António Costa Silva defende "pacto entre Estado e empresas" - TVI

António Costa Silva defende "pacto entre Estado e empresas"

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  • Publicada por ALM
  • 4 jun 2020, 09:01

Plano de recuperação económica deverá ser entregue no final do mês

António Costa Silva, gestor nomeado pelo primeiro-ministro para coordenar os trabalhos preparatórios do plano de relançamento da economia, defende, em entrevista à Lusa, um "pacto entre Estado e empresas" e um "equilíbrio virtuoso" com os mercados.

"Defendo aí que tem que haver um pacto entre o Estado e as empresas. Portanto, o Estado tem que definir as regras e tem que ser um facilitador", afirmou o também presidente da petrolífera Partex, considerando que é preciso haver "um equilíbrio virtuoso entre o Estado e os mercados".

Questionado sobre como entende esta intervenção, o gestor defendeu que o Estado deve "intervir na Economia", primeiro "ao nível das infraestruturas que são cruciais para modernizar o país e prepará-lo para o futuro".

Depois, "o Estado [deve] intervir para salvar as empresas que são competitivas e que não podemos deixar ir à falência ou entrar em estado de coma. Portanto, para as capitalizar", sublinhou.

"É por isso que eu defendo um pacto entre Estado e empresas", o qual "define exatamente o que o Estado vai fazer, deixando o papel e o espaço às empresas".

Mas, "não podemos ter uma visão estatizante ou coletivista agora na intervenção do Estado na economia. Tem que haver o tal equilíbrio entre Estado e empresas, entre Estado e mercados", prosseguiu o gestor, que foi designado para coordenar os trabalhos preparatórios de elaboração do Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030, não auferindo de qualquer remuneração ou abono.

"O Estado vai ter que fazer investimentos grandes nas infraestruturas, sobretudo a ferroviária, as infraestruturas portuárias, completar a rede nacional, mas é também o Estado salvador das empresas que estão em crise ou podem entrar em falência e que são empresas rentáveis e aí o segredo é haver um equilíbrio virtuoso entre o Estado e os mercados", considerou.

"Agora, aí o que me preocupa é como os recursos financeiros vão ser canalizados pelas empresas", disse, salientando que há "várias maneiras" de o fazer: ou através de fundos criados pelo Estado, "através de um banco promocional, ou uma questão que pode ser uma revolução de facto, uma rutura do paradigma", que é aproveitar para "criar um verdadeiro mercado de capitais".

António Costa Silva apontou que um dos "grandes entraves ao desenvolvimento da economia é que as empresas se endividam só pela dívida, estão sempre em situações extremamente difíceis".

Ora, se houver um mercado de capitais a que as empresas passem a recorrer e depois entrar em bolsa, aí será possível "ter um sistema muito mais saudável, mas isso é uma transformação epistemológica", considerou o gestor.

Em suma, Costa Silva defende a intervenção do Estado "com plano de retirada estabelecido claramente".

"Não queremos um Estado que se substitua às empresas, já sabemos que isso não vai funcionar, não queremos um Estado que defina o que é que as empresas vão fazer, mas podemos ter um Estado que intervenha a nível da capitalização das empresas que, por exemplo, ao nível das pequenas e médias empresas (...), funcione no sentido de as apoiar, de contribuir para a sua internacionalização e, sobretudo, para criar massa crítica".

O gestor sublinhou que existem muitas pequenas empresas que concorrem entre si, mas se for possível conseguir "associar e criar alguma massa crítica" será possível "ter melhores vetores para o desenvolvimento da economia".

"O Estado tem de definir as regras, tem que definir quais as empresas que vai intervir", reiterou.

"Não sou favorável a atirar-se dinheiro para cima dos problemas, tem que se usar muito bem os recursos, as empresas que forem rentáveis, forem competitivas, mas que estejam em situações de tesouraria muito aflitivas têm que ser protegidas, porque não queremos lançar milhares e milhares de pessoas para o desemprego e porque sabemos que as empresas têm sustentabilidade, acho que isso vale a pena fazer com recursos que existirem", defendeu.

Questionado sobre uma intervenção do Estado na TAP, António Costa Silva disse desconhecer com detalhe a situação.

"Não conheço em detalhe, mas presumo que a TAP é uma empresa que o país não pode deixar, de maneira nenhuma, ir à falência, desaparecer", disse.

