«No Benfica sofri muito com Jorge Jesus a gritar comigo» - TVI

«No Benfica sofri muito com Jorge Jesus a gritar comigo»

Entrevista a Airton, médio brasileiro que passou pelo Benfica entre 2010 e 2011 - PARTE II

Airton Ribeiro Santos.

Foi um dos três brasileiros a chegarem de uma assentada ao Benfica no mercado de inverno da época 2009/10, a tempo de acompanhar Jorge Jesus no primeiro de três campeonatos nacionais que o agora treinador do Flamengo conquistou nos encarnados (faz este sábado uma década). Com apenas 19 anos, o volante era presença mais do que constante no onze do Flamengo e tinha acabado de sagrar-se campeão brasileiro, naquele que seria o último título da Série A que o mengão celebraria antes de Jesus devolver o orgulho à Nação.

Airton esteve na Luz um ano e meio, sempre na sombra do espanhol Javi García. Saiu no verão de 2011, após uma época na qual os encarnados foram amplamente superados pelo super-FC Porto de André Villas-Boas: «O nosso plantel talvez fosse melhor do que o deles.»

O regresso à Luz esteve em cima da mesa, mas após alguns empréstimos (Flamengo, Internacional e Botafogo) o médio de características agressivas ficou livre e deixou de pertencer às águias em 2015.

Dez anos depois da chegada a Portugal, e após deixar o Fluminense no final do ano passado, Airton aventurou-se pela Amazónia e mergulhou em Manaus no recém-criado Amazonas FC, das profundezas do futebol de terras de Vera Cruz, mas a pandemia antecipou o fim da ligação.

Em entrevista ao Maisfutebol, Airton recorda os tempos passados no Benfica com os ensinamentos de Jesus, aborda o sucesso do mister no Brasil, o flagelo da Covid-19 do lado de lá do Atlântico e passa em revista os craques (uns mais do que outros) com os quais partilhou o balneário: Adriano Imperador, Liedson, Ronaldinho Gaúcho e um tal de Willian Arão.

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Maisfutebol – Que planos tinha para a carreira a longo-prazo quando deixou o Flamengo e assinou pelo Benfica?
Airton – Ir para o Benfica foi um sonho que realizei e não pensei duas vezes quando fiquei a saber da probabilidade de ir para Portugal. Fiz a escolha certa. Aprendi muitas coisas, trabalhei com vários jogadores e com o técnico Jorge Jesus. Pude amadurecer e ver o futebol de outra forma.

MF – Olhando para trás, com o distanciamento que estes dez anos lhe permitem ter, sente que já estava preparado para esse passo na carreira aos 19 anos?
A – Eu vinha de um clube pequeno [Nova Iguaçu], depois fui para o Flamengo e tive a oportunidade de jogar e treinar com jogadores que via na televisão. Era jovem e tinha pouca experiência no meio do futebol, mas valeu a pena. Queria ter ficado mