Papéis do Panamá: o segredo do Lote 80 - TVI

Papéis do Panamá: o segredo do Lote 80

  • Paula Gonçalves Martins
  • Rolando Santos
  • Micael Pereira (Expresso), Raquel Albuquerque (Expresso) - Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação e Miguel Prado (Expresso) e Miguel Freitas (TVI)*
  • 15 abr 2016, 20:05

A história de como Ricardo Salgado e João Rendeiro se cruzam num obscuro veículo que detém um terreno na Quinta Patiño.

O dia 25 de Abril de 1997 é o ponto de partida. Enquanto em Lisboa é inaugurado uma vistosa escultura de João Cutileiro no cimo do Parque Eduardo VII, nas Ilhas Virgens Britânicas é criada uma nova offshore pela mão do Grupo Espírito Santo (GES) .

A Penn Plaza Management Inc nasce com um capital de 50 mil dólares, através da Gestar SA, a empresa do GES com sede em Lausanne, Suíça, para criar e gerir estruturas empresariais offshore que, durante anos, protegeram o património dos seus clientes de olhares indiscretos. 

No ano seguinte, a Penn Plaza começa a ser objeto de movimentações relevantes. Em dezembro de 1998, é passada uma procuração a um administrador do BES para contratar empréstimos e abrir contas bancárias em nome daquela empresa das Ilhas Virgens. É através desse representante que a Penn Plaza, a 4 de dezembro, firma um contrato-promessa para comprar o lote 80 da Quinta Patiño, em Cascais. Um dos mais luxuosos condomínios privados do país em breve teria um novo inquilino.

A procuração é reconhecida pelas autoridades do Panamá, a partir de onde a firma Mossack Fonseca geria a burocracia da Penn Plaza. O Consulado de Portugal no Panamá certifica também essa procuração.

O lote 80 da Quinta Patiño era um de muitos terrenos que albergaram e continuam a acolher as moradias de algumas das figuras mais ricas do país. Nos 50 hectares do empreendimento, que foi adquirido pelo GES no início dos anos 1980, vivem empresários, gestores, advogados e futebolistas. Este ano, a Sotheby's vendeu a um investidor suíço a mansão da viúva do fundador do empreendimento, Antenor Patiño, por 12 milhões de euros.

Para lá dos portões da Quinta Patiño, fica a privacidade de quem lá vive. O mundo das sociedades offshore ajuda a proteger esse património. Agora, os Papéis do Panamá, a maior fuga de informação de sempre, ajudam a levantar o véu sobre um dos mais mediáticos inquilinos do empreendimento. João Rendeiro tem a sua casa no lote 81 e o jardim no lote 80.

Os documentos a que o Expresso e a TVI tiveram acesso no âmbito do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), a partir dos dados cedidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, indiciam que pelo menos no lote 80 houve um envolvimento direto de Ricardo Salgado. Questionado sobre que relação teve com o GES, João Rendeiro respondeu simplesmente: “nenhuma”.

Mas ela existiu, de forma indireta, através da offshore Penn Plaza Management. 


Ricardo Salgado envolvido 


A Penn Plaza Management Inc operava com contas em vários bancos do GES. Os documentos que a Mossack Fonseca guardou e que agora surgem nos Papéis do Panamá não revelam tudo sobre esta offshore, mas citam uma auditoria da empresa PwC que indica que, no final de 2000, a Penn Plaza tinha no seu balanço um passivo de quase 2,5 milhões de dólares para com o BES International. No ativo da Penn Plaza estavam contabilizados 5,4 milhões de dólares. E havia garantias superiores a 2 milhões de dólares constituídas a favor da Compagnie Bancaire Espírito Santo.

Uma carta, a 23 de julho de 2002, atesta o envolvimento direto de Ricardo Salgado na offshore. Nessa missiva, a Penn Plaza pede ao BES das Ilhas Caimão o “bloqueio dos montantes e valores existentes na conta em favor da Compagnie Bancaire Espírito Santo SA, Lausanne, para cobrir as garantias que o Senhor Ricardo Espírito Santo Silva Salgado tomou ou poderia tomar no futuro para com o referido banco, até ao montante de 750 mil CHF [francos suíços] ”, o equivalente a quase 690 mil euros ao câmbio atual.  

No ano seguinte, há um novo desenvolvimento na offshore que ficou com o lote 80 da Quinta Patiño. A 16 de dezembro de 2003, a Penn Plaza Management INC é transferida das Ilhas Virgens Britânicas para o Estado norte-americano do Nevada. Fica instalada num endereço em Las Vegas e passa a designar-se Penn Plaza Management LLC. Esta migração ocorre em simultâneo com a de outras empresas criadas através da Gestar. 

Os documentos do Panamá são pouco esclarecedores sobre o que sucede em 2004. Mas a Penn Plaza, antes domiciliada nas Ilhas Virgens e agora no Nevada, ganha, em 2005, novos donos. A 6 de julho de 2005, é emitida uma procuração que confere os poderes de movimentação das contas bancárias da Penn Plaza ao... Banco Privado Português (BPP). Ficam autorizados a mexer nesta offshore os administradores Salvador Fezas Vital, António Guichard Alves e Fernando Lopes Lima, bem como Rui Domingues (diretor de operações do BPP) e a advogada Rita Alarcão Júdice (que, em 2013, se tornaria sócia do escritório PLMJ).

 

 

A procuração não refere o nome de João Rendeiro, à época ainda presidente do conselho de administração do BPP. Neste momento a procuração para a Penn Plaza Management LLC abrangia contas bancárias no BBVA, BPP, BCP e BES.

Entretanto, no lote 80 da Quinta Patiño, João Rendeiro preparava uma requalificação do jardim adjacente à sua casa (instalada no lote 81). De maio de 2005 a julho de 2006, o gabinete de arquitetura paisagista ACB concebe e executa um projeto para dar nova cara ao meio hectare de terreno, que anos antes tinha sido comprado pela offshore do Grupo Espírito Santo e que agora estava nas mãos do BPP... ou de Rendeiro? João Rendeiro não quis explicar quem é afinal o dono do lote 80.

“Em relação à Penn Plaza, é matéria que será apreciada em tribunal, por isso nada posso esclarecer neste momento”, afirma o ex-presidente do BPP.  

Mas o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) tem uma ideia mais concreta sobre essa matéria. Um despacho do passado mês de janeiro que acusa João Rendeiro e outros três administradores de branqueamento de capitais e fraude fiscal, por alegadamente terem desviado quase 30 milhões de euros do BPP em prémios e outros benefícios para si, usando veículos offshore, atribuiu a Rendeiro a propriedade da Penn Plaza. Os investigadores do Ministério Público concluíram que João Rendeiro controla a casa em que vive a partir de uma offshore.

"A Corbes é uma sociedade sedeada no Delaware, nos Estados Unidos da América, da qual o arguido João Oliveira Rendeiro e mulher são os beneficiários efetivos, tendo o arguido utilizado esta sociedade para adquirir a casa onde vive, na Quinta Patino, lote 81, em Cascais, bem como o seu recheio, apresentando-se como mero arrendatário", lê-se no despacho de acusação.

Segundo o DCIAP, entre os fluxos financeiros identificados, a 30 de março de 2009, há uma transferência de 52 mil euros de uma conta no BCP para a Corbes e, na mesma data, transferiu 12 mil euros também do BCP para uma conta da Penn Plaza no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça.

Esta Penn Plaza, diz ainda o despacho de acusação, é uma sociedade "da qual o arguido João Oliveira Rendeiro é o beneficiário efetivo, tendo o arguido utilizado esta sociedade para adquirir o lote 80 da Quinta Patino, em Cascais".  

Em maio de 2015, a casa de João Rendeiro, no lote 81, e o jardim de meio hectare que ocupa o lote 80, foram arrestados pela Justiça, no âmbito do processo relacionado com o veículo Privado Financeiras (criado pelo BPP). Sobre o espelho de água que há 10 anos Rendeiro mandou fazer na propriedade da Penn Plaza pende agora alguma nebulosidade. Quem serão os próximos donos disto tudo?

Continue a ler esta notícia