Investe em ações, moeda, dívida? Saiba as consequências do efeito Trump - TVI

Investe em ações, moeda, dívida? Saiba as consequências do efeito Trump

Mercados

Os investidores a nível global estão inquietos. Não só porque desconhecem o que esperar, ainda, do recém-empossado presidente dos Estados Unidos, como, na Europa, estão por avaliar as feridas comerciais, entre outras, da saída do Reino Unido da União Europeia

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, já meteu "mãos à obra" para cumprir o que prometeu durante a campanha eleitoral e ao terceiro dia de mandato “rasgou” o acordo Transpacífico - um acordo de livre-comércio estabelecido entre doze países banhados pelo Oceano Pacífico e relativo a uma variedade de questões de política e economia, que tinha sido fechado por Obama em 2015 mas que nunca entrou em vigor.

Agora, os mercados mundiais tremem só de imaginar o que ainda está para vir. Numa altura em que na Europa também há incertezas profundas sobre as feridas que a saída do Reino Unido da União Europeia vai abrir nas trocas internacionais.

A TVI foi falar com especialistas do mercado para perceber o que estas movimentações implicam para o mercado de ações e quais as melhores opções de investimento, neste momento. As respostas são de João Queiroz, diretor da banca online do Banco Carregosa e de  José Lagarto, gestor de ativos da Orey Financial.

1 - Porque é que o anúncio de protecionismo norte-americano faz tremer o mercado das ações?

JQ: Historicamente um cenário de protecionismo tende a aumentar a propensão para os outros países retaliarem com aumentos de tarifas e outras barreiras o que diminui o comércio externo e o Produto Interno Bruto (PIB) global.

JL: Num cenário em que os Estados Unidos da América (EUA) entrem num modo protecionista, a economia global sofrerá um impacto negativo na sua taxa de crescimento, o que se traduziria numa redução de resultados das empresas e potencial queda dos mercados acionistas. No entanto, alguns sectores podem, inclusive, beneficiar destas políticas protecionistas, nomeadamente sectores cujo peso nas vendas da economia doméstica é elevado e que serão descriminados positivamente pelos impostos aduaneiros, o que dará aos mesmos uma vantagem que dificilmente as empresas estrangeiras conseguirão acompanhar.

2 - Que setores/ mercados/ países podem ser mais penalizados?

JQ: Os sectores mais sensíveis ou dependentes de bens transacionáveis como os bens de consumo, retalho e exportador. As pequenas economias muito abertas e sem intervenção direta nas políticas, monetária ou cambial, e sem ângulo de manobra quanto ao seu endividamento externo.

JL: Aqueles cujas exportações tenham como principal destino os EUA. Entre eles os principais são a China, o México, o Canada, o Japão e a Alemanha. Entre os sectores que poderão sair mais penalizados estão o automóvel, o dos bens de consumo ou o farmacêutico que tenham concorrência direta de fabricantes americanos.

3 - Porque estão hoje a cair, devido a Trump, as dívidas soberanas em muitos países? 

JQ: Para já, apenas se notam pequenos ajustes com as maturidades de médio/longo-prazos a traduzir uma expectativa de taxas de juro mais elevadas. Recordamos que a dívida  portuguesa a 10 anos emitida neste mês de Janeiro negoceia com taxa de juro implícita acima dos 4%.

JL: Dadas as expectativas de aumento do crescimento económico e das pressões inflacionistas, e potencial subida de taxas de juro nos EUA mais agressivas, as yields [taxa de rendibilidade de um título de dívida] das obrigações nos EUA têm vindo a subir e contagiando também as yields europeias. Os movimentos em sentido oposto podem ser considerados corretivos.

4 - Porque cai o dólar em relação a outras moedas?

JQ: Apesar da queda do USD [dólar] face ao EURO ele permanece apreciado e com possibilidade de testar valores mais baixos (no sentido de mínimos de 12-14 anos a 1.034) se a inflação dos EUA se mostrar resiliente e acima dos 2%.

JL: A perspetiva de uma política orçamental expansiva, numa economia em pleno emprego, elevaram substancialmente as estimativas de taxa de inflação e, consequentemente, as expectativas de que uma ação mais agressiva da FED [Reserva Federal norte americana] para controlá-la possa ter lugar. O dólar teve desde então uma forte valorização com a eleição do novo presidente dos EUA, devido a expectativas em torno disso mesmo. Assistimos ainda a um selloff [venda rápida] no mercado obrigacionista norte-americano que levou a um diferencial de taxas mais acentuado a favor do dólar americano. Com a tomada de posse de Donald Trump, o mercado financeiro aguardaria por mais detalhes sobre potenciais políticas. No entanto, na ausência desses detalhes, no primeiro discurso como presidente, acaba por levar a algumas dúvidas refletidas sobre a forma de correção no movimento de preços dos ativos, e o dólar não é uma exceção.

5 - Nestas condições que ações devem comprar os investidores, em que setores?

JQ: Será necessária uma seleção mais criteriosa (stock picking) e tornam-se mais relevantes as ações representativas de valor do que crescimento.

JL: Os investidores deverão estar atentos às possíveis medidas a serem anunciadas por Donald Trump pois podem sinalizar que sectores é que podem ser beneficiados. Antecipadamente, as expectativas são de que sectores expostos ao pacote keynesiano e expostos ao alívio regulatório possam ser beneficiados. Simultaneamente, num ambiente de subida de taxas de juro, os sectores e ativos mais expostos podem ser penalizados, como exemplo empresas com dívida elevada e mercado obrigacionista soberano.

6 - Os investidores devem sair das ações, e apostar no quê?

JQ: Nesta fase, devem evitar as ações mais alavancadas ou com maior endividamento que sejam mais sensíveis aos aumentos da taxa de juro e que tenham mais dificuldade em filtrar o custo do capital. Deverão procurar reduzir a exposição aos títulos com mais alavancagem (ou maior endividamento) e que sejam negativamente mais sensíveis aos aumentos da taxa de juro, procurando alternativamente a que detenham mais capacidade para filtrar possíveis aumentos da taxa de juro com o sector bancário e financeiro mas que não dependam de estímulos de Bancos Centrais.

Continue a ler esta notícia