"Se olharmos para a economia portuguesa, o transporte aéreo é provavelmente um dos fatores que tem maior influência para o desempenho da economia portuguesa e, atenção, não é só o turismo, é muitas das outras fileiras e muitas das outras áreas e, portanto, a questão dos transportes aéreos também é crucial para a sustentabilidade da economia", explicou.

Plano de recuperação económica deverá ser entregue no final do mês

O plano de recuperação económica terá "cerca de nove ou 10 pilares estratégicos" e deverá ser entregue "no final do mês", disse António Costa Silva, gestor nomeado para coordenar os trabalhos preparatórios do plano de relançamento da economia.

O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, "tem participado e dado uma colaboração muito grande com a sua equipa, que tem sido extraordinária" e, portanto, "estamos a terminar a fase de reunião com os vários ministros" envolvidos nos vários pilares estratégicos, acrescentou o gestor.

São "cerca de nove ou dez pilares estratégicos" que o plano vai ter "e depois vamos começar a ouvir as personalidades da sociedade civil, empresários, líderes de instituições, enfim, para a visão ser o mais abrangente possível e refletir, de facto, as várias visões que existem na sociedade e digamos ser uma questão polifacetada", acrescentou.

Trata-se de um "plano para recuperação da economia do país para ser executado ao longo da próxima década, se assim for determinado depois pelos responsáveis políticos", disse Costa Silva, referindo que a sua contribuição é "meramente a de sugerir um quadro estratégico, os pilares do desenvolvimento". Ou seja, os que são "abertamente cruciais para mudar o país e para o sintonizar com todas as tendências", nomeadamente a "transição energética, a luta contra as alterações climáticas, a descarbonização, a necessidade" de criar e desenvolver "uma economia mais justa e mais equilibrada", acrescentou.

A visão deste plano de recuperação, disse, "assenta em dois polos", um para o curto prazo, que visa "recuperar a economia, proteger o emprego", e para médio e longo prazo, com o objetivo de "transformar a economia, tornando-a mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico e social e, depois, mais eficiente no uso dos recursos, mais inovadora, mais interconectada, mais resiliente, mais digitalizada", dando também, "uma massa crítica para o país poder competir no futuro a nível global".

A aposta na economia do mar, as infraestruturas ferroviárias e o fim da bitola ibérica, a aceleração da transição digital são alguns dos pontos que integram o plano.

Sobre as vantagens competitivas de Portugal, António Costa Silva destacou que a primeira é o "recurso geográfico, a sua localização".

Portugal é "uma economia atlântica que está no cruzamento de três continentes e isso é extremamente importante. Somos um país que tem um relacionamento muito bom com o espaço europeu, embora haja um condicionamento grande por Espanha por razões territoriais e históricas, mas a relação com Espanha é muito boa, mas também somos um país que lutou contra esta dependência territorial ou continental, forjando alianças históricas com aliança com o Reino Unido e a aliança com os Estados Unidos da América", prosseguiu.

Recuperação económica de Portugal "vai ser lenta" influenciada pelo "medo"

A recuperação económica "vai ser lenta", impulsionada pelo fator "medo", salientando que a duração terá efeitos "lesivos".

"Acho que [a recuperação económica portuguesa] vai ser lenta, porque nós temos aqui a erupção de um fator novo que também tem consequências económicas que é o medo", afirmou o responsável, em entrevista à Lusa.

"Portanto, o regresso das pessoas à normalidade vai ser mais lento, estamos a ver nas reações. Há vários setores da população que têm reações diferentes, é aquilo que se chama a economia zombie, vamos ter aqui uma economia a funcionar a 70%, 80%, se tanto", prosseguiu.

"E basta isso para afetar todas as cadeias logísticas, as cadeias de transporte e de criar dificuldades na recuperação da economia, vamos ter isso durante algum tempo. Penso que até se descobrir a vacina realmente vai ser um período difícil", considerou.

Questionado sobre o horizonte temporal desta recuperação, Costa Silva recordou que "quando a SIDA surgiu a demora foi de seis anos até ter o primeiro tratamento eficaz".

Agora, "não digo que vamos passar seis anos, mas a vacina pode eventualmente não surgir de um dia para o outro. Portanto, se tivermos mais um ano nesta situação isso tem efeitos já lesivos significativos na economia, para além daqueles que existiam", salientou.

"E atenção que a economia portuguesa estava a crescer, mas mesmo assim o crescimento ainda era um crescimento lento, como em toda a zona europeia. Portanto, temos aqui a retração provocada nesta crise sobre um paradigma de crescimento que já por si era lento, e isso é outra coisa que nós temos nas sociedades ocidentais", disse.

 

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