O resumo de 13 horas de debate: um Orçamento de sorte ou azar? - TVI

O resumo de 13 horas de debate: um Orçamento de sorte ou azar?

Direita só antecipa o pior: o regresso da bancarrota. Esquerda vê um OE2017 melhor. Costa diz que "o diabo é só o sonho" de PSD e CDS e que já fez o que Passos não conseguiu em quatro anos. Documento foi aprovado na generalidade por quem se previa

Como é apanágio dos debates no Parlamento, também o do Orçamento ficou marcado por intensas trocas de acusações entre esquerda e direita. Falou-se de medidas para 2017, é certo, mas o sumo que se retira é mais sobre o confronto passado/presente, do que uma ponte para o futuro.

O aumento das pensões, o estado da Segurança Social, o (des)emprego e números, milhões, tabelas e quadros entraram nos discursos da maioria e da oposição. Cada um dos lados da barricada a puxar a brasa à sua sardinha.

Mais de 13 horas depois, a proposta de Orçamento para o próximo ano acabou aprovada, na generalidade. Era expectável, apesar de BE e PCP, sobretudo, quererem algumas moedas de troca no futuro, de que a renegociação da dívida é exemplo. Costa nada disse, Centeno foi mais de encontro ao que aqueles partidos pretendem.

Primeiro dia

Foi o ministro das Finanças, Mário Centeno, que defendeu o documento durante quase seis horas de discussão, sendo que habitualmente é o primeiro-ministro que o faz. O PSD logo aproveitou para atacar António Costa, acusando o chefe do Executivo de se esconder no silêncio, e o CDS fez o mesmo a seguir, com Assunção Cristas a usar a palavra “cobardia”.

Mário Centeno (Reuters)

Centeno congratulou-se com o Orçamento que considera ser "justo e equilibrado”, “que cumpre o programa do Governo e os compromissos internacionais". E deixou várias alfinetadas à oposição. Disse que o Executivo socialista se deparou com "sérios problemas" quando tomou posse, como a ameaça de sanções por causa do défice 2013/2015, a situação dos bancos em Portugal (não nomeou, mas quis aludir ao Banif, Novo Banco por vender, o dossiê da Caixa Geral de Depósitos) e usou o imaginário popular para caracterizar a atuação do anterior governo PSD/CDS-PP: "Enfiou a cabeça na areia".

O PSD insistiu que o Orçamento traz um agravamento de impostos. O líder da bancada parlamentar social-democrata, Luís Montenegro, falou mesmo em “austeridade pura” e no “colapso dos serviços públicos”.  “Ai aguenta, aguenta”, palavras que Fernando Ulrich disse em tempos da troika, voltou a ouvir-se no parlamento, numa intervenção que o deputado socialista João Galamba descreveu com uma sessão de stand-up.

Antes, já António Leitão Amaro e Duarte Pacheco tinham criticado o aumento de impostos. O primeiro apontou “quatro pecados” ao Orçamento, acusou o Governo de elaborar uma proposta orçamental eleitoralista e destacou aquilo que considerou ser o “embuste da sobretaxa”. Na resposta, Centeno lembrou que o anterior governo, em ano de eleições, propôs a devolução de 35% da sobretaxa e respondeu: “Se quiser falar de sobretaxa e de embuste olhe para o lado, mas não olhe para mim.”

Já Duarte Pacheco dirigiu-se a Mário Centeno, afirmando que o ministro podia “dizer 100 vezes que não há aumento de impostos”, mas que estes existem. Ao que o governante respondeu, inspirando-se numa frase célebre de George H. W. Bush: “ O senhor deputado Duarte Pacheco não está na sala, mas se estivesse teria oportunidade de ouvir 101 vezes que não há aumento de impostos e se conseguisse ler nos lábios seria um dois em um: ‘não há aumento de impostos’”.

Assunção Cristas (Lusa)

Do lado do CDS, ouviu-se diversas vezes que o Orçamento era “uma oportunidade perdida”. Os centristas insistiram também na questão das pensões mínimas, que ficaram de fora do aumento extraordinário de dez euros. Assunção Cristas, a única líder partidária a intervir neste primeiro dia, afirmou que o Orçamento não é mais do que uma fatura de sobrevivência do Governo: acerto de contas com a classe média".

O debate era sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2017, mas outra discussão interessava ao Bloco de Esquerda. E também ao ministro das Finanças: a renegociação da dívida. Não para já, mas ficou perante o Parlamento a promessa de Mário Centeno lutar para que os juros que Portugal paga pela sua dívida baixem

Já o PCP e os Verdes afinam pelo mesmo diapasão: reconhecem as “limitações e insuficiências” do Orçamento, mas valorizam as “medidas positivas” conseguidas.

Os trabalhos do primeiro dia foram encerrados com a intervenção do ministro da Economia. Um discurso que o CDS criticou mais pelo tom do que pelo conteúdo, o que irritou Manuel Caldeira Cabral. Acusado de “arrefecer” o debate”, o governante defendeu-se: “se for para fazer um debate aceso para falar do passado e tudo menos do Orçamento não contem comigo".

Segundo dia

Ao segundo dia, foi o ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva, que deu o pontapé de saída para se focar naquilo que é a sua tutela e uma das “bandeiras” do Governo: as políticas sociais. Falou da “degradação social” dos últimos cinco anos, provocada pela "coligação de direita" e prometeu, à cabeça, para 2017, a melhoria das condições de vida das famílias.

