Centeno: "Banco de Portugal não deve enfrentar desafios numa torre de marfim” - TVI

Centeno: "Banco de Portugal não deve enfrentar desafios numa torre de marfim”

Ex-ministro das Finanças ouvido no Parlamento, a respeito da designação para governador da instituição. Sem falar de Carlos Costa, disse o que quer para a instituição deixando implícito o que ela não é hoje, no entendimento de Centeno

O ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, está hoje a ser ouvido no Parlamento a propósito da sua designação pelo Governo para governador do Banco de Portugal, sucedendo a Carlos Costa, que está em funções há 10 anos.

Na declaração inicial, antes das perguntas dos deputados, Centeno começou por “desenrolar” o vasto curriculum, concretamente, o internacional como presidente do Eurogrupo e não só, para depois dizer que “esta experiência é um ativo" que utilizará "para dar ao Banco de Portugal a projeção e a capacidade de influência que merece.”

"Colocar esta experiência ao serviço do meu país é um imperativo a que quero dar resposta."

O ex-governante disse ainda que o país precisa, como nunca, "de instituições fortes e renovadas e de lideranças capazes de enfrentarem estes caminhos com determinação num contexto europeu e mundial competitivo.""

"Puxando ainda dos galões" sobre o seu conhecimento do Banco de Portugal, Centeno assegurou que a instituição deve voltar a ser "uma instituição de referência em Portugal e na Europa, já que congrega muitos dos melhores técnicos formados nas melhores universidades portuguesas."

Sem nunca referir o nome do atual governador, Carlos Costa, Centeno continuou a falar daquilo que pretende para o banco central, deixando implícito no discurso aquilo que a instituição não é. "O Banco de Portugal tem de se tornar sinónimo de ação para enfrentar os inúmeros desafios do futuro próximo."

Na intervenção inicial, enumerou ainda os objetivos, que considera chave, para a instituição:

- assegurar uma supervisão prudencial e comportamental eficiente e exigente, que acompanhe a inovação tecnológica;

- participar na condução da política monetária europeia e na sua revisão estratégica;

- definir uma política macroprudencial consonante, com os complexos mecanismos de transmissão de risco no sistema financeiro e

- credibilizar o mecanismo e processo de resolução, condição para a estabilidade financeira

Segundo o homem que conduziu as Finanças do país nos últimos anos, o papel do Banco de Portugal não se pode caracterizar pelo "antagonismo e isolacionismo, mas antes pela complementaridade com o Governo e com a sociedade portuguesa."

"A independência do Banco de Portugal não se questiona ou impõe (...) conquistasse e é um dever, de quem dela beneficia, mostrar que a merece", acrescentou.

Centeno garantiu que encara o futuro cargo, "não como um voltar a casa, mas como iniciar e construir de um novo caminho."

PSD entende que Centeno "não preenche as condições para exercer com independência e credibilidade"

Pelo PSD a intervenção coube ao deputado Duarte Pacheco, para começar por dizer que o partido: "é contra a sua nomeação para o cargo de governador do Banco de Portugal. Entendemos que não preenche as condições para exercer com independência e credibilidade o cargo."

“Compete ao senhor Mário Centeno provar que não estamos certos", atirou .

Uma prova que o PSD quer ver se o ex-ministro passa durante esta audição e por isso começou por questões “de índole pessoal”: “O sr. professor, há poucas semanas, apresentou a demissão de ministro das Finanças. Até hoje não deu quaisquer explicações aos portugueses sobre as razões que levaram à sua demissão, especialmente num momento crítico para o país."

“Felizmente, não se vislumbram razões ordem pessoal ou familiar que pudessem ser invocadas”, logo o social-democrata identificou três possíveis e pediu a Centeno que dissesse qual é a verdadeira: 1º "percebeu a crise que aí vinha e (...), perante isso, desertou"; 2º "percebeu que se saísse podia ser nomeado para governador do Banco de Portugal" ; 3º "percebeu que falhada a tentativa de instrumentalizar o BdP, a partir do Ministério das Finanças, optaria pela instrumentalização diretamente a partir da administração do Banco."

Duarte Pacheco foi mais longe e falou de "conflito de interesses." E agora? Irá Centeno pedir escusa em matérias como a venda e injeção de capital no Novo Banco, o aumento de capital na CGD ou as mexidas no Montepio?

Na resposta Centeno disse que as justificações para a saída já foram dadas. 

“Recebi em 2015 um país onde dois quartos do sistema financeiro estava ou incapacitado de agir ou à beira da resolução ou sem modelo de negócio”, frisou Centeno, lembrando que "foi por isso que foi preciso fazer o que o senhor deputado listou."

Sobre a questão das escusas, o ex-ministro das Finanças disse que esse cargo foi um cargo hiper-exigente que congrega uma vastíssima quantidade de interesses e que se considerasse que ter sido ministro das Finanças era um impedimento então “não arranjava emprego em Portugal nos próximos anos”.

Nacionalização do Novo Banco teria sido pior

Já em resposta à deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, o economista voltou a dizer que quando tomou posse como ministro das Finanças, grande parte da banca estava em situação muito difícil.

Centeno reforçou ainda que a nacionalização do Novo Banco teria tido consequências posteriores "piores do que as que hoje temos."

E ainda, respondendo a Mortágua, voltou a frisar que "o  Banco de Portugal não pode viver numa torre de marfim, não é uma instituição supra-nacional (...)  e esse é o objetivo que enquanto governador, se for esse o caso, prosseguirei, tendo em mente um interesse: público. E aconselhando o Governo." 

PCP quer saber se o Banco de Portugal vai continuar a ser "sucursal do BCE"

O PCP, através do deputado Duarte Alves, questionou o ex-ministro sobre o papel futuro do Banco de Portugal concretamente se continuará a ser uma "sucursal do Banco Central Europeu."  

Duarte Alves falou de um “plano europeu de concentração bancária” com impactos negativos em Portugal com "a quase totalidade da banca privada a ser colocada nas mãos do capital estrangeiro e no capital espanhol, praticamente na sua totalidade."

“Vai exercer os seus poderes no sentido de contrariar este processo de concentração e entrega da banca nacional ao capital estrangeiro? Muito em particular sobre o Novo Banco, tem conhecimento se está a gerir os ativos de forma a otimizar a integração nunca banco espanhol?”, questionou diretamente Duarte Alves.

O deputado comunista quis ainda garantias, do possível próximo governador, de que não deixará que aconteçam outros BES em Portugal.

Cecília Meireles diz que o Banco de Portugal não é o local ideal para ir descansar

A audição voltou a "aquecer" com a intervenção da deputada do CDS-PP, Cecília Meireles.

Falando do desgaste das funções do ministro das Finanças, uma das justificações evocadas por Centeno para deixar o cargo, a deputada disse que "percebendo eu o desgaste, não acho que o Banco de Portugal  é o sítio ideal para se ir descansar o relaxar."

A deputada quis mais explicações, "concretamente quando o convite foi feito e quando sentiu o desgaste."

Na resposta, Mário Centeno usou a mesma que tinha dado a Duarte Pacheco: “não há nenhuma questão política, de falta de vontade de enfrentar dificuldades e problemas, é o fim de um ciclo.”

Carlos Costa termina hoje, formalmente, o segundo mandato como governador, mas irá manter-se em funções até à tomada de posse do sucessor.

Segundo os dados recolhido pela Lusa, Mário Centeno nasceu no Algarve em 1966 e licenciou-se em economia no ISEG, em Lisboa (onde chegou a professor catedrático). Depois de regressar de Harvard com um doutoramento, em 2000, ingressou no Banco de Portugal, no qual foi economista, diretor-adjunto do Departamento de Estudos Económicos e consultor da administração.

Entre novembro de 2015 e junho de 2020 foi ministro das Finanças dos dois Governos PS liderados por António Costa. Foi eleito presidente do Eurogrupo, o grupo de ministros das Finanças da zona euro, e levou as contas públicas portuguesas ao primeiro saldo positivo em democracia, mais concretamente desde o ano de 1973.

Contudo, o seu percurso também foi feito de polémicas (em 2017, o caso das trocas de SMS com o gestor António Domingues, da Caixa Geral de Depósitos, o que originou uma comissão parlamentar de inquérito, e mais recentemente com o primeiro-ministro sobre a injeção de capital no Novo Banco) e a sua saída foi criticada por quadrantes políticos que o acusaram de "abandonar o barco" no meio da tempestade provocada pela Covid-19.

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