Como as sociedades de advogados têm navegado o grande canal do Panamá - TVI

Como as sociedades de advogados têm navegado o grande canal do Panamá

  • Redação
  • Com Miguel Prado (Expresso); Raquel Albuquerque (Expresso); Micael Pereira (Expresso); Paula Gonçalves Martins (TVI); Patrícia Reis (TVI) e Consórcio Internacional de Jornalistas 
de Investigação (ICIJ)
  • 30 abr 2016, 00:00
Mossack Fonseca (Reuters)

Ao longo de décadas, grandes e pequenos escritórios nacionais trabalharam com a Mossack Fonseca. Quem são e o que fizeram com offshores os advogados portugueses?

O advogado Carlos Menezes Falcão foi, na década de 90, um dos homens que ajudaram o banco espanhol Banesto a comprar o Totta & Açores. Menezes Falcão foi uma peça-chave na incursão em Portugal da instituição financeira espanhola, liderada por Mário Conde, detido há semanas em Madrid por suspeita de branqueamento de capitais. Hoje o advogado português garante não ter sociedades instrumentais. Mas durante anos foi acionista de uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, a “Inversora”, criada pela Mossack Fonseca (MF). 

“A sociedade Inversora teve exclusiva intervenção num projecto imobiliário em Luanda, em conjunto com um grupo norte-americano especialista em desenvolvimento imobiliário”, explica Carlos Menezes Falcão. E diz que “a participação dos acionistas portugueses foi comprada em 1999 e vendida em 2004 e os respetivos ganhos foram declarados às Finanças em Portugal”. 

À semelhança da offshore de Menezes Falcão, muitas companhias a que surgem ligados advogados portugueses no dossiê “Papéis do Panamá” serviram para realizar transações imobiliárias. 

Francisco Cruz Martins é outro nome na extensa documentação do ICIJ - Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (facultada pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” a partir de uma fuga de informação). Os ficheiros a que o Expresso e a TVI tiveram acesso mostram que este advogado criou em 1994 a Noverton Limited, em Gibraltar, transferindo-a em 2002 para as Ilhas Virgens. O veículo terá servido para vender em 2005 um terreno em Benavente, numa operação financiada em €10 milhões pelo BPN, segundo escreveu em 2014 o “Correio da Manhã”.

Francisco Cruz Martins, brutalmente agredido em 2014 por represálias ligadas ao negócio de Benavente, foi administrador não executivo do Banif entre 1994 e 2000, e também foi acusado pelo Estado angolano de desviar dinheiro adiantado para comprar ações do Banif. Cruz Martins não nega o envolvimento em offshores.

“Quando estive no estrangeiro tive várias. Era por causa dos negócios lá fora. Se fosse contribuinte em Portugal tinha de declarar em Portugal. Estando lá fora não tinha. Não é nada do outro mundo. Tudo normal”, afirma o advogado

Mas a maior parte dos nomes da advocacia portuguesa nos “Panama Papers” têm com as offshores outro tipo de envolvimento, quase sempre assente na prestação de apoio jurídico à aquisição de empresas em jurisdições fiscalmente vantajosas. A SRS, liderada por Pedro Rebelo de Sousa (irmão do Presidente da República), assume essa atividade. “Temos alguns clientes internacionais baseados em alguns destes territórios. Mas no Panamá não”, adiantou fonte oficial da SRS. 

O escritório de Rebelo de Sousa no Porto foi interpelado em novembro de 2008 pela Caradoc LLC, de Las Vegas, que pretendia contratar serviços jurídicos para regularizar com o fisco português uma operação de compra e venda de um imóvel em Oeiras. A SRS, na sua anterior designação (Simmons & Simmons Rebelo de Sousa), é também citada nos registos da Multiarea Consultancy Limited, das Bahamas, que teve como diretores Luís Caprichoso (antigo administrador do BPN) e Henrique Monteiro de Barros (ex-quadro do BCP, do BPN, e da Simmons & Simmons). 

José Miguel Júdice, sócio da PLMJ, também surge nos “Papéis do Panamá”, com uma procuração para representar a Penn Plaza, offshore de João Rendeiro que detém um lote de terreno da Quinta Patiño, em Cascais. A PLMJ, uma das maiores firmas jurídicas do país, também é citada numa procuração de 2005 para representar a Almaha Inc, do Panamá, numa transação de ações da empresa Soltróia.

A Abreu, outro dos grandes escritórios nacionais, figura nos registos da MF, num documento em que é associada à empresa madeirense Dixcart, e em que são citados dois advogados como pontos de contacto: Eduardo Peixoto Gomes e André Gouveia e Silva.

O advogado José António Silva e Sousa, por seu turno, assessorou a compra das offshores Nielsen Construction e Sotheby's International Real Estate, ambas no Panamá. “Porque os negócios previstos se goraram, ambas as sociedades nunca declararam início de atividade”, explicou Silva e Sousa, notando que as quotas de manutenção deixaram de ser pagas em 2014.

O escritório Caetano de Freitas & Associados esteve também envolvido em processos de criação de offshores. Uma está ainda ativa. É a Eastern Chaser Limited, de Hong Kong, criada por uma empresa de matérias-primas para suplementos alimentares. “A nossa intervenção ficou limitada ao envio de documentos de identificação”, esclarece Miguel Caetano de Freitas. 

Outras firmas também tiveram relações com a MF, que entretanto se extinguiram. É o caso da Ana Bruno & Associados, que em 2014 foi alvo de buscas, após em 2012 ter ficado associada ao caso Monte Branco, pelas suas ligações à gestora de fortunas Akoya. 

Há mais de duas dezenas de advogados e escritórios portugueses já identificados pelo Expresso e pela TVI nos “Papéis do Panamá”, mas em muitos casos trata-se apenas de contactos exploratórios com a Mossack Fonseca que não se materializaram na criação de offshores.

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