GES tinha problemas «desde o início do século» e «nada se fazia sem Salgado» - TVI

GES tinha problemas «desde o início do século» e «nada se fazia sem Salgado»

Pedro Queiroz Pereira, dono da Semapa e ex-acionista da ES Control, denunciou os problemas do grupo em outubro de 2013 ao Banco de Portugal. Revela que demorou quase seis meses a escrever a carta para o regulador da banca e, quando lá chegou, encontrou uma «cara de poker». Ficou sem saber se o BdP já tinha ou não conhecimento dos problemas. Mas ele sabia. Admitiu no Parlamento que as coisas no Grupo Espírito Santo não corriam bem «há muitos e muitos anos»

Pedro Queiroz Pereira, ex-acionista da ES Control, de onde saiu em novembro de 2013, admitiu esta quarta-feira que se apercebeu que o Grupo Espírito Santo tinha problemas «há muitos e muitos anos». Desde o «início do século», há mais de 10 anos. Por isso, teve oportunidade de ir juntando «as peças do puzzle». E, pelo seu conhecimento de como o grupo funcionava, «nada se fazia sem Ricardo Salgado».

«Já percebia que as coisas não corriam bem no GES há muitos e muitos anos. Desde o início do século, já sentia que as coisas não iam bem»

Queiroz Pereira respondia a Cecília Meireles (CDS-PP), que recordou a versão de Ricardo Salgado. Nesta comissão de inquérito, o ex-líder do BES atirou responsabilidades para o contabilista do grupo, Machado da Cruz, dizendo que foi ele «falsificou as contas» durante vários anos, mas «ninguém sabia de nada». Ora, Queiroz Pereira vem agora dizer que se percebia que as coisas não estavam bem e Salgado de certeza que sabia da ocultação de dívida.

«Quanso se fala em GES fala-se numa pessoa, Ricardo Salgado. Nada nunca se fez naquele grupo, sem essa pessoa dar o OK. Nada se fazia sem ele». «Acho impossível que Ricardo Salgado não soubesse de nada».

Problemas foram sendo resolvidos com «cada vez mais imaginação»


O Grupo Espírito Santo era grande e importante, mas as coisas não estavam fáceis, segundo a versão de Queiroz Pereira. Tudo por causa da dívida. Ao longo da última década, as «operações de obrigações» foram avolumando a dívidas das holdings do GES.

«Houve muita dificuldade em reconstruir o grupo, porque não havia dinheiro. Foi procurar-se dinheiro em pequenos acionistas e em operações muito imaginativas, mas não arrisco dizer irregulares». «A crise de 2008 apanha o grupo numa situação de grande stress financeiro. Diria que começam aqui as dificuldades insuperáveis». «Havia uma dívida grande, juros a vencer, negócios a morrer e um problema de caixa, que se foi resolvendo cada vez com mais imaginação»


Queiroz Pereira revelou que demorou cerca de seis meses para escrever a carta de denúncia ao Banco de Portugal e que conversava com José Maria Ricciardi que estava «em pânico». Era a ele a quem Queiroz Pereira se «queixava» com maior frequência. 

«GES era um castelo de cartas»

Usando uma expressão que se cola a imagem de Ricardo Salgado, adaptou-a no seu discurso para dizer que «os bancos são os donos disto tudo». «Os bancos tinham um poder tal neste país que não se podia estar contra eles. As coisas que não nos agradavam precisávamos de engolir. Não era fácil para mim espoletar guerras com bancos», disse, para argumentar porque não denunciou as coisas mais cedo. Contou, também, que era «pouco ativo» na ES Control, porque a posição maioritária era da sua mãe. «Fiz mal. Se tivesse prestado atenção antes, não tinha caído onde caí». Do BES, já tinha saído em 2001. 

Agora, consegue explicar como é que as contas eram «alteradas» na ESI. As ações eram negociadas dentro do grupo a 22 euros quando em bolsa valiam 5,28. Ou seja, apresentava uma «situação líquida de 644 milhões de euros positivos», quando na verdade eram «326 milhões negativos».

No caso da Rioforte, «o valor era muito imaginativo» de 1.316 milhões de euros. «Hoje toda a gente sabe que não era este o valor da Rioforte. No máximo, valia 7,44 euros por ação e não 10». Nas contas de Queiroz Pereira, a «situação negativa seria de 775 milhões a menos». Contas feitas, calculou «números negativos de quase três mil milhões».

«Não achava muita piada que uma empresa nesta situação tentasse comprar a minha para depois a usar como usou a PT»


Não tem dúvidas de que «havia omissão de informação» dentro do GES. O empresário contou que ele próprio quis comprar ações da ESI. «A resposta foi que a mim não me vendiam». «Acho que era mesmo um castelo de cartas», disse, pegando na classificação feita por Cecília Meireles. «Não se juntando as empresas, escondeu-se muita coisa, durante muito tempo».

Que reação no Banco de Portugal? «Cara de poker»

O empresário denunciou o que sabia, na altura, numa reunião com o vice-governador do Banco de Portugal, Pedro Duarte Neves. Foi no dia 4 de outubro de 2013. Na reunião, ficou sem saber se o Banco de Portugal já tinha ou não conhecimento dos problemas. Resumiu a situação dizendo que tinha à sua frente uma «cara de poker». Quando saiu dela, no carro, questionou-se: «Será que sabiam? Será que não sabiam? Fiquei sem saber». 
 

«Passei informação, mas não tive a mínima noção qual a extensão do conhecimento que tinham». «Eu sabia que fazer estas denúncias não era simples e podia ter efeitos devastadores. Demorei quase seis meses a escrever essa carta para o Banco de Portugal».


O BdP pediu-lhe então «mais informação a nível de governance» e Queiroz Pereira diz que mandou.

Revelou, por outro lado, que  «toda a gente que pôs dinheiro no GES perdeu». A sua audição ficou ainda marcada por algumas revelações políticas. A primeira, por iniciativa própria, de um  elogio a José Sócrates. A segunda, já  confrontado pelo PS, sobre o facto de ter financiado a campanha de Cavaco Silva em 2011

 

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