Por que é que uma bitcoin vale milhares de dólares? Vale a pena investir? - TVI

Por que é que uma bitcoin vale milhares de dólares? Vale a pena investir?

  • Sofia Santana
  • 30 nov 2017, 17:01

Há oito anos anos valia menos de um cêntimo e poucos tinham conhecimento da sua existência, mas hoje atrai cada vez mais investidores. Se tivesse investido 100 dólares em 2011, hoje poderia ter 3 milhões

É a moeda do momento. Há oito anos anos valia menos de um cêntimo e poucos sabiam da sua existência, mas hoje vale milhares de dólares e atrai cada vez mais investidores. Falamos, claro, da bitcoin ou, como muitos lhe chamam, do “ouro digital”. Mas por que é que a bitcoin vale tanto? É seguro investir nesta moeda? Fomos tentar descobrir as respostas a estas questões.

A bitcoin é uma moeda digital. Não há nenhuma autoridade central que a controle ou que controle as transações feitas com ela. Assim, ao contrário das moedas físicas, como o euro ou o dólar, a bitcoin não é emitida pelo Banco Central de nenhum país. As transferências são feitas pela Internet diretamente entre os interessados, sem bancos ou similares pelo meio. As bitcoins podem ser compradas com as divisas comuns e depois podem ser convertidas em dinheiro tradicional.

Só este ano a bitcoin valorizou 1000%. E para espanto de muitos, esta quarta-feira, a moeda chegou a ultrapassar a barreira dos 11.000 dólares.

Quando a Bitcoin foi criada, em 2009, cada uma valia menos de um cêntimo."

Maria João Santos volta atrás no tempo para recordar o período em que foi editora de um site especialista em bitcoins, o 99Bitcoins. Em declarações à TVI24, Maria João não tem dúvidas de que quem investiu nesta moeda no início "é agora milionário". 

E no que diz respeito à bitcoin, esta é provavelmente a parte que causa mais estranheza: a bitcoin não se vê, não se toca, está longe de ser uma moeda que se possa usar em qualquer serviço, em qualquer parte do mundo, mas, ainda assim, tem um enorme valor. Porquê?

Num estudo feito em julho deste ano, a Proteste Investe explicou que "as pessoas compram bitcoins porque os preços estão a subir e os preços sobem porque as pessoas estão a comprar bitcoins". Trata-se de um fenómeno circular.

O economista da Proteste Investe André Gouveia, que participou na elaboração desse trabalho, esmiuçou esta mesma ideia à TVI24. O analista sublinhou que esta aceleração rápida é fruto de um "fenómeno especulativo circular". André Gouveia destacou, por exemplo, o rápido crescimento do número de contas da Coinbase, uma das plataformas onde os utilizadores podem investir em bitcoins, que só no último mês registou 780.000 novas contas

E os fenómenos especulativos podem prologar-se durante muito tempo", vincou.

As próprias caraterísticas desta moeda contribuem para a sua valorização: é descentralizada e limitada, o que torna difícil para os governos detetar o seu rasto; funciona como um investimento de alto risco; a sua circulação está também ligada à existência de uma rede social, que se mantém ativa, e que usa uma tecnologia inovadora, que é a "blockchain" (cadeia de blocos).

A blockchain é um modelo tecnológico muito interessante e vai mudar muita coisa", frisou André Gouveia.

A "blockchain" é uma tecnologia que visa a descentralização e que, no fundo, constitui uma base de registos e dados permanentes. Todas as operações, transações feitas com a bitcoin ficam registadas na "blockchain".

Estas operações são validadas e registadas na "blockchain" por uma rede de utilizadores que garantem, assim, a circulação da moeda. Conhecidos como “mineiros”, estes utilizadores possuem equipamentos eletrónicos complexos e sofisticados e recebem bitcoins como recompensa pelas suas tarefas.

 

Se tivesse investido 100 dólares em 2011, hoje poderia ter 3 milhões 

Na teoria, as contas são simples de fazer. Em 2011, a moeda valia 30 cêntimos, pelo que se tivesse investido 100 dólares em bitcoins teria conseguido comprar 333 bitcoins. Se não tivesse usado este dinheiro, na quarta-feira, quando a bitcoin valia 11.321 dólares, teria mais de três milhões de euros - qualquer coisa como 3.773.758.000 dólares (3.184.010.000 euros).

Esta dedução parte do princípio que não tinha mexido no montante inicial. Porque, na verdade, se em 2013 a moeda teve uma grande valorização, no ano seguinte conheceu uma grande "quebra" e quem tocou nas bitcoins nesta altura pode ter perdido dinheiro. 

Sim, com esta moeda tanto pode ganhar, como perder muito dinheiro.

O Banco de Portugal mantém os alertas divulgados em 2013 e 2014, chamando a atenção para os riscos da utilização das moedas virtuais. O regulador não considera estas moedas "seguras".

De resto, houve vários problemas com as bitcoins no passado, como recorda à TVI24 Maria João Santos. Algumas plataformas que permitiam às pessoas comprar e vender bitcoins faliram ou originaram várias fraudes.

Aconteceram nos primeiros anos de vida da bitcoins alguns casos de falência de de fraude. O caso da Mt. Gox é provavelmente o mais famoso."

