Há dedo da Goldman Sachs nas nossas privatizações? - TVI

Há dedo da Goldman Sachs nas nossas privatizações?

António Borges foi dirigente do banco em Londres até 2008 e agora dá conselhos ao Governo. «Pode haver conflito de interesses»

Relacionados
Mario Monti, Mario Draghi, Lucas Papademos. Em comum têm o facto de pertencerem à família Goldman Sachs (GS), «apenas mais um banco», mas cujos tentáculos estendem-se onde menos se imagina: da maré negra do Golfo do México à crise das dívidas soberanas na Europa e do subprime nos EUA. Mas não são os únicos. Na lista há, pelo menos, um português: António Borges, ex-FMI, atual conselheiro de Estado para as privatizações e ex-dirigente do Goldman Sachs Internacional, filial inglesa do banco norte-americano, de 2000 a 2008.

«O problema é que o senhor Borges não disse o que fez no Goldman Sachs. Pode haver um conflito de interesses. É preciso total transparência», disse o jornalista e investigador Marc Roche, autor do livro «O Banco: Como Goldman Sachs dirige o Mundo», em entrevista à Agência Financeira.

Transparência difícil de alcançar num mundo onde «os governos estão fracos e os bancos são fortes». Onde, no fundo, «os políticos estão nas mãos dos bancos». Por isso, António Borges «tem de ser claro», diz Marc Roche: «O senhor Borges tem de decidir se o Goldman Sachs tem ou não um papel nas privatizações».

O nome de António Borges surge logo na primeira página do livro: responsável por supervisionar os resgates da Grécia e da Irlanda no FMI, saiu de Washington «oficialmente por razões pessoais», «oficiosamente» por fazer parte de um banco responsável pela «maquilhagem das contas gregas em 2002-2003», acusa Marc Roche.

O investigador belga, há 20 anos a trabalhar como correspondente do «Le Monde» em Londres, acredita que o GS pode aproveitar agora para «ter uma participação» nos negócios da compra e venda de empresas nacionais. Mais um pequeno item no currículo do banco.

Mas atenção, isto não é uma teoria da conspiração: «Não acredito em teorias da conspiração. Acredito em lucros. É isso que move a Goldman Sachs», esclarece Marc Roche.

«O que a Goldman Sachs fez, e faz, não é ilegal. É anti-ético, mas não é ilegal», sublinha o jornalista, acreditando que o futuro da Grécia «não pode passar pela continuação no euro. Em Londres já está tudo pronto para pensar num euro sem a Grécia».

Um futuro que não inclui Portugal.«Os motivos da crise são os mesmos, mas Portugal é diferente da Grécia. Há menos corrupção, mais impostos e as reformas estruturais que estão a ser levadas a cabo em Portugal e na Irlanda são muito positivas. Agora, é importante não privatizar tudo», defende Marc Roche, concluindo: «Acredito que o euro vai sobreviver, com o esforço de países como Portugal e Irlanda. Aliás, esses países sairão mais fortes».

Já para o GS «tanto lhe faz: ganha com ou sem o euro». Neste banco, «só trabalham os mais inteligentes, os melhores»: o processo de recrutamento é árduo (20 ou 30 entrevistas) e a manutenção no cargo exigente. Ir de férias sem estar ligado à Internet ou ter relações extraconjugais são motivo de despedimento. «Há uma clara política de beneficiar a empresa em detrimento do indivíduo. Fazes parte de um grupo restrito. E isso torna-os cínicos, com a sensação de pertencerem a uma aristocracia arrogante». E se, cá fora, pouco se fala sobre a GS, lá dentro a informação circula livre, como escreve Roche no seu livro.

Mas «não se trata de uma máfia ou maçonaria». São uma elite que sai ilesa dos seus esquemas financeiros. «Os juízes e os tribunais não entendem a alta finança. E a GS tem os melhores advogados».

Quanto a Marc Roche, a GS prefere ignorar: «Eles ignoram-me. A minha carreira terminou, tenho 20 anos de experiência, e por isso estou livre de pressões. Eu até queria que eles me processassem, queria ir a tribunal».

Para já Marc Roche prepara outro livro sobre os mercados financeiros e faz o documentário sobre a GS, juntamente com a televisão ARTE, que deverá estar pronto em setembro.
Continue a ler esta notícia

Relacionados