A atualização das pensões voltou a dominar a discussão. Perante a insistência da oposição nas críticas à exclusão das pensões mínimas, sociais e rurais do aumento extraordinário de dez euros, o ministro justificou a medida com a perda de poder de compra e as longas carreiras contributivas destes pensionistas. Assegurou que não se trata de "castigar ninguém", mas sim de "uma diferenciação que é justa para os pensionistas que mais sofreram com o congelamento das pensões".

A escolha do mês de agosto para o aumento de dez euros também mereceu a reprovação do PSD, que, pelo deputado Adão Silva, relacionou esta entrada em vigor com as autárquicas.

Vieira da Silva não deu explicações sobre a opção de calendário do Governo. Respondeu apenas ao repto do deputado para uma "reforma séria" da Segurança Social. Com um rotundo 'não'. O ministro acusou a bancada laranja de querer privatizar o sistema e esse é um caminho que o Executivo socialista recusa seguir.

Outro dos momentos deste segundo dia foi a intervenção da antiga ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque. Um discurso duro, que teve como alvo o Governo PS e os seus apoios mais à Esquerda. Maria Luís criticou as “previsões delirantes” do Governo e antecipou uma economia sem crescimento e com mais novos impostos para os próximos anos. “Bem pode o ministro das Finanças dizer que não aumenta impostos, sabemos como a história acaba”, sublinhou.

Palavras que depressa fizeram “saltar” as bancadas da esquerda. BE, PCP, PEV e PS "atacaram" o discurso da ex-ministra, recordando as escolhas feitas pelo anterior Governo.

As trocas de acusações entre esquerda e direita deixaram mesmo o hemiciclo de “cabeça perdida” num momento mais acalorado do debate, protagonizado pela deputada do PSD Berta Cabral e pelo socialista João Torres.

Nessa altura já os estômagos dos deputados deviam estar a pedir uma pausa para almoço, mas os trabalhos continuaram com a intervenção do ministro do Planeamento e Infraestruturas. Pedro Marques acusou o anterior Governo de ter deixado uma “herança pesadíssima” no sistema financeiro e apenas “powerpoints” no que toca ao programa Ferrovia 2020, sem projetos no terreno.

Congratulou-se com o Programa Nacional de Reformas, com o Programa 100, entre outros. Falou das obras em curso e daquelas que virão em 2017. Foi acusado pelo PSD de ser o “ministro da propaganda”, com “obras extraordinárias” de um só tempo verbal: “havemos”. Recusou esse rótulo, mas acabou por fazer alguns anúncios.

Jerónimo de Sousa (Lusa)

À tarde, o regresso da hora de almoço estava marcado para as 15:30, mas os trabalhos iniciaram-se 15 minutos depois, por “culpa” dos membros do Governo que chegaram atrasados ao plenário, conforme informou o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Retomados os trabalhos, o secretário-geral do PCP subiu à tribuna para avisar que o voto final do Orçamento do Estado para 2017 dependerá da avaliação "de implicações decorrentes no plano geral para a vida do país. Por agora, os comunistas dão luz verde, na generalidade, ao documento. Jerónimo de Sousa trouxe o passado à baila, para condenar a “insuportável hipocrisia” da direita.

Os Verdes fizeram notar que o OE se identifica com a reposição de direitos e rendimentos das famílias. Por isso, “merece portanto a simpatia” do partido, embora devesse ir “mais longe”.

O PAN disse ‘nim’ na votação na generalidade: absteve-se mas não vai ficar calado na discussão na especialidade, prometendo mais de 40 propostas.

Catarina Martins (Lusa)

Seguiu-se o BE, com a coordenadora Catarina Martins a orgulhar-se do "tanto caminho feito" até agora com os acordos à esquerda. Assinalou várias coisas que faltam fazer e insistiu no que os seus colegas apregoaram durante estes dois dias: a renegociação da dívida. Acusou ainda a direita de só querer que a geringonça trema, mas deixou um aviso claro: “Não contem com o Bloco para a vossa novela”. A união parlamentar, pelo menos para o BE, promete vir para ficar.

Da última vez que interveio, o CDS teve como alvos Bloco e PCP. Acusou-os de estarem constantemente a engolir sapos o que mostra como gostam do poder. Isso tem uma palavra para os centristas: oportunismo.

Pelo PS, o líder parlamentar garantiu que este Orçamento "é de mudança" e dedicou boa parte da suas palavras à oposição: “PSD e CDS procuram a espuma, não sabem nadar".

Pedro Passos Coelho (Lusa)

O líder da oposição, Passos Coelho, só se fez ouvir neste segundo dia de debate. Enumerou aqueles que considera serem os "falhanços" deste Governo. Insinuou que o défice só ficará abaixo de 3% por causa de manobras de Costa e Centeno no que toca às cativações de despesa. E, sem surpresas, anunciou o voto contra do PSD.

António Costa (Lusa)

E, por fim, António Costa. Deixou o silêncio para se fazer ouvir durante mais de 20 minutos. Enumerou uma série de medidas já aplicadas e outras que virão em 2017, sempre focado na reposição de rendimentos e na constitucionalidade deste Orçamento, ao contrário de outros no passado recente. Disse ter ouvido Passos Coelho com atenção e a ele dirigiu-se com profunda ironia: "O diabo é só sonho da direita". Foi mais longe: “Conseguimos o que vocês falharam”.

Acabou por não responder ao desafio lançado por Passos Coelho sobre se vai renegociar os juros da dívida como exigem Bloco e PCP.

Isso, serão, certamente, cenas para os próximos episódios da vida política nacional. E este, do Orçamento, não acaba aqui: ainda há mais de duas semanas de discussão na especialidade, que culmina com a votação final global. O processo é longo e só termina a 29 de novembro.

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