Balanço: 5 palavras difíceis do colapso do BES/GES - TVI

Balanço: 5 palavras difíceis do colapso do BES/GES

Ricardo Salgado regressa ao Parlamento (MÁRIO CRUZ/LUSA)

Começou por ser um bicho de sete cabeças, mas a linguagem da comissão de inquérito lá conseguiu tornar o ring-fencing num termo natural do dia-a-dia dos últimos quatro meses. Esse e outros estrangeirismos complicados entraram no léxico de deputados, jornalistas e, por essa via, dos portugueses

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1- RING-FENCING
 
Quase de certeza o termo técnico mais repetido. Apesar dos pedidos do presidente da comissão de inquérito para não se usarem estrangeirismos, este virou palavra comum de audição em audição. Trata-se de uma diretiva imposta pelo Banco de Portugal ao Banco Espírito Santo para acabar com a exposição que tinha ao Grupo Espírito Santo, do qual fazia parte. Pretendia separar a atividade financeira da área não financeira.  
 
O ring-fencing foi ordenado depois da auditoria intrusiva pedida pelo Banco de Portugal que detetou problemas na Espírito Santo Internacional (ESI), a holding de topo do GES. O objetivo era que, a partir de dezembro de 2013, o BES pusesse em prática medidas para isolar o banco e os seus clientes dos riscos que a parte não financeira estava a correr. E, sabe-se agora, muitos clientes não faziam ideia que estavam a comprar no BES dívida para financiar o Grupo Espírito Santo.
 
Na prática, as ordens eram estas:
 
- Acabar com o financiamento do BES à ESI
 
- Criar uma conta escrow (também designada de conta dedicada, com o objetivo de assegurar a responsabilização financeira entre as partes  – neste caso, a ESI e o BES). Nessa conta, devia ser depositado o o que a ESI ia pagando para reembolsar os empréstimos concedidos. Como havia dúvidas de que isso estivesse a ser feito, esta era uma forma de controlar os pagamentos e, ao mesmo tempo, de garantir os direitos dos clientes do BES que tinham investido em títulos de dívida da holding.
 
Como o ring-fencing não foi cumprido na totalidade, o Banco de Portugal obrigou depois à constituição de uma provisão para salvaguardar os investidores. As ações da Tranquilidade foram usadas para esse efeito.  
 
 
2- ETRICC
 
Significa Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito. Confuso, mesmo assim? É natural. Na comissão de inquérito, as referências eram feitas sempre e só à sigla. E ainda por cima não havia só um ETRICC, mas dois.  
 
Vamos por partes. Os ETRICC foram inspeções realizadas por iniciativa do Banco de Portugal, para tornar o sistema financeiro nacional mais resiliente, mas  foram levadas a cabo pelos auditores externos dos oito maiores grupos bancários nacionais. O objetivo foi avaliar as imparidades (perdas) estimadas pelos bancos no que toca à carteira de crédito concedido.
 
O primeiro exercício decorreu entre maio e julho de 2013 e foi transversal àqueles bancos, incluindo o BES. O segundo, realizado em setembro de 2013, foi feito na sequência desse, desta feita para avaliar a capacidade financeira dos 12 grupos económicos com mais peso na carteira de crédito dos bancos em causa.

Foi aí que se descobriu que havia um problema grave nas contas da ESI. A holding de topo do GES estava numa situação muito frágil para fazer face aos seus compromissos para com o banco, que lhe emprestava dinheiro, e para com os clientes que investiram na sua dívida.
 
3- GOVERNANCE
 
É, simplificando, a gestão da empresa, isto é, o conjunto de regras, procedimentos e decisões que afetam a maneira como uma empresa é gerida, administrada e controlada. As relações entre os vários órgãos de gestão também estão subjacentes à governance: entre administradores, acionistas, financiadores e clientes.
 
No caso do GES e do BES, havia uma superconcentração de poderes em Ricardo Salgado. Fazendo um balanço das audições, quase podemos ouvir, em uníssono, todos os inquiridos com ligações ao ex-dono disto tudo, a confirmar essa visão. O próprio recusa o rótulo de «todo poderoso» e chama à sua alçada apenas o controlo da parte financeira.

Mas é também ele que assume que havia «defeitos de organização» no Grupo Espírito Santo, com os «problemas de gestão» a fazerem-se sentir a partir de 2007 e 2008. A ocultação de passivo da Espírito Santo Internacional (ESI), essa, foi «um desastre», assumiu, empurrando culpas para o contabilista do GES. Machado da Cruz, por sua vez, disse que foi tudo ideia e ordem de Salgado. 

4- COMPLIANCE

Esta palavra deriva do verbo to comply (em inglês) que significa agir de acordo com as regras. Ou seja, estar em compliance é estar em conformidade com as leis e regulamentos internos e externos, numa empresa.  
 
Sobretudo desde a crise de 2008, com a falência do Lehman Brothers, o sistema financeiro mundial sentiu necessidade de reforçar a legislação e a regulamentação. Daí, resultaram normas e procedimentos, regras de conduta e de relacionamento com clientes, bem como princípios éticos para serem respeitados pelas empresas e suas administrações, evitando, lá está, o risco de compliance.
 
O BES começou por ter um gabinete para o efeito que veio a ser substituído, depois, por um departamento de compliance, com mais poderes e equipa própria. Não serviu para evitar o colapso. A auditoria forense do Banco de Portugal, divulgada em março de 2015, mostra que houve pelo menos 21 desobediências às determinações do supervisor.  

5- TABLEAU DE BORD 
 
É um instrumento de informação rápida, que permite ter noção dos dados mais importantes de uma empresa, para poder decidir e atuar no curto prazo. Esses dados dizem respeito a resultados e variáveis chave para o controlo interno da gestão.
 
Ao contrário das outras, não foi uma expressão repetidamente invocada nos longos quatro meses da comissão de inquérito, mas entra para o top 5 pelas circunstâncias em que foi proferida, já na reta final da comissão, por três homens que desempenharam funções de relevo na Portugal Telecom – Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Pacheco de Melo.
 
O ex-presidente da companhia de telecomunicações Zeinal Bava protagonizou provavelmente a audição que mais desiludiu os deputados e o esclarecimento público, pelos constantes «não tenho memória» que usou para responder. Mas do estrangeirismo tableaux de bord, esse, não se esqueceu. Embora tenha admitido conhecer a exposição da PT à ESI, alegou que quando saiu da operadora e foi liderar a Oi, não lia os tableaux de bord que recebia por e-mail. Neles, estavam detalhadas as aplicações de tesouraria da PT. O último investimento - que se veio a revelar desastroso - foi nada menos do que 900 milhões de euros que, pura e simplesmente, se perderam com o colapso do GES. Isso levou o BES por arrasto. A PT também apanhou por tabela. E não foi pouco.
 
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