Centeno, a "vitória simbólica”: foi sorte, cálculo político ou mérito? - TVI

Centeno, a "vitória simbólica”: foi sorte, cálculo político ou mérito?

Como a imprensa internacional vê o novo presidente do Eurogrupo, ministro das Finanças de Portugal

Colar a vitória de Mário Centeno, eleito ontem presidente do Eurogrupo, à vitória “simbólica” contra a austeridade imposta por Bruxelas é uma associação feita nas páginas de alguns jornais europeus desta terça-feira. Nem todos acreditam, porém, numa “revolução de esquerda” no clube do euro. E embora se reconheça que o Portugal que bateu fundo na crise, há poucos anos, tem agora resultados económicos que fizeram ganhar "respeito" ao ministro das Finanças, há quem fale em "sorte", por um lado, e “cálculo político”, por outro, nesta escolha.

Centeno teve sorte. O pequeno milagre económico provavelmente não teria existido sem as circunstâncias externas favoráveis”

O jornal alemão Der Spiegel diz que os ataques terroristas e a insegurança política noutros países estimularam o turismo em Portugal, país que tem beneficiado, ainda, do baixo preço do petróleo e do euro fraco. Ao mesmo tempo, assume que a economia também se tornou "mais competitiva". "As empresas investem mais e as pessoas voltaram a consumir. Centeno faz disso a sua bandeira”.

Já o Financial Times é o primeiro a rotular o ministro das Finanças como um vencedor por exclusão de partes. O seu colega espanhol Luis de Guindos está de olho na presidência do BCE, o italiano Carlo Padoan tem eleições em breve, o francês Bruno Le Maire ambicionará a liderança da Comissão Europeia,  Wolfgang Schauble está de saída, numa altura em que ainda se tenta formar governo na Alemanha.

Sobraram quatro líderes de países pequenos, logo tidos como de menor relevância no tabuleiro do poderio europeu: Portugal, Luxemburgo, Letónia e Eslováquia. “Nenhum dos candidatos era considerado um líder nato, mas Centeno emergiu como o candidato do compromisso”. Daí a falar numa "revolução de esquerda" é muito, para a correspondente do FT em Bruxelas, Mehreen Khan.

Aqueles que antecipam uma revolução de esquerda no Eurogrupo devem esperar sentados”.

Até pela influência que o apoio da Alemanha na votação poderá ter sobre o presidente eleito, antecipa o FT. Já o jornal italiano Reppublica intitula sem medos: "Eurogrupo virou para a esquerda com o Centeno anti-austeridade"

O El País destaca que o ministro português faz parte da coligação de esquerdas que governa Portugal, “caso raro” na Europa, aplicando "reformas e cortes, mas defendendo um timing distinto, combinado com políticas de estímulo da procura".

O Le Monde acrescenta-lhe um adjetivo: radical (coligação socialista-esquerda radical). Mas também atenta na "gestão rigorosa" das contas públicas que fizeram a Centeno "ganhar respeito entre os pares" europeus. E se certo é que as presidências de instituições europeias costumam estar nas mãos de conservadores, o Eurogrupo agora não está.

Nova era?

O Der Spiegel vê no método do titular da pasta das Finanças uma "luz" no meio da austeridade, com a redução de impostos, a reposição de cortes salariais e pensões e o aumento do salário mínimo.

Recorda também que o próprio Schauble elogiou o seu colega português, apelidando-o de "Ronaldo das Finanças". O título do artigo deste jornal - "De banqueiro falido a chefe do Eurogrupo" - personifica em Centeno um país que esteve à beira da bancarrota e que deu a volta por cima. O que, salienta, dá "esperança" a países como a Grécia.

O diário grego Kathimerini congratula-se com a flexibilização das políticas de austeridade" levadas a cabo por Portugal e vê no novo presidente do Eurogrupo o "potencial de marcar uma nova era para a zona euro". 

O mesmo no italiano Corriere della Sera: "Uma nova era pode abrir-se agora no Eurogrupo". Este jornal lembra que o atual Governo português conseguiu alcançar o défice mais baixo dos últimos 40 anos (2%) e que o desemprego está nos 8,5%, depois do pico de 16,2% atingido na era da troika. E isto “com políticas fiscais flexíveis e sem implementar as receitas de austeridade recomendadas por Bruxelas”.

É um ponto final simbólico na narrativa da austeridade. [Centeno] tem a oportunidade de virar a página definitivamente”.

O El País escreve-o e realça os consensos que Mário Centeno diz ter como prioridade. “Esse consenso é hoje um queijo com um buraco no meio. Centeno está consciente de que o Governo alemão está em funções” e que será “fundamental conhecer o sucessor de Schauble, autêntico dominador absoluto do Eurogrupo durante quase uma década”.

O "desconhecido" que teve paciência

Num outro artigo do mesmo diário espanhol, um perfil dedicado ao novo presidente do Eurogrupo realça que Centeno conseguiu "pôr as contas nos eixos" graças também aos “superpoderes” que as cativações lhe dão (deixando de permitir despesa que estava orçamentada em alguns ministérios), sacrificando "o investimento público e aumentando a dívida", que agora está a começar a baixar. 

Diz também sobre o ministro que há dois anos "não era ninguém politicamente em Portugal", tal como o Le Monde atesta que é um "quase desconhecido em Bruxelas". Só que um revés, na vida, pode fazer toda a diferença. E com Centeno, isso aconteceu com resultados.

Figura de santo varão, popularizou-se nas televisões, explicando com infinita paciência que Portugal ia bem quando todos, aqui e acolá, diziam que ia mal”

Intitula, no mesmo sentido, a Reuters: "O Eurogrupo elegeu um presidente português que derrotou a austeridade em casa", com um "forte controlo sobre as finanças públicas, insistindo que os objetivos orçamentais da UE devem ser atendidos".

Voz grossa em Bruxelas

A sua postura calma, mas crítica, é também enfatizada no El País. “O facto de não levantar a voz não quer dizer que não dê manchetes. Centeno não se cansou de criticar duramente Bruxelas por aplicar uma receita errada durante a crise”. Contra as previsões de todos, entidades internas e instituições externas, “o tempo deu-lhe razão”. 

E tirou-a ao homem forte do Eurogrupo que está agora de saída, Jeroen Dijsselbloem. A chegada do novo colega "é o adeus" ao autor da célebre frase que era dirigida aos países do Sul, incluindo Portugal: "Não posso gastar todo o dinheiro em copos e mulheres e continuar a pedir ajuda". 

No Reino Unido e nos EUA, a mudança que se avizinha no Eurogrupo mereceu pouca atenção.

 

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