Orçamento do Estado não deve "aprofundar discriminações contra as mulheres" - TVI

Orçamento do Estado não deve "aprofundar discriminações contra as mulheres"

Trabalho

Governo inscreveu na proposta reforço de medidas na área da igualdade de género, mas associações alertam que ainda falta fazer muito: "Não é admissível que os recursos comuns sejam atribuídos beneficiando os homens e discriminando as mulheres"

O Governo estabeleceu as respostas às desigualdades de género na sociedade portuguesa como "prioritárias" na proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).

Assumem-se como prioritárias as respostas aos impactos da pandemia que tiveram efeitos específicos sobre as desigualdades estruturais entre mulheres e homens na sociedade portuguesa, impulsionadas pelo PRR e pelo Acordo de Parceria (Portugal 2030)", pode ler-se na proposta entregue na segunda-feira, no Parlamento.

Contudo, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PPDM), que conta atualmente com 29 organizações-membros, considera que as medidas propostas são insuficientes.

Em entrevista à TVI24, a maior organização da sociedade civil portuguesa na área dos direitos humanos das mulheres e das raparigas refere que, embora o OE2022 possa contribuir para alguma redução da maior pobreza material e económica enfrentada pelas mulheres, "ainda não é suficiente para eliminar todas as desigualdades e discriminações entre mulheres e homens".

Como se traduzem as medidas propostas, em termos práticos?

A porta-voz da PPDM, Ana Sofia Fernandes, indica que as medidas "poderão traduzir-se nalguma melhoria das condições de vida das famílias, mas ficam aquém da necessária transformação das vidas das mulheres e raparigas".

A par disso, a Plataforma aponta que "a persistente desigualdade de recursos (económicos, de tempo, de poder) carece de um investimento público elevado".

Tomando por referência os indicadores apresentados para o OE2022, a PPDM aponta uma desigualdade dos rendimentos nos ganhos (de 17,1%) e nas pensões (28,4%), entre homens e mulheres, e no nível de rendimento (69% das pensionistas com pensões até 438,81€ são mulheres).

A PPDM realça ainda que, na proposta de lei do OE2022, há referências explícitas a determinadas Estratégias Nacionais, como, por exemplo, a ENIPSSA ou o Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, mas não há "uma única menção à Estratégia Nacional para a Igualdade e Não-Discriminação e respetivos planos".

Tal é incompreensível num ano marcado pelas consequências da pandemia da covid-19 que, como sabemos, foram mais gravosas para as mulheres e raparigas. Esperar-se-ia que a dimensão da economia do cuidado fosse evidente neste OE", salienta a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.

O que falta fazer? 

Apesar do Banco Mundial ter colocado Portugal entre os dez melhores países em inclusão económica das mulheres, os mais recentes dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIP) revelam que as mulheres portuguesas trabalharam mais a tempo parcial do que os homens (10,1% vs 4,9%), são a esmagadora maioria das pessoas que deixam de procurar ativamente trabalho para assegurarem as tarefas domésticas e de cuidado à família (23,7% vs 3,8%), têm uma taxa de emprego inferior à dos homens (71,6% vs 77,8%) e, em geral, ganham menos 10,6% que os homens.

Para a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, ainda há muito a fazer no que diz respeito à integral aplicação da orçamentação sensível ao género (gender budgeting) a todas as áreas do OE.

Não é admissível que os recursos comuns sejam atribuídos beneficiando os homens e discriminando as mulheres. O OE tem que ser um instrumento de realização da igualdade entre mulheres e homens, e não de perpetuação e aprofundamento das discriminações contra as mulheres", defende Ana Sofia Fernandes.

A PPDM aponta também que a fiscalidade tem que ser objeto de reforma, de modo a não continuar a constituir outro instrumento de discriminação e mesmo menorização das mulheres.

O que diz, afinal, o Orçamento?

De acordo com a proposta apresentada pelo Governo, o OE2022 prevê uma coordenação da implementação da perspetiva de género integrada nas várias componentes do PRR e pelo Acordo de Parceria (Portugal 2030), através de:

  • Reforço das medidas de proteção e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica
  • Promoção da participação equilibrada no mercado de trabalho, reforçando as condições de conciliação da vida profissional, pessoal e familiar e a divisão igual do trabalho de cuidado e doméstico
  • Participação das mulheres e raparigas no setor digital e nas iniciativas de aquisição de competências digitais
  • Apoio às mulheres na procura e criação de emprego e no acesso à formação profissional
  • Combate à disparidade de rendimentos e à sub-representação das mulheres na tomada de decisão
  • Implementação do Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação 2021-2025

O que propõem as associações

A Plataforma salienta que há áreas específicas que correspondem a práticas nocivas que a sociedade no seu conjunto reproduz e/ou a problemas que enfrenta, que têm que ser muito reforçadas as verbas que lhes estão destinadas, como:

  • O financiamento à atividade regular das associações de mulheres que com a sua ação suprimem as carências da intervenção do Estado no cumprimento das suas responsabilidades relativas à eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e à realização da igualdade
  • Combate a todas as formas de violência masculina - com medidas que permitam uma intervenção efetiva no apoio às vítimas (apoio médico sempre que necessário, apoio para novo projeto de vida, apoio judicial, etc.);
  • Programa nacional de apoio às mulheres que querem sair do sistema de prostituição – note-se aliás que no OE 2021 contempla o Artigo 203º Projeto-piloto de diagnóstico, apoio e acompanhamento a pessoas em situação de prostituição, que não tinha associado qualquer orçamento. Para nosso espanto, não verificamos qualquer referência nem em articulado em OE e, por consequência, em termos orçamentais;
  • Financiamento reforçado para todas as necessidades do SNS em matéria de saúde sexual e reprodutiva das mulheres e jovens;
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