A Mt.Gox era uma das maiores casas de câmbio de bitcoins. Sediada no Japão, e liderada pelo programador francês Mark Karpelès, era intermediária de cerca de 70% das transações feitas nesta moeda. Mas em fevereiro de 2014 desapareceram cerca de 850 mil bitcoins, que pertenciam a cerca de 100 mil clientes. Na altura, foi uma perda de quase 450 milhões de dólares (cerca de 379 milhões de euros) e a plataforma declarou falência.

Karpelès alegou que tudo se tratou de um roubo realizado por piratas informáticos que teriam entrado no sistema, mas depois anunciou que tinham sido encontradas 200.000 bitcoins num dispositivo de armazenamento do site e as suspeitas de fraude intensificaram-se. O francês foi acusado de ter transferido 3 milhões de dólares (2.5 milhões de euros) de uma conta da Mt. Gox para outra em seu nome entre setembro e dezembro de 2013. Em tribunal, em julho deste ano, Karpelès declarou que estava inocente. 

Apesar de o caso da Mt. Gox ter abalado profundamente a confiança na bitcoin e gerado a discussão sobre a melhor forma de a regular, a verdade é que a moeda recuperou e voltou a valorizar, quebrando sucessivos recordes.

O mercado das casas de câmbio está mais estável. Com o passar do tempo, só foram resistindo as mais fortes e as de confiança. Também com o aumento do valor, as pessoas foram ficando mais desconfiadas e presumo que agora joguem mais pelo seguro", explica Maria João Santos.

 

 

E agora, deve ou não investir em bitcoins? 

"Dependendo da perspetiva", começou por dizer André Gouveia. O economista da Deco explicou que, por causa do alto risco associado, não aconselha "um investimento sério" nesta moeda. 

Como investimento sério não aconselhamos", destacou. 

O analista compara a bitcoin a uma "divisa de um jogo de computador" e a uma espécie de "lotaria", sublinhando que o seu investimento deve ser encarado em quantias menores, que o utilizador tenha margem de manobra para perder.

 

O que é necessário fazer?

Para comprar e investir em bitcoins é preciso recorrer a plataformas específicas, que funcionam como bolsas ou casas de câmbio. É necessário criar uma carteira digital num destes serviços, como o Coinbase, o Bitstamp, o CEXJO, o Coinhouse ou o Kraken. A carteira é identificada através de um código composto por letras e números.

As bitcoins são compradas com a divisa tradicional. O utilizador pode usar a bitcoin para pagar determinados bens ou serviços ou pode amealhar, se a ideia é usar a moeda como investimento. Para pagar só é preciso saber o endereço da carteira do destinatário.

Para converter bitcoins em moeda tradicional o utilizador tem de fazer este pedido ao serviço onde a carteira foi criada. Os detentores de bitcoins podem solicitar a conversão das unidades para moeda tradicional e a transferência do dinheiro para as suas contas bancárias. Segundo a Proteste, os custos das operações variam consoante a plataforma. O Coinbase, por exemplo, cobra 1,49% do total da transferência e mais de 15 cêntimos por taxa.

Com a maioria das exchanges, é possível converter as bitcoins em dinheiro tradicional e depois transferir esse dinheiro diretamente para uma conta bancária ou Paypal", explica Maria João Santos.

 

É preciso pagar impostos?

Em resposta à Proteste, o Ministério das Finanças explicou que as transações com bitcoins só têm de ser declaradas se forem feitas no âmbito da atividade profissional ou empresarial. Nesses casos, é preciso declarar esses rendimentos e pagar o respetivo imposto, sendo que o contribuinte será tributado na categoria B.

De resto, a tutela esclareceu que “a venda de bitcoins não é tributável em IRS face ao ordenamento fiscal português, designadamente no âmbito da categoria E (capitais) ou G (mais-valias)”.

 

O mapa das bitcoins em Portugal

Uma pesquisa rápida através do site “Coinmap” permite perceber que em Portugal há já alguns serviços e espaços comerciais que permitem o pagamento com esta moeda. Há até uma máquina ATM, em Lisboa, que permite converter euros em bitcoins e também o inverso.

 

O lado negro do "ouro"

A bitcoin tem sido muito usada para fins ilícitos na Internet, sobretudo nas plataformas alojadas na "dark web", isto é, na parte da Internet que não está indexada pelas ferramentas de busca. O tráfico de droga e o tráfico de armas são apenas dois exemplos.

Por outro lado, esta moeda é também muito usada para fuga de capitais e lavagem de dinheiro.

A Deco considera que é urgente "controlar este tipo de movimentos" e, por isso, "Portugal deve transpor rapidamente para a legislação nacional as orientações decididas a nível europeu, e empenhar-se na sua aplicação".

A Comissão Europeia já demonstrou abertura para a regulamentação das moedas virtuais. A ideia é alargar às plataformas de alojamento de carteiras eletrónicas as obrigações que já recaem sobre as instituições financeiras tradicionais, como identificar clientes e reportar transações suspeitas. O Banco Central Europeu e a Autoridade Bancária Europeia apoiam a iniciativa.

Em maio, a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, o projeto-lei do Governo que transpõe esta diretiva para a legislação nacional. Contudo, segundo esclareceu à Proteste o Banco de Portugal, aquelas alterações não estão ainda refletidas nesta proposta de lei “ou em qualquer outro instrumento de regulação nacional”.

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