Angola em recessão terá de pagar 5 mil milhões de dívida - TVI

Angola em recessão terá de pagar 5 mil milhões de dívida

  • 14 jun 2020, 09:35
Agência Fitch

Choque do novo coronavírus vai exercer ainda mais pressão sobre as finanças públicas em 2020, diz a agência de rating Fitch. Dívidas públicas de Moçambique e Cabo Verde também disparam

A agência de notação financeira Fitch Ratings disse hoje que Angola deverá ter de pagar cerca de 5 mil milhões de dólares este ano em pagamentos de dívida pública, representando mais de 60% da receita do Governo.

Estimamos que o Governo de Angola enfrente um custo de aproximadamente 5 mil milhões de dólares [4,4 mil milhões de euros], equivalente a 8% do PIB, em amortizações de dívida externa, com o total dos pagamentos de juro a aumentarem para mais de 60% da receita governamental", diz a Fitch Ratings num relatório sobre a evolução das economias da África subsaariana nos últimos meses.

De acordo com o relatório, enviado aos investidores e a que a Lusa teve acesso, "apesar do ajustamento orçamental em curso, a depreciação das reservas estrangeiras e o aumento dos custos de financiamento aumentaram o rácio da dívida sobre o PIB para bem acima da classificação média de B", o rating atribuído a Angola.

"O choque do novo coronavírus vai exercer ainda mais pressão sobre as finanças públicas em 2020", dizem os analistas, acrescentando que, por isso, "Angola deverá chegar a acordo com os credores oficiais bilaterais sobre a reestruturação da dívida, mas a revisão do programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) pode requerer uma reestruturação adicional da dívida comercial".

Angola, o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana e a quarta maior economia da região, a seguir à Nigéria, África do Sul e Quénia, está a sofrer as consequências da descida dos preços do petróleo e o impacto das medidas de combate à pandemia de Covid-19, que causou até ao momento no país 138 infetados e seis mortos.

"O rating de Angola reflete a dependência do petróleo, que é uma das maiores entre os países analisados pela Fitch, e o impacto da descida dos preços e da produção de petróleo", lê-se no documento, que alerta que o choque petrolífero "levou a uma depreciação do kwanza além do previsto, aumento dos níveis de dívida pública e a complicações no serviço da dívida externa, com uma queda das reservas internacionais".

A Fitch antevê que o crescimento económico continue negativo este ano, contraindo 1,5% do PIB, e que a dívida pública suba para 107,5%, com a produção de petróleo a cair para 1,3 milhões de barris por dia, o que obriga o Governo a "encontrar novas fontes de financiamento para além do FMI, das instituições multilaterais e das retiradas de dinheiro do Fundo Soberano".

A 16 de março, a Fitch reviu em baixa o rating de Angola, colocando em B- com uma Perspetiva de Evolução Estável.

Dívida pública de Moçambique vai subir para 112,8% este ano

A agência de notação financeira Fitch Ratings estimou ainda que a dívida pública de Moçambique vai subir para 112,8% este ano devido aos efeitos da pandemia de Covid-19, que abrandará o crescimento económico para 1%.

O rating de Moçambique reflete o aperto nas condições de liquidez, altos níveis de dívida e questões pendentes sobre as empresas públicas que podem afetar o perfil de crédito", diz a Fitch Ratings num relatório sobre a evolução das economias da África subsaariana nos últimos meses.

De acordo com o relatório, enviado aos investidores e a que a Lusa teve acesso, a dívida pública de Moçambique subirá de 99,2% em 2019 para 112,8% este ano e 108,9% em 2021, essencialmente devido à evolução da pandemia causada pelo novo coronavírus, que reduzirá o crescimento económico, de 2,2% em 2019 para 1% este ano e 3,5% em 2021.

A economia de Moçambique já estava a mostrar sinais de recuperação dos significativos danos feitos às colheitas e a outros setores, no seguimento dos dois ciclones que atingiram o país em 2019", mas a pandemia abrandou a rapidez da recuperação, consideram.

"Os grandes projetos do gás natural estão em preparação, mas pode haver mais atrasos por causa da atividade terrorista, e os benefícios para a economia só vão sentir-se nunca antes do final desta década", alertam os analistas da Fitch Ratings, referindo-se aos ataques armados que se têm registado na região de Cabo Delgado, no norte do país.

O défice orçamental de Moçambique deverá passar de 6 para 8% do PIB este ano "devido ao crescimento mais fraco e ao aumento da despesa pública para responder às crises económica e de saúde", diz a Fitch, notando que as autoridades esperam colmatar a diferença entre a receita e a despesa "com financiamento de emergência e suspensão do serviço da dívida por parte dos credores oficiais".

A pandemia de Covid-19 causou, até ao momento, em Moçambique mais de 550 infetados e dois mortos.

Cabo Verde com dívida pública nos 157% este ano

Já a economia de Cabo Verde deverá recuar 14%, a dívida pública subirá para 157,1%, e o turismo só em 2021 vai recuperar, e ligeiramente.

A pandemia de Covid-19 vai afetar severamente a economia de Cabo Verde devido à predominância do turismo, que vale 23% do PIB, apesar de haver poucos casos no arquipélago; prevemos que o PIB caia 14% este ano e que o turismo só recupere, e ligeiramente, em 2021", diz a Fitch Ratings num relatório sobre a evolução das economias da África subsaariana nos últimos meses, no qual prevê que Cabo Verde cresça 8,5% para o ano.

De acordo com o relatório, enviado aos investidores e a que a Lusa teve acesso, a dívida pública do arquipélago deverá aumentar bruscamente para 157,1% em 2020, bem acima da média de 52% dos países soberanos a que a agência de notação financeira dá o rating de B, devendo ainda descer para 150% no ano seguinte.

"Esperamos que o financiamento da dívida venha dos parceiros multilaterais e bilaterais, com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial a darem 37,3 milhões de dólares [32,7 milhões de euros] em abril", acrescentam os analistas, notando que a dívida sobe "devido às medidas de estímulo do Governo e à forte contração nominal do PIB" e que, por isso, "será mais caro servir a dívida e haverá riscos de refinanciamento".

A dívida externa, ainda que elevada, "é mitigada por termos favoráveis, como a maturidade média nos 30,5 anos, taxas de juro baixas e com o apoio da indexação do escudo ao euro".

Para além disso, Cabo Verde "tem um desempenho melhor que a média dos países com rating de B e BB nos indicadores de governação, refletindo instituições fortes e transições políticas pacíficas", a que se junta "uma forte estabilidade política e de governação que ajuda a atrair financiamento concessional", isto é, abaixo das taxas de juro praticadas na banca comercial.

Cabo Verde registou, até ao momento, quase 700 casos de infeção e seis mortos devido ao novo coronavírus.

A assunção do problema da dívida pública como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em abril em Washington, nos quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.

A 15 de abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.

Além disso, a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), entre outras instituições, está a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.

Este mecanismo financeiro seria garantido por um banco multilateral com 'rating' de triplo A, o mais elevado, ou por um banco central, que converteria a dívida atual em títulos com maturidade mais alargada, beneficiando de cinco anos de isenção de pagamentos e cupões (pagamentos de juros) mais baixos, segundo a UNECA.

Os credores privados também já avançaram com um plano que permite diferir os pagamentos da dívida sem influenciar os ratings atribuídos pelas agência de notação financeira, mas o receio de que a falta de pagamento possa cortar o acesso aos mercados internacionais tem levado a que sejam poucos os países a anunciar uma reestruturação da dívida a credores privados.

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