Tribunal de Contas chumba e arrasa investimento de mais 15 milhões no SIRESP - TVI

Tribunal de Contas chumba e arrasa investimento de mais 15 milhões no SIRESP

  • Atualizada às 17:45
  • 10 out 2018, 16:28
SIRESP (arquivo)

Entidade fiscalizadora acha que Governo não justifica "se a solução apresentada é a que melhor serve o interesse público". Em causa, uma alteração de contrato para reforçar equipamentos da rede de emergências

O Tribunal de Contas recusou o visto às alterações do contrato que o Governo tem com a empresa que gere o sistema de comunicações SIRESP e que prevê um investimento de 15,65 milhões de euros, em quatro anos.

No acórdão com mais de 100 páginas, datado de 3 de outubro e divulgado esta quarta-feira, que tem como relator o Conselheiro Fernando Oliveira Silva, considera-se que, apesar de uma longa troca de questões ao longo dos últimos meses com a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), houve "ausência de informação", o que "não permite sindicar se a solução apresentada é a que melhor serve o interesse público, desde logo porque não é seguro que este aditamento contratual seja absolutamente necessário".

O aditamento ao contrato entre o Governo e a gestora do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) foi aprovado em Conselho de Ministros a 5 de abril, com o objetivo de melhorar a rede de comunicações, na sequência das falhas detetadas no ano passado, nos incêndios de junho e outubro.

A alteração ao contrato prevê o gasto de 15,6 milhões de euros por parte do Estado, entre os anos de 2018 a 2021, para a "implementação de redundância da transmissão de comunicações via satélite, abrangendo 451 estações base (EB)" e ainda a "implementação do reforço da autonomia de energia eléctrica, com a instalação de 18 geradores a gasóleo".

"Contrato de elevadíssimo peso"

No longo acórdão, que faz o levantamento de todo o processo desde a parceira entre o Estado e os privados proprietários do SIRESP, o relator diz que "estranha-se que um contrato que, hipoteticamente, tinha como objeto a conceção e gestão de uma rede de comunicações para situações de emergência não consiga assegurar o normal funcionamento dessa rede em condições excecionais, mas que, no plano dessa emergência, se tornam normais e previsíveis, como é o caso dos incêndios".

O Tribunal de Contas frisa mesmo o valor pago pela rede de comunicações, "um contrato de elevadíssimo peso para o erário público: 463.537.412€".

Temos, pois, sérias dúvidas se não se deve extrair do articulado do contrato SIRESP original o entendimento de que os mecanismos de redundância da rede SIRESP agora apresentados como “serviços novos” estão já contemplados naquele como uma responsabilidade originária da Operadora SIRESP", salienta o Tribunal de Contas. 

A entidade encarregada da fiscalização e controlo dos dinheiros públicos refere mesmo "um dos relatórios da SGMAI", realizado na sequência do incêndio de Pedrogão Grande, onde se refere que "diversas estações base SIRESP ficaram inoperacionais devido ao fogo que destruiu os cabos de transmissão, o que gerou falhas de rede, tornando-se assim claro que o SIRESP carecia de suporte adicional de modo a garantir as comunicações, ainda que em casos de extrema severidade".

Ora, de acordo com o Contrato SIRESP, não competiria à Operadora SIRESP assegurar a manutenção ativa da rede, de forma permanente e sem falhas? Não deveria a Operadora garantir os sistemas de redundância necessários a um funcionamento da rede SIRESP sem falhas? São estas as dúvidas para as quais não obtivemos resposta clara e convincente", salienta o Tribunal de Contas.

Falta de pareceres e negociação

Na mira do Tribunal de Contas está também o facto de o Governo ter prescindido de um parecer da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP), estando em causa uma alteração contratual no âmbito das parcerias público-privadas (PPP).

Qualquer decisão governamental relativa à modificação de contratos de PPP deveria ter sido antecedida de parecer da UTAP, sendo que, para tal efeito, a entidade que representa o parceiro público – neste caso a SGMAI – deveria ter remetido àquela Unidade Técnica (...) , tal pedido de parecer, acompanhado da respetiva fundamentação, do orçamento apresentado pelo parceiro privado e das condições de execução e de pagamento", refere o acórdão.

Também a "dispensa de formalização de uma comissão de negociação" é criticada pelo Tribunal de Contas, dada "a necessidade de serem asseguradas as tarefas que, em prol do interesse público, continuam a ser essenciais para o processo negocial entre o parceiro público e o parceiro privado".

Em conclusão, "acordam os juízes do Tribunal de Contas, em subsecção da 1.ª Secção, em decidir recusar o visto ao aditamento contratual identificado" e "tendo por base os fundamentos constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC": ou seja, "nulidade", "encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação direta de normas financeiras" e "iIlegalidade que altere ou possa alterar o respetivo resultado financeiro".

Sucede que, sem autorização prévia do Tribunal de Contas, o Governo realizou contratos com o SIRESP, violando a lei, a qual prevê, em caso de "alteração a um contrato que já tinha visto, qualquer encargo que seja superior a 950 mil euros só pode ser contratualizado depois do visto".

Mas, segundo o acórdão, o Governo informou que "todas as alterações ao Contrato previstas no presente aditamento ao Contrato produzem efeitos a partir da data da notificação à Operadora da obtenção de visto do Tribunal de Contas".

Acresce que a SGMAI informou que "o parceiro privado, face à necessidade reconhecida quanto a dotar o sistema SIRESP de soluções de redundância, iniciou a implementação das soluções por iniciativa unilateral".

Os atos praticados por iniciativa e risco do parceiro privado, em momento anterior à pronúncia do Tribunal de Contas em sede de fiscalização prévia, não poderão dar lugar a qualquer tipo de compensação financeira por parte do Estado sem a obtenção do referido visto", lê-se no esclarecimento enviado pela SGMAI.

Por fim, além da recusa do visto, o Tribunal de Contas "determina o prosseguimento do processo para efeitos de concretização do âmbito da infracção prevista no artigo 65.º, n.º 1". A saber, uma multa: "Pela execução de atos ou contratos que não tenham sido submetidos à fiscalização prévia quando a isso estavam legalmente sujeitos ou que tenham produzido efeitos em violação do artigo 45.º".

A entidade gestora do sistema de comunicações de emergência SIRESP vai recorrer do acórdão do Tribunal de Contas que recusa visto ao contrato de aditamento do SIRESP, anunciaram hoje os Ministérios das Finanças e da Administração Interna em comunicado conjunto.

Tendo sido notificada pelo Tribunal de Contas da recusa de visto ao aditamento ao contrato SIRESP, a entidade gestora vai recorrer do acórdão”, lê-se no comunicado hoje divulgado.

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