Novo imposto sobre o património: o que já se sabe (e por quem) - TVI

Novo imposto sobre o património: o que já se sabe (e por quem)

Não foi o Governo, mas Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que apresentou primeiro a medida que incide sobre o património imobiliário, seguida do PS. PCP quer mais: taxar também o mobiliário, ou seja, os capitais

Sobretaxa é um nome que pesa na memória recente dos portugueses, especialmente na da classe média. Vem aí um novo imposto, ainda sem nome definido, mas já que sabe que incidirá sobre o património de valor elevado. A notícia veio nos jornais, primeiro, e mesmo antes de o Governo falar foi o parceiro Bloco de Esquerda, que o apoia no Parlamento, a apresentar a medida. O CDS-PP acha "estranho" o rosto da medida, acusa o Governo de "grande assalto fiscal" e o PSD diz que a medida vai "castigar" a classe média e agravar mais o desinvestimento no país.

Nem tudo está fechado nas negociações com o Governo. Uma coisa é certa: o BE prefere chamar-lhe "taxa adicional sobre fortuna patrimonial imobiliária". . E é preciso não esquecer o PCP na geringonça, que depois do BE veio dizer que "há anos" que apresenta a medida e ela sempre foi rejeitada. Concorda, diz que também a levou às reuniões com o executivo, mas quer mais: taxar também o património mobiliário, ou seja, os capitais.

Conceito

A ideia é substituir o imposto de selo, que é aplicado a prédios com valor patrimonial acima de 1 milhão de euros. E ir mais longe: a nova taxa incidirá não sobre cada edifício em particular, mas sobre o património acumulado dos contribuintes.

"Nunca é um imposto sobre a classe média nem casa de férias. É um imposto sobre grande riqueza. O que se trata aqui é de justiça fiscal. Porque temos em Portugal muitas pessoas que não declaram IRS, ou porque vivem de patrimônio financeiro e pagam uma taxa liberatória de 30%, quando na verdade quem recebe o seu rendimento do trabalho paga irá muito superior a isso, ou rendimentos no estrangeiro que não declaram em Portugal, ou rendimentos cá que não declaram porque fogem e depois têm património de luxo", explicou Mariana Mortágua.

A ideia é, então, que "quem até agora não é tributado" passe a sê-lo, desonerando, diz a deputada, a classe média e os mais pobres. 

Tal como o Bloco de Esquerda, também o PS, partido do Governo, advoga que o que está em causa é uma questão de justiça fiscal: "Vai permitir que os contribuintes com o mesmo património sejam tributados da mesma forma ao contrário do que acontecia no passado: um contribuinte com apenas um edifício com um valor patrimonial de 1 milhão de euros era tributado e outro com cinco edifícios, cada um a valer 200 mil euros [também um milhão no total] não", acrescentou depois o deputado socialista Eurico Brilhante Dias.

Valores

Ainda não estão definidos montantes a partir dos quais a taxa será aplicada, mas as discussões estão entre 500 mil e 1 milhão de euros. "Algures neste patamar", segundo Mariana Mortágua.

"Não está definido ainda porque queremos ter a certeza - e isso faz-se através de simulações com a autoridade tributária - que não atinge mesmo a classe média".

A deputada fez notar que se pessoas se forem consultar a certidão do imóvel que possuem "vão reparar que valor patrimonial tributário é muito mais baixo".

"Facilmente uma pessoa que tenha dois imóveis em Lisboa não atinge sequer os 500 mil euros, mas como digo vai ser estudado para garantir que há folga confortável para a classe média, inclusive nos centros urbanos, poder não pagar, estar isenta, protegida, salvaguardada"

E o IMI?

A nova taxa substituirá o imposto de selo, mas não o Imposto Municipal sobre Imóveis, mais conhecido por IMI. "A ideia é ser taxa adicional ao IMI", diz Mariana Mortágua.

"O desenho não está completamente fechado. Estão a ser feitos cálculos para garantir que não atinge a classe média e que seja crescente a partir do limite [que será estabelecido]". Isto é, uma taxa progressiva.

A deputada do BE garante mesmo que o limiar "protege confortavelmente e dá garantias de salvaguarda": 

É importante que fique claro - [perante] o abuso que tem sido feito pela direita e a política de medo - este não é imposto sobre as famílias de classe média nem da classe média alta - é um imposto sobre fortuna patrimonial imobiliária".

Para todos os proprietários ou só alguns?

"Todos os contribuintes que tenham valor patrimonial global -soma dos vários prédios e propriedades - superior a um limite mínimo irão pagar esta taxa adicional mesmo se forem fundos imobiliários", exemplificou a deputada, quando questionada sobre se bancos, casas adquiridas através de vistos gold ou esses fundos seriam taxados.

Estarão excluídos deste imposto a propriedade industrial e com fins produtivos. "Do ponto de vista económico, faz sentido: eu devo isentar quem vem investir em Portugal para construir fábricas, criar emprego e construir coisas, não tenho porque continuar a tributar menos os fundos imobiliários que vivem de especulação. Isso distorce a economia", argumentou.

A deputada não foi clara sobre se os imóveis destinados a comércio e serviços serão alvo do imposto.

Já o colega socialista, Eurico Brilhante Dias, adiantou que a solução final que será proposta pelo Governo terá como preocupação não afetar o mercado de arrendamento, "que é tão importante para a regeneração urbana". Ou seja, as casas que os proprietários possuam que estejam arrendadas devem ficar de fora.

"Mas queremos mais justiça fiscal em Portugal para financiar medidas como a redução de impostos diretos, caso do IRS, eliminando já em 2017 a sobretaxa", argumentou.

E a morada de família, conta ou não? "A forma como medida estava desenhada era de o limite ser em valor, independentemente do tipo de imóvel. Não queremos atingir quem tem três casas de baixo valor, queremos proteger todas as pessoas que têm património imobiliário mais baixo, independentemente de ser morada de família. Agora, se for uma morada de família com valor patrimonial de dois milhões de euros e quatro milhões de valor de mercado, pagará, porque, convenhamos a classe média nao tem uma casa destas". 

As reações da direita e dos proprietários

Para o PSD, as consequências serão terríveis a dois níveis: para a classe média, que sairá "castigada" e para o investimento no país.

Nada disso, diz Mariana Mortágua: "O investimento imobiliário não conta para o PIB - a casa já foi construída, estou a comprar bem que já foi investido - conta zero para o PIB. Não estão a construir, não estão a criar riqueza nem capital fixo". 

A deputada e economista explicou ainda que com a atual subida evidente dos preços, "estamos a começar a ter muita pressão no mercado imobiliário".

"Devo aproveitar esse mercado, controlá-lo, impondo taxa adicional sobre esse mercado de especulação, conseguir controlar preços e bolhas imobiliárias e receita aqueles que têm mais dinheiro", concluiu. 

Da parte do CDS-PP, a líder Assunção Cristas fez um apontamento político ao rosto da medida: "É estranho o país ficar a saber de um novo imposto que não é anunciado pelo ministro das Finanças, que aliás esteve ontem no Parlamento, e é anunciado hoje pela boca do Bloco de Esquerda". 

Os proprietários já se insurgiram contra a medida, lembrando que para muita gente ter património não significa ter dinheiro para pagar ainda mais impostos. Admitem mesmo levar o assunto a tribunal para travar a aplicação da nova taxa. 

Recorde-se que o novo imposto terá de passar pelo Parlamento para vir a ser inscrito na proposta de Orçamento do Estado para 2017. E, para isso, terá de ter o acordo não só do Bloco de Esquerda, mas no PCP, que quer ir, como vimos, mais longe.

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