Novo Banco: auditoria publicada no site da AR sem informação confidencial - TVI

Novo Banco: auditoria publicada no site da AR sem informação confidencial

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  • BC - atualizada às 15:52
  • 8 set 2020, 12:29
Novo Banco - Banca - Bancários (arquivo)

Documento já pode ser consultado. Segundo a auditoria, quase 50% das perdas do Novo Banco com créditos foram registadas no último trimestre de 2017 e em 2018, já com o banco detido maioritariamente pela Lone Star

O relatório da auditoria da Deloitte ao BES/Novo Banco está desde hoje disponível no ‘site’ da Assembleia da República, um documento expurgado das matérias consideradas confidenciais.

O relatório está disponível na parte do ‘site’ referente à Comissão de Orçamento e Finanças, confirmou a agência Lusa.

O relatório hoje divulgado, com 370 páginas, é o enviado pelo Novo Banco ao parlamento, e contém dezenas de páginas com informação truncada, de matérias consideradas sensíveis, como o nome de devedores cujos créditos constituem perdas significativas.

A auditoria da Deloitte aos atos de gestão do BES/Novo Banco é referente ao período entre 2000 e 2018 (ou seja, abarcando quer o período antes quer depois da resolução do BES e criação do Novo Banco), decorria desde o ano passado e deveria ter ficado concluída em julho, tendo sido entregue na semana passada.

A Deloitte entregou a auditoria integral ao Novo Banco, Banco de Portugal e ao Fundo de Resolução. Já ao Ministério das Finanças foi entregue auditoria sem nomes dos clientes dos créditos, partes sujeitas a sigilo bancário.

Ainda assim, no envio do relatório para o parlamento, o Governo indicou a menção de confidencialidade.

Na semana passada, o presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Filipe Neto Brandão, disse que os deputados têm acesso integral ao documento, mas através de computadores que têm um 'software' de proteção da informação digital classificada, que rastreia a consulta.

Sobre a divulgação pública do documento, o presidente da comissão parlamentar disse então que tinha determinado que os serviços jurídicos identifiquem as partes protegidas pelo sigilo bancário e que também o Governo (através do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares) irá indicar as partes que considera abrangidas por confidencialidade, antes de o relatório ser publicado.

Contudo, segundo a informação hoje obtida, a versão do relatório divulgada no 'site' do parlamento foi a enviada pelo Novo Banco - já expurgada de informação considerada sigilosa.

O Ministério das Finanças avançou na semana passada que o relatório revela perdas líquidas de 4.042 milhões de euros no Novo Banco (entre 4 de agosto de 2014, um dia após a resolução do BES, e 31 de dezembro de 2018) e "descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves" no BES, até 2014, na concessão de crédito e investimento em ativos financeiros e imobiliários.

Em conferência de imprensa, o presidente executivo do Novo Banco disse que 95% das perdas referidas na auditoria da Deloitte devem-se a ativos anteriores a 2014, ou seja, que pertenciam ao BES e passaram para o Novo Banco na resolução. Afirmou ainda António Ramalho que a auditoria “confirma a forma transparente e competitiva” com que o Novo Banco tem vindo a recuperar o seu balanço, sobretudo através da venda de carteiras de ativos.

O jornal Público noticia hoje que a auditoria apurou que a gestão do Novo Banco não informou o Fundo de Resolução que, por duas vezes, foi desaconselhada pelo departamento de ‘compliance’ do banco a avançar com as operações de venda de carteiras de ativos envolvendo a sociedade Alantra (representada em Portugal por uma ex-assessora de Ricardo Salgado, Rita Barrosa).

Segundo o jornal, este facto só viria a ser reportado ao Fundo de Resolução em junho deste ano, quase dois anos depois na sequência da auditoria da Deloitte. No relatório, a auditora revela ainda que não conseguiu confirmar ou excluir eventuais ligações entre os compradores das carteiras de ativos do Novo Banco e sociedades próximas do próprio banco ou da Lone Star (o fundo norte-americano dono de 75% do Novo Banco).

No relatório, a auditora revela ainda que não conseguiu confirmar ou excluir eventuais ligações entre os compradores das carteiras de ativos do Novo Banco e sociedades próximas do próprio banco ou da Lone Star (o fundo norte-americano dono de 75% do Novo Banco).

O Novo Banco disse esta terça-feira, em comunicado, que o Conselho de Administração executivo ponderou o parecer não vinculativo do departamento de 'compliance' sobre a Alantra e que o próprio departamento considerou essa decisão "estratégica e de gestão" e que decidiu contratar a Alantra Espanha "com expressa proibição de ser envolvida a equipa portuguesa".

É essa divergência na escolha do assessor que o Novo Banco não referiu ao Fundo de Resolução por considerar um detalhe sem especial relevância e que é reportada na auditoria especial", refere o Novo Banco.

Ainda segundo o banco, a Alantra tem "reconhecida experiência" em operações de venda, trabalhando inclusivamente com entidades entidades públicas Oitante e Parvalorem.

Já sobre os compradores de carteiras de ativos do Novo Banco, fonte oficial disse que "uma vez que não foi detetado envolvimento de qualquer parte relacionada, não foi identificada a necessidade de análise adicional sobre as contrapartes na perspetiva de processo relativo a transações com partes relacionadas e mitigação de (inexistentes) conflitos de interesses".

 

Quase 50% das perdas com créditos são após venda à Lone Star

Segundo a auditoria, quase 50% das perdas do Novo Banco com créditos foram registadas no último trimestre de 2017 e em 2018, já com o banco detido maioritariamente pela Lone Star.

Relativamente ao registo de perdas por imparidade, verificou-se um reforço relevante em devedores incluídos na amostra no último trimestre de 2017 e em 2018, representando cerca de 50% do total de perdas entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2018”, lê-se no relatório da auditoria elaborado pela consultora Deloitte.

Segundo a análise da Deloitte a uma amostra de créditos e ativos (imóveis, títulos de dívida) com perdas superiores a 10 milhões de euros (entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2018), do total de perdas acumuladas de 2.579,7 milhões de euros nesse período, houve 1.144,5 milhões de euros (equivalente a 44%) que foram registados entre 18 de outubro de 2017 e 31 de dezembro de 2018 (período em que 75% do Novo Banco era já detido pelo fundo de investimento norte-americano Lone Star).

Do valor de perdas restante, 936,8 milhões de euros foram entre 4 de agosto de 2014 e 30 de junho de 2016 e 498,3 milhões de euros de perdas entre 1 de julho de 2016 e 17 de outubro de 2017.

Contudo, diz a Deloitte que há que referir que “uma parte relevante dos devedores para os quais foram registados reforços de imparidade em 2017 e 2018 apresentava já incumprimento ou outros ‘triggers’ de risco em períodos anteriores”.

No reforço de perdas em créditos e outros ativos, segundo a Deloitte, há vários fatores que contribuem para isso, seja reavaliação das garantias, vendas de créditos de evolução negativa na atividade do devedor, incumprimento dos planos de reestruturação ou insolvência ou sentenças judiciais adversas.

Olhando especificamente para as perdas com créditos, das perdas acumuladas totais no valor de 2.143,4 milhões de euros entre 4 de agosto e 31 de dezembro de 2018, 1.023,7 milhões de euros (equivalente a 47,8%) foram registadas entre 18 de outubro de 2017 e 31 de dezembro de 2018.

Já 732,8 milhões de euros de perdas em créditos foram entre 4 de agosto de 2014 e 30 de junho de 2016 e 386,9 milhões de euros de perdas entre 1 de julho de 2016 e 17 de outubro de 2017.

Nos imóveis (a segunda rubrica que gerou mais perdas, a seguir aos créditos), entre 18 de outubro de 2017 e 31 de dezembro de 2018 foram geradas perdas de 96,4 milhões de euros.

Nascido na resolução do BES (em 3 de agosto de 2014), 75% do Novo Banco foi vendido em 18 de outubro de 2017 ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%, numa solução acordada entre Banco de Portugal e Governo. O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no Novo Banco.

Aquando da venda, foi acordado um mecanismo de capital contingente, que prevê que até 2026 o Fundo de Resolução compensa o Novo Banco por perdas de capital num conjunto de ativos que 'herdou' do BES até 3.890 milhões de euros.

Desde então e até hoje, o Fundo de Resolução já injetou 2.976 milhões de euros e ainda poderá colocar mais de 900 milhões de euros, valores que em cada ano têm impacto nas contas públicas uma vez que o Fundo de Resolução é uma entidade da esfera do Estado.

 

Auditoria aponta falha na justificação para venda de ativos com desconto

A auditoria indica aindas vendas de ativos do Novo Banco, realizadas a “valores inferiores” aos das “últimas avaliações disponíveis” não incluíram uma “justificação ou explicação” para a diferença de preço, indicou a auditoria.

A consultora recordou que “as vendas efetuadas pelo Novo Banco foram realizadas por valores inferiores (em alguns casos de forma significativa) face aos valores das últimas avaliações disponíveis”.

A este respeito, verificámos que o Novo Banco não tinha implementado até 31 de dezembro de 2018 procedimentos documentados de ‘backtesting’ das avaliações efetuadas para este tipo de ativos, tendo em consideração as vendas efetuadas”, indicou a Deloitte, na sua avaliação.

A consultora concluiu ainda que a instituição, atualmente liderada por António Ramalho, “não tinha igualmente implementado procedimentos de análise e justificação formal das variações ocorridas nas avaliações obtidas, comparativamente às avaliações anteriormente disponíveis”.

A Deloitte acrescentou ainda que, durante a auditoria, verificou que “nas propostas de aprovação das vendas são normalmente descritas as características e condicionalismos dos imóveis, mas não é incluída uma justificação ou explicação para a diferença entre o valor de venda e o valor de avaliação anterior”, ressalvando que “esta justificação não era requerida de acordo com o normativo interno aplicável”.

A consultora detalhou dois processos de venda, cuja identificação dos ativos foi ocultada, por serem considerados confidenciais.

Num deles, o “imóvel era detido por um fundo de investimento imobiliário integrado no perímetro de consolidação do Novo Banco. Não nos foi disponibilizada evidência da aprovação do Conselho Geral de Participantes para alienação deste ativo, conforme requerido pelo Regulamento de Gestão do fundo em vigor à data da venda”.

Em outro ativo, “de acordo com a documentação do Novo Banco a aprovação da venda do imóvel foi efetuada pelo Departamento de Gestão Imobiliária e pelo administrador do pelouro na sequência da obtenção de uma proposta e subsequente processo negocial com o comprador”.

No entanto, apontou a auditora, tendo em conta “a delegação de poderes refletida no normativo interno em vigor à data, a venda poderia ter sido aprovada por este nível hierárquico se o valor de venda fosse inferior a cinco milhões de euros e se a diferença entre este e o valor líquido contabilístico não excedesse 500 mil euros”. Mas, neste caso, “a diferença entre o valor líquido contabilístico e o valor de venda foi de 850 mil euros, pelo que aprovação devia ter sido feita pelo nível hierárquico superior”.

Esta proposta de compra, “obtida pelo Novo Banco no âmbito de uma campanha de alienação de imóveis que se encontravam em venda” pela instituição “há mais de dois anos” foi “aprovada pelo Conselho de Administração em outubro de 2016”, tendo o imóvel sido “vendido por um valor inferior em cerca de 24%, ao valor de venda previsto após aplicação do desconto médio definido na referida campanha (1,2 milhões de euros)”, lê-se no documento.

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