enriquecimento injustificado pode ser consagrada conforme com a CRP, sem violar o princípio da presunção de inocência e sem haver inversão do ónus da prova". Invocou, a este propósito, a experiência de Hong Kong, sublinhando que não é um princípio que se possa aplicar a todos os cidadãos, como o último diploma do PSD e CDS-PP que foi chumbado pelo TC pretendia.

Oliveira Martins vincou que, "se se quer adotar esta figura não se estenda o seu universo e garanta-se que o universo ao qual se aplica é um universo relativamente ao qual não há inversão do ónus da prova", cita a Lusa.

De acordo com o professor catedrático e ex-ministro socialista, "estando em causa aqueles que têm a seu cargo dinheiros públicos, relativamente a esses o ónus da prova não se inverte porque a prova, se há suspeita, tem de ser contraditada pelo próprio acusado que tem a seu cargo dinheiros públicos".

"O mesmo relativamente ao exator orçamental. Em direito financeiro assim é, na responsabilidade financeira assim é. Alguém que tem a seu cargo a gestão de dinheiro público, quem acusa não precisa provar", sustentou.

Se eu, fiel depositário não prestei contas, naturalmente que não é o depositário que tem de provar onde está e se há responsabilidade quanto ao dinheiro que eu não lhe devolvi, é óbvio que se não prestei contas, se não devolvi, não há inversão do ónus da prova, há aplicação dos princípios gerais do direito".

Oliveira Martins sublinhou que não é possível uma aplicação deste princípio a todos os cidadãos:

"Seria ideal aplicar-se a todos os cidadãos? Mas isso não é possível, porque viola princípios gerais do direito e o Tribunal Constitucional tem sido unanime relativamente a essa questão"

Regimes de incompatibilidades

A este propósito, Guilherme D'Oliveira Martins defendeu "um regime do bom senso que não afaste os melhores" e pediu "cuidado com os regimes rígidos", que, na sua perspetiva, comportam um risco de "funcionalização" das funções públicas.

"Olhemos a plêiade da Assembleia Constituinte. Temos de correr o risco, dizer, sejamos responsáveis, percebamos que quando há conflito de interesses, ele pode existir, mas tem de ser explícito".

Mesmo quando se trate de "uma causa" e não de um interesse, Oliveira Martins defendeu o princípio da Câmara dos Comuns britânica: "Na dúvida, comunica-se", frisou.

Depois de dois chumbos do Tribunal Constitucional a dois projetos distintos de criminalização do enriquecimento ilícito, os grupos parlamentares abandonaram essa via e apresentaram propostas que vão no sentido de punir a falta da apresentação de uma declaração.

Vão nesse sentido projetos de lei apresentados na comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas pelo PSD, PCP, BE e PS.

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