Núncio não convence esquerda sobre "conversas" com Gaspar e Maria Luís - TVI

Núncio não convence esquerda sobre "conversas" com Gaspar e Maria Luís

Ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais assume sozinho a responsabilidade pela não publicação de transferências para offshore. Admite que falou com os ex-ministros das Finanças apenas sobre "questões em geral do combate à evasão fiscal"

Paulo Núncio só foi taxativo no final da primeira ronda de perguntas dos deputados, já a audição decorria há duas horas e meia, sobre se os ex-ministros das Finanças sabiam da sua decisão de não divulgar estatísticas sobre as transferências para offshore. O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais excluiu Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque de qualquer responsabilidade na polémica que estalou só agora, com outro Governo em funções.

Nunca discuti a questão da não divulgação de estatísticas com Vítor Gaspar e com Maria Luís Albuquerque. A responsabilidade é só minha.”

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no anterior governo PSD/CDS-PP assume sozinho a "responsabilidade política". Fê-lo no fim de semana e reiterou-o hoje, no Parlamento, argumentando que, pelas "dúvidas" que teve, optou por não publicitar as ditas estatísticas.

A esquerda logo tentou perceber se tomou a decisão de forma isolada, se algum membro do Governo e/ou da Autoridade Tributária sabiam. Começou por dizer que não partilhou a decisão "com mais nenhum membro do Governo". "A decisão foi só minha, a responsabilidade só a mim pode ser assacada"

Porém, mais à frente, admitiu que  "tenha tido conversas" com os ministros das Finanças "sobre as questões em geral do combate à evasão fiscal", mas chegou a enfatizar que a questão das transferências para offshore era por si acompanhada, "em particular", dentro do executivo.

O Bloco de Esquerda não foi na conversa, sugerindo sugere que como governante teve "dúvidas", era expectável que tivesse falado com os ministros. Nesse momento, disse não se lembrar "desta matéria em particular".

"O Governo estava a par?", pergunta BE. A resposta não foi direta: "Eu estava a par". Mariana Mortágua tirou as suas ilações:

"É clarrísimo que não houve publicação de estatísticas porque o Governo não quis que houvesse. É inegável. E as primeiras declarações que deu sobre este assunto são falsas [sobre a AT ter independência para publicar as estatísticas]. Escolheu uma explicação consciente sobre a verdade deste caso".

Também pelo PS, João Galamba pegou nisso depois. "O conhecimento dos gabinetes de Gaspar e Maria Luís [por via dos despachos] mostra que esses ministros tinham conhecimento" da situação.

Foi já só em resposta à deputada do seu partido, Cecília Meirelas, que Paulo Núncio foi assertivo, ao dizer que "nunca" discutiu com os ex-ministros que o tutelavam sobre a não publicação das estatísticas.

"Se Governo não respondeu, agiu mal"

Ainda pelo PS, e depois de ter acusado o ex-governante de "ocultação deliberada", Eurico Brilhante Dias concluiu que há uma semana com este caso na praça pública, Paulo Núncio já deu três versões do que aconteceu: "Primeiro era a Autoridade Tributária, depois a responsabilidade era sua, agora diz que a ocultação foi deliberada".

"Nestes 10.000 milhões de euros não sabemos se houve evasão fiscal. Mas sabemos que esta publicitação nos dá o alerta para irmos ver quem fugiu", lembrou.

A moeda de troca de Paulo Núncio foi acusar o atual executivo de ter retirado três paraísos fiscais da lista, ficando assim fora do radar do Fisco, logo, de eventuais alertas de fuga.

Já o PCP também acusou o anterior Governo de ter "ocultado deliberadamente" as informação, até porque este partido foi insistindo, nos anos em que o PSD/CDS lideraram o Governo, em perguntas sobre os montantes transferidos para offshore que ficaram sem resposta.

Aí, Paulo Núncio deu "razão" a Paulo Sá, que o vincou. "Se o Governo não respondeu, agiu mal e devia ter respondido". Mas também disse que aconteceu com o anterior Governo, em relação a vários partidos, como acontece com o atual.

O comunista Miguel Tiago realçou que "o PCP não pode dizer que os impostos não foram liquidados", mas que Núncio "também não pode dizer que foram. "Essa dúvida é inaceitável". Tanto mais o que aconteceu com o BES. "Tendo em conta que há um banco que colapsa não achou relevante dar a conhecer essas transações?", perguntou.

Por outro lado, tanto o PS, primeiro, como o BE, depois, associaram a decisão de não publicar os dados ao RERT III, regime que permite regularizar património localizado fora de Portugal, nomeadamente vindo de paraísos fiscais. Um regime que foi aprovado em 2012. "É um bocadinho estranho quem está tão empenhado no combate à evasão fiscal ver a forma como o RERT foi aprovado e a amnistia fiscal foi aprovada".

Ironia de Mariana Mortáguam seguida de outra, na terceira ronda: "O senhor pode vir apresentar as medidas que quiser. Mas há 10.000 milhões que não foram verificados. E ainda não conseguiu explicar porque não deu pela falta dos 10.000 milhões. Era sua responsabilidade conhecer os dados".

Direita tenta separar as águas

À direita, o CDS, partido de Paulo Núncio, constatou que a "ironia é que o grande facto que PS e BE trazem tem a ver com divulgação de estatísticas". "Depois de uma semana e que ouvimos repetidas vezes que 10 mil milhões tinham voado, tinham fugido... Depois disto tudo todas as perguntas feitas são só sobre a divulgação de estatísticas".

Ora, Paulo Núncio frisou, por diversas vezes, ao longo da audição, que “não há relação absolutamente nenhuma” entre a não publicação de estatísticas e os 10 mil milhões sem controlo. "Nunca dei nenhuma instrução relacionada com combate à fraude nem sobre esta questão em concreto", das 20 declarações que ficaram por investigar e dos 10.000 milhões não controlados, afiançou.

Do sumo das declarações do ex-governante, o deputado social-democrata Duarte Pacheco destacou que "não houve nenhuma orientação política para a Autoridade Tributária alterar procedimentos ou controlo e para que uma ou 20 declarações ficassem por analisar"

Vincou que o PSD "não tem dúvidas" sobre a relevância e a necessidade de as transferências para offshore serem públicas e por várias vezes, à semelhança do seu líder Passos Coelho, reiterou que o PSD quer que a verdade seja descoberta.

Com uma capa de jornal em punho, de 3 de março de 2012, cuja manchete diz "Fisco caça contas escondidas em offshore", o antigo secretário de Estado quis mostrar uma prova de que "a administração fiscal estava atuante e tinha capacidade para liquidar impostos". Quanto aos anos em causa - 2011 a 2014 - também fez questão de lembrar que a Autoridade Tributária ainda tem até 2024 para cobrar eventuais impostos devidos, o que decorre da legislação que ele próprio ajudou a concretizar quando estava no governo PSD/CDS.

Veja aqui:

Tudo sobre a audição de Paulo Núncio

Continue a ler esta notícia