E se Bruxelas chumbar o Orçamento português? - TVI

E se Bruxelas chumbar o Orçamento português?

António Costa (Lusa)

Pode fazê-lo? Pode. Há consequências? Sim. Diretas e indiretas. Seria preciso esperar até meio do ano para ver

Primeiro foi a impaciência com o atraso: a crise política em Portugal empurrou o Orçamento para mais tarde. Depois, a desconfiança. Bruxelas tem exercido pressão sobre o Governo de António Costa e assim que recebeu o esboço do documento que rege as contas públicas para 2016 não o validou. Também não o chumbou, mas a ameaça ficou no ar. E se vier mesmo a fazê-lo? Que consequências pode sofrer Portugal? E os portugueses?

Chegou a hora H e o esboço do Orçamento, com o Governo lhe chamou, entrou literalmente numa fase contrarrelógio esta semana, depois de a Comissão Europeia ter considerado, na semana passada, existirem “graves” erros de cálculo e números demasiado otimistas. Daí a necessidade de “mais medidas” para conter o défice, de forma estrutural.

O executivo comunitário terá de decidir agora se as explicações da equipa de Costa e Centeno, por um lado, e as cedências durante as “intensas” negociações de bastidores, por outro, foram suficientes para não considerar que a estratégia orçamental acarreta “incumprimentos particularmente graves” do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

 

Se houver chumbo, como é depois?

Se considerar que existe o grave risco de violar o PEC – e seria uma decisão inédita a nível europeu - o Governo receberá o documento de volta e precisará de apresentar uma proposta orçamental revista. Em três semanas, no máximo.

 

Mesmo depois da revisão, Bruxelas pode chumbar o Orçamento?

Pode. Emite um parecer negativo e convida o país a corrigir o documento.

 

Nesse caso, ficamos sem Orçamento?

Não necessariamente. O Governo tem a liberdade de apresentar a sua proposta de Orçamento à Assembleia da República que é soberana e decidirá sobre a sua viabilização. Por isso, Bruxelas não pode obrigar o Governo a apresentar um novo OE.

 

Mas se não apresentar, corta relações com Bruxelas?
 

Numa primeira fase, Bruxelas reprovaria o caminho orçamental escolhido pelo Governo (e isso já não seria inédito, já aconteceu no passado). Depois, é preciso esperar até maio para ver quais as consequências.

É que é nesse mês que as contas de 2015 ficam completamente fechadas e o país é sujeito à avaliação do Procedimento por Défices Excessivos (PDE). E sabemos já que o Banif pode ser um problema: o Governo de Passos e Portas garantiu sair daquela lista negra a nível europeu, para integrar a outra, dentro das regras, que respeita os limites exigidos: défices abaixo dos 3%.

Por outro lado, e decorrido já quase meio ano de 2016, é também nessa altura que a Comissão Europeia verifica como correram os primeiros meses de 2016. E aí pode haver lugar a novas recomendações.

 

Que novas recomendações podem ser essas?

Sempre no âmbito do Programa de Estabilidade e Crescimento, há duas possíveis: mediante os chamados braço corretivo e braço preventivo. No primeiro caso, são recomendações relativas às contas de 2015 (estão fechadas, é certo, mas mesmo assim podem sofrer consequências). 

No segundo caso, as recomendações versarão sobre o Orçamento de 2016 e os planos para o saldo estrutural, que deixa de fora as medidas extraordinárias. O saldo estrutural permite saber qual é o desequilíbrio das contas públicas sem contar com aquilo que é apenas temporário e que, por isso, pode mudar de acordo com as circunstâncias.

 

Bruxelas fica-se apenas por recomendações ou pode ir mais longe?

Esse é que é o problema. Se Portugal falhar as metas, e se falhar de modo contínuo, pode ser alvo de sanções, que a Comissão Europeia tem o poder de propor ao Conselho Europeu. A margem para aplicação das mesmas são 0,2% do PIB no caso do braço preventivo e de 0,5% do PIB no caso do braço corretivo.

 

Que consequências podem os portugueses sentir na pele?

Em primeiro lugar, a reputação do país pode ser afetada no plano externo. E, ao mesmo tempo, os mercados podem ficar nervosos, os juros da dívida aumentar, assim como o risco de incumprimento. 

Não é preciso recuar muito no tempo para que perceber o que isso significa. A ditadurados mercados, como por vezes lhe chamam, tomou proporções extremas em 2011, quando o país deixou de conseguir financiar-se e caiu nos braços da ajuda externa. Os portugueses ficaram a conhecer de perto a palavra austeridade e todas as suas implicações: desde o aumento de impostos à dificuldade de obter crédito.

 

E se estas primeiras negociações com Bruxelas até acabarem por correr bem?

O ministro das Finanças, Mário Centeno, continua a prometer alcançar uma meta do défice fora do procedimento por défices excessivos (2,4%), embora até já tenha revisto o crescimento em baixa de 2,1% para 1,9% este ano. O Governo, como previsto, aprovou a proposta de Orçamento do Estado, esta quinta-feira, em Conselho de Ministros. Resta saber agora qual a posição de Bruxelas.  

TVI sabe que 500 milhões separavam ainda o Governo português e a Comissão Europeia a meio da semana, apesar das cedências no aumento de impostos (maior do que o previsto sobre os produtos petrolíferos, subida do Imposto sobre Veículos e taxa especial sobre a banca).  As negociações ficaram fechadas esta quinta-feira. 

Ficará claro esta sexta-feira se houve aproximação de posições suficiente para chegar a bom porto. Se sim, aí a Comissão Europeia tem mais duas semanas formalizar por escrito a sua opinião, que será depois enviada para o Eurogrupo, que aprovará o projeto de orçamento nas suas linhas gerais, o que não invalida os alertas tenham acabado. 

A verdade é que o Governo de António Costa enfrenta um pau de dois bicos: além da sua estratégia económica e orçamental parecer estar a colidir com o rumo que Bruxelaspretende para o país, há o problema do Banif (e já agora do BES/Novo Banco) que vem de 2015. 

Portugal arrisca-se, por isso, a não sair do Procedimento por Défices Excessivos, onde está desde 2009. E só saindo é que o país poderá beneficiar da flexibilidade que a Comissão Europeia aprovou há um ano, no sentido de que os Estados-membros possam aumentar a despesa no curto prazo – em matéria de investimento e de reformas estruturais – desde que essas medidas tragam consigo ganhos para a economia no médio prazo.

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