«Em Espanha dizem que sou o novo Contador, mas eu sou o Enric» - TVI

«Em Espanha dizem que sou o novo Contador, mas eu sou o Enric»

Enric Mas (foto: Maisfutebol)

Entrevista Maisfutebol/TVI24 ao segundo classificado da Volta a Espanha em 2018. Enric Mas é, aos 24 anos, uma das maiores promessas do ciclismo internacional e não sonha pequeno: «Quero ganhar o Tour.»

Há quase uma década que não há equipa tão ganhadora no ciclismo mundial como a Deceuninck-QuickStep. Nem mesmo a «galática» Team Sky de Chris Froome e Geraint Thomas.

A equipa belga expõe orgulhosamente os números no site oficial. Perto de 700 vitórias, dezenas de clássicas e etapas conquistadas em grandes voltas, campeões do mundo e olímpicos e muito mais. Só no ano passado foram 77 os triunfos de homens da Deceuninck-QuickStep, o máximo histórico da equipa que há sete anos está sempre no topo dos registos nesta matéria.

A mais bem-sucedida formação do World Tour – o primeiro escalão da modalidade – tem quatro atuais campeões nacionais de estrada e ciclistas de palmarés recheado como o belga Philippe Gilbert, campeão do mundo em 2012 e vencedor de algumas das clássicas mais prestigiadas da cena internacional.

Mas ainda não se pode dizer que a Deceuninck-QuickStep já ganhou tudo o que há para ganhar. É que as 88 vitórias alcançadas no Giro, Tour e Vuelta nunca redundaram na rosa, amarela ou vermelha no último dia das provas.

Na verdade, isso não está no ADN da equipa, que aponta baterias para corridas de um dia ou para outras provas mais curtas como a Volta ao Algarve, que se realiza de 20 a 24 de fevereiro (TVI24, tome nota) e na qual vai marcar presença.

Mas Enric Mas, cujos propósitos parecem chocar com a essência da Deceuninck-QuickStep, é uma exceção à regra. Em 2018 subiu, com apenas 23 anos, ao segundo lugar mais alto do pódio na Volta a Espanha e no país vizinho há quem o aponte com o mais forte candidato à sucessão do campeoníssimo Alberto Contador.

O Maisfutebol e a TVI24 acompanharam uma manhã de um estágio que a equipa belga realizou no Sotavento algarvio entre o final de janeiro e os primeiros dias deste mês e estiveram à conversa com Enric Mas. Convicto, o espanhol apontou ao Olímpo do ciclismo sem receio da pressão que deposita em cima dos próprios ombros: «Quero ganhar o Tour.»

 

Durante a etapa de consagração da Vuelta em 2017, Alberto Contador disse para a televisão que Enric Mas era o futuro do ciclismo. As pernas não lhe pesaram mais por algum tempo?

Nesse momento não sabia da repercussão que teriam aqueles 20 segundos. Um dos meus amigos passou-me por Whatsapp esse momento, que sempre encarei como uma brincadeira.

Contador é uma das suas referências?

Sim. Quando comecei a andar de bicicleta, em 2007, ele ganhou o primeiro Tour. Cresci a vê-lo a ganhar e é claro que é uma das minhas referências. Também estive três anos na equipa dele, onde sempre me tratou bem. Tenho muito carinho e respeito por ele.

Agrada-lhe quando o tratam por novo Contador?

Em Espanha dizem que sou o novo Contador, mas eu digo sempre que sou o Enric. Podemos ser parecidos em algumas coisas, mas somos ciclistas diferentes.

É mais adepto da forma de correr de Contador, mais ao ataque, ou prefere um tipo de abordagem mais cerebral, a controlar os batimentos e os watts, por exemplo?

Sou jovem e ainda estou à procura de me conhecer. Até me conhecer, creio que irei com mais calma. Na Vuelta havia dias em que tinha vontade de ganhar, mas não o fazia porque a equipa pedia-me calma porque a última semana seria muito dura. Segui os conselhos da equipa e acabou por correr bem.

Enric Mas (à frente) durante uma etapa de montanha na Vuelta de 2018. Ficou em segundo lugar na geral, a menos de dois minutos do britânico Simon Yates

Venceu a penúltima etapa da Volta a Espanha em 2018 e foi segundo na geral. Que significado tiveram esses resultados?

Ganhar a etapa em Andorra, onde vivo agora e com a minha família a ver, foi como ganhar em casa. E o pódio em Madrid também é algo que vou recordar para toda a vida.

O segundo lugar superou as suas próprias expectativas?

Sim. Fui com a equipa para ver onde chegava. A ver em que dia «rebentava». Se era na primeira, segunda ou terceira semana. Recordo-me de no último dia da primeira semana ter perdido 50 minutos para, creio, dois dos favoritos. Nesse dia eu estava doente. Fiquei um pouco desanimado, mas a equipa confiou em mim e disse-me o que tinha de fazer e que tinha de estar tranquilo. E foi assim: a seguir houve dia de descanso, depois tivemos uma etapa discutida ao sprint e recuperei um pouco. No final aconteceu algo que ninguém esperava. Nem eu.

Que objetivos tinha inicialmente para a Vuelta?

Principalmente tentar ganhar uma etapa. Mas sempre dizia que quando estamos a lutar pela geral, normalmente encontramo-nos numa situação em que é possível tentar ganhar uma etapa. No último dia [n.d.r.: a última etapa foi de consagração] as coisas saíram bem e consegui ganhar.

E o que mudou na sua vida depois desse segundo lugar?

Nada [risos].

Nem mais entrevistas?

Isso mudou um pouco [risos]. Mas eu continuo a ser o mesmo, mas por agora não mudou nada e espero que continue assim no futuro.

Que pode o mundo do ciclismo esperar de Enric Mas aos 24 anos?

Não sei. A verdade é que fiz uma boa temporada em 2018. E neste inverno trabalhei muito para fazer uma boa temporada em 2019, mas é preciso também que a sorte esteja do nosso lado. Se a sorte estiver comigo e não tiver lesões, creio que se pode esperar algo de mim.

Há que contar com Enric Mas para o Giro, o Tour ou a Vuelta? Ou para já não pensa nisso?

Penso, claro. Estou a preparar o Tour. Todos os treinos são feitos a pensar no Tour e para chegar lá bem.

E que objetivos tem para o Tour?

Quero ganhar o Tour! Mas este ano tenho a consciência de que tenho de conhecer a corrida e ver como se corre. Penso que se corre de igual forma em todos os sítios, mas é importante ver como corre a primeira semana, porque há muito nervosismo e quedas nesses dias. Este vai ser o meu primeiro ano no Tour. Vou conhecê-lo um pouco e não sei o que vou encontrar. Sei que vou encontrar muita tensão e nervos.

Está na equipa mais ganhadora do ciclismo mundial, mas que não está talhada para as grandes voltas. Será que isso vai mudar consigo?

[Risos] Oxalá isso aconteça.

O que é mais importante para ter sucesso numa grande volta? Uma equipa forte ou boas pernas?

Bem. Ter na equipa um sprinter [Elia Viviani] que ganha muitas etapas faz com que seja mais tranquilo para mim, porque não tenho a pressão de ganhar. É melhor do que ir sozinho e com toda a equipa a trabalhar para mim. Para além disso só tenho 24 anos, este vai ser o meu primeiro Tour e não sei o que vou fazer. Nem sei se vou conseguir chegar à segunda semana.

Mas não se sente uma espécie de «lobo solitário» na Deceuninck-QuickStep?

Não, nada. Pelo contrário. A Sky e a Movistar são duas equipas que estão habituadas a ganhar o Tour. A Sky ganha-o há cinco ou seis anos. Quando se começa a subir são as pernas que importam, sim, a não ser que tenhamos uma avaria mecânica ou um furo. Mas na nossa equipa também há corredores com capacidade para passarem bem a montanha e estarem comigo até final.

Antes de um treino num estágio que a equipa Deuceuninck Quick-Step realizou no sul de Portugal a poucas semanas da Volta ao Algarve

Acompanhámos há pouco o vosso treino e os carros passavam muito perto de vocês [na EN 125, no Algarve]…

Às vezes discutimos com os condutores, mas não se pode fazer nada. Há pessoas que têm pressa e que não respeitam, mas há também quem respeita muito.

As quedas são o maior receio que tem?

Fazem parte do nosso trabalho. Há vezes em que cais forte e demoras a recuperar, mas faz parte.

Qual foi a velocidade máxima que já atingiu na bicicleta?

Creio que 134 km/h atrás de um camião em Maiorca. Se tive medo? Nesse momento não, mas quando chegas a casa e pensas que se encontras uma pedra no caminho podes matar-te… Nas etapas às vezes vais a 80 ou 90 e tens de dar um encostão porque te estão a tirar espaço. Fazes isso naquele momento, mas depois, quando chegas ao hotel, dás-te conta das consequências que isso pode ter.

Quando é que começou andar de bicicleta?

Tarde. Com 11 ou 12 anos. Lembro-me de que no início as curvas e os encostões assustavam-me um pouco.

E a ideia de ser profissional, quando surgiu?

Quando eu era cadete e juvenis as pessoas já me diziam que poderia chegar a profissional. Eu ouvia isso, mas não acreditava que fosse possível até assinar um contrato profissional. Não me imaginava capaz. Quando ainda era sub-23 deram-me a oportunidade de ser profissional nesta equipa e o meu sonho tornou-se realidade.

Nunca pensou pensou ser, por exemplo, futebolista?

Não conheço o mundo do futebol por dentro. Não sei como funciona nem como são os treinos. Estou muito feliz aqui e encanta-me o mundo das bicicletas.

Vai estar presente na Volta ao Algarve, de 20 a 24 de fevereiro. O que espera desta prova?

Tenho muito carinho por Portugal, porque ganhei precisamente a primeira corrida que fiz pela equipa quando passei a profissional.

A Volta ao Alentejo…

A Volta ao Alentejo. Consegui ganhá-la [em 2016] e tenho respeito e, acima de tudo, carinho por Portugal. A Volta ao Algarve? Há dois anos estive cá pela primeira vez e é uma corrida que me agrada. Faz bom tempo e não há muita tensão.

A Deceuninck-QuickStep tem tradição na Volta ao Algarve. Já venceu três vezes a competição.

Sim. Lembro-me de vir cá com o Daniel Martin e o Fernando [Gaviria, em 2017]. Eles ganharam duas etapas e foi algo bonito.

Sente-se um dos favoritos à geral?

É difícil dizê-lo [risos]. Vou tentar dar o melhor. Este ano começámos a pré-época de um modo mais tranquilo e estamos à procura de atingir o pico da forma na Catalunha, no País Basco [no final de março e princípio de abril] e nas «clássicas». Mas se fizer as coisas bem penso que estarei entre os primeiros.

Continue a ler esta notícia