Papéis do Panamá: Júdice teve papel central nas offshores de João Rendeiro  - TVI

Papéis do Panamá: Júdice teve papel central nas offshores de João Rendeiro 

  • Redação
  • Miguel Prado (Expresso) e Micael Pereira (Expresso) - Consórcio Internacional de Jornalistas de Informação
  • 19 abr 2016, 19:08

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados, que na última edição do Expresso falou de offshores e prostituição, desconhece ter tido poderes para representar as empresas de Rendeiro. Mas teve

José Miguel Júdice garantiu na última edição do Expresso "nunca ter constituído um offshore", mas o conhecido advogado assumiu um papel central em duas sociedades desse tipo que são controladas por João Rendeiro nos Estados Unidos da América, a Penn Plaza Management LLC e a Corbes Group LLC, como prova um documento a que o Expresso teve acesso.  

Uma carta de João Rendeiro para a PLMJ, endereçada a José Miguel Júdice, com data de 1 de janeiro de 2009, atesta que o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) assumiu "de forma irrevogável e sem reservas a obrigação de pagamento e/ou de reembolso por si, ou através de qualquer entidade ou sociedade da qual seja beneficiário efetivo, de quaisquer quantias que venham a ser exigidas, seja a que título for, ao Dr. José Miguel Alarcão Júdice, enquanto representante legal das sociedades Corbes Group LLC e Penn Plaza Management LLC".  

 

 

A carta de João Rendeiro a Júdice explicita que "são incluídas no âmbito da obrigação de ressarcimento ou de reembolso todas as despesas incorridas ou que o Dr. José Miguel Alarcão Júdice se veja obrigado a incorrer com vista à defesa dos seus interesses, designadamente honorários de advogados, peritos, custas judiciais, multas, taxas ou outros encargos, assim como com todo o tipo de custos associados à emissão e manutenção de eventuais garantias bancárias necessárias à sua defesa".  
Os documentos dos Panama Papers, a que o Expresso e a TVI tiveram acesso como parceiros do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ na sigla em inglês), já revelavam que em 2007 o nome de Júdice constava da base de dados da Mossack Fonseca enquanto responsável com procuração para representar a Penn Plaza, juntamente com vários administradores do BPP (o nome de Rendeiro não surgia nesses documentos). 

A Penn Plaza é uma offshore criada originalmente nas Ilhas Virgens Britânicas em 1997 pela Gestar, do Grupo Espírito Santo (GES), e que em dezembro de 2003 foi transferida para o Nevada (nos Estados Unidos da América). Pelo meio, em 1998, a Penn Plaza adquiriu o lote 80 da Quinta Patiño, em Cascais, um terreno de meio hectare onde há vários anos João Rendeiro tem o jardim da sua casa. A moradia do ex-banqueiro ocupa o lote 81 da mesma Quinta Patiño, o qual é propriedade de uma outra offshore, a Corbes Group LLC (com sede no paraíso fiscal de Delaware, também nos EUA). Ambos os imóveis foram arrestados pela Justiça, que atribui a Rendeiro o controlo efetivo da Penn Plaza e a da Corbes Group.  

Mas a versão que José Miguel Júdice conta nesta história é diferente. Instado pelo Expresso a confirmar a sua habilitação como representante legal da Penn Plaza e da Corbes Group, o antigo bastonário da Ordem dos Advogados diz desconhecer ambas as companhias offshore. "Que me lembre, e tenho boa memória, nunca soube que me tenham sido conferidos tais poderes, nunca os exerci e evidentemente não os exercerei", respondeu Júdice por escrito. "Não conheço a procuração, que nunca vi, mas a lei portuguesa é clara, as procurações são concedidas a advogados e não a sociedades de advogados", acrescentou José Miguel Júdice.  

O advogado frisa não ter nada a ver com empresas offshore. "Nunca estive envolvido na criação ou representação de quaisquer empresas offshore ao longo de mais de 40 anos de vida profissional, ainda que isso não seja ilegal. Nem estive envolvido neste caso. Mas o que retiro da leitura do Expresso é que a sociedade adquirida tinha sede nos EUA", aponta Júdice.  

Mesmo confrontado com a existência de documentos que o citam como representante legal da Penn Plaza e da Corbes, o advogado manteve as declarações feitas sobre esta matéria. A verdade é que José Miguel Júdice trabalha há largos anos com João Rendeiro e tem participado na sua defesa legal, quer de forma direta, quer delegando esse papel noutros colegas seus, como João Medeiros, especialista em direito penal e sócio da PLMJ, o maior escritório de advogados do país, de que Júdice é um dos fundadores.  

Na última edição semanal do Expresso, publicada no sábado, 9 de abril, José Miguel Júdice afirmou que a criação de offshores não é uma área de negócio do seu escritório. E desvalorizou o tema dos paraísos fiscais. "Querer acabar com os offshores é como querer acabar com a prostituição", comentou. "Muitas vezes os offshores têm uma lógica que não tem nada de ilícito, da mesma forma que pode haver prostituição por amor", disse ainda o advogado. 

Sobre esta matéria, Júdice também referiu não ter nada contra a revisão da moldura penal para a evasão fiscal. "Se quem sofre com os que não pagam impostos são os que pagam, como eu, o melhor é rever-se a moldura penal para os crimes financeiros e aplicar-lhes a pena máxima, 25 anos", apontou o sócio da PLMJ.  

Contactado pelo Expresso, João Rendeiro não quis confirmar se continua a ter José Miguel Júdice como seu advogado (ainda no final de 2015 João Medeiros, do escritório de Júdice, representava o ex-banqueiro).

"Tudo será tratado no lugar próprio, o tribunal", foi a resposta de João Rendeiro numa curta mensagem escrita.  

O fundador do BPP é acusado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais, num processo que investigou a retenção de prémios e outros benefícios pessoais por parte de antigos administradores do BPP, usando diversas sociedades offshore e evitando assim a tributação desses rendimentos.

 

 

 

 

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