Cáritas investigada por reter dois milhões de euros - TVI

Cáritas investigada por reter dois milhões de euros

  • ALM/CM
  • 9 mar 2017, 07:30

Ministério Público instaurou um inquérito com base em denúncia contra dirigentes

A instituição Cáritas de Lisboa tem dois milhões de euros retidos no banco há 10 anos. A instituição criada pela igreja católica para ajudar os pobres da Diocese de Lisboa tem, pelo menos há uma década, mais de 2,1 milhões de euros em depósitos bancários, aos quais acrescem cerca de 320 mil euros investidos em obrigações, noticia o Público.

A Cáritas Diocesana de Lisboa (CDL) possui ainda imóveis contabilizados em quase 1,4 milhões de euros e averbou um lucro líquido de 119 mil euros em 2014 (131.007 em 2013). Na ajuda aos pobres gastou nesse ano 147 mil euros, dos quais apenas 11.314 correspondem a ajudas diretas, enquanto os donativos particulares recebidos rondaram os 325 mil euros.

O Ministério Público instaurou um inquérito com base em denúncia contra dirigentes.

Se se procurar resposta a esta questão nas contas de 2014, as primeiras que a instituição divulgou no seu site, em meados de 2016 e após muitos pedidos do Público, pouco ou nada se conclui. Até porque só foram publicados o “Balanço” e a “Demonstração dos resultados por natureza”, que preenchem duas das 36 páginas do documento. No essencial fica-se aí a saber que a Cáritas de Lisboa tem 2.091.806 euros em caixa e depósitos bancários, aplicou 321.824 euros em investimentos financeiros e obteve um resultado líquido de 119.360 euros. Os “ativos fixos tangíveis”, que correspondem fundamentalmente ao valor de aquisição dos imóveis de que é proprietária, deduzido das depreciações acumuladas, ascendem, por seu lado, a 1.381.139 euros.

No entanto, o documento completo das Demonstrações Financeiras daquele ano - 36 páginas que o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) forneceu ao Público no verão passado por ordem judicial - já ajuda a perceber para onde vai o dinheiro dos benfeitores.

O que se pretende, diz a CDL, é “manter os valores patrimoniais atualizados”, uma vez que “continuam muito incertas as expectativas futuras”. É "porventura esperado o aumento de solicitações [dos pobres] a par de um abaixamento de doações”. Ou seja, de acordo com uma investigação do mesmo jornal, a direção justifica a almofada financeira com a necessidade de acautelar o agravamento da crise económica e social.

"Se não nos dão nós não temos"

O presidente da Cáritas Diocesana de Lisboa admitiu hoje que a instituição tem uma reserva financeira, explicando que esta se destina a assegurar financiamentos quando os valores dos donativos não cheguem para as necessidades.

José Frias Gomes afirmou, no entanto, em declarações à agência Lusa, que essa reserva é de “um valor inferior”, que não especificou, remetendo para o último relatório e contas da instituição, de 2015.

Temos alguma reserva para dar apoio ao financiamento de uma instituição que não é só de dádivas”, presta também “muito serviço” à comunidade, através do centro local de apoio a imigrantes, de uma escola, creche, do atendimento social e da formação.

Para José Frias Gomes, “as coisas não podem ser expostas de uma maneira tão linear”, referindo-se aos valores divulgados.

Quando as pessoas nos dão um cêntimo é evidente que esse cêntimo não pode ser só revertido numa doação. Esse cêntimo ajuda-nos a suportar os serviços que prestamos porque da contratualização que temos com o Estado, quer para a creche, quer para o lar, isso rondará 40% da nossa atividade.”

Há 60% que a instituição tem de angariar através do peditório e da consignação do IRS. Este financiamento “não vem de outro lado, é o que as pessoas nos derem".

Se não nos dão nós não temos. Daí a preocupação de termos alguma margem financeira porque não sabemos o dia de amanhã e temos responsabilidades quer para aquelas pessoas que necessitam dos nossos serviços quer para os 50 trabalhadores.”

José Frias Gomes salientou ainda que as contas da instituição são “absolutamente escrutinados” e estão expostas no site da instituição, através dos relatórios anuais e mensais.

“Estamos certificados pela qualidade de acordo com a norma europeia 9001 de 2008 para as valências principais, nomeadamente creches, lar e atendimento social”, acrescentou.

Sobre as discrepâncias dos números divulgados pelo jornal, disse que podem estar relacionados “com a leitura das rubricas contabilísticas” que o jornalista “leu ou alguém lhe leu”.

Sobre o inquérito, José Frias Gomes disse que tomou conhecimento deste na quarta-feira, através do jornal, e que já pediu esclarecimentos junto da Procuradoria-Geral da República.

Neste momento, o que posso dizer é que os nossos advogados contactaram as instâncias judiciais a perguntar se existe alguma coisa e se existe se podemos ter acesso ao processo.”

Contactada pela Lusa, a Cáritas Portuguesa afirmou que as 20 Cáritas Diocesanas existentes no país têm “autonomia jurídica, canónica e financeira, estabelecendo as suas prioridades e agindo em função delas”.

As Caritas Diocesanas dependem dos “respetivos bispos, e inúmeros grupos locais que atuam em proximidade, nas paróquias e comunidades”, indica a instituição católica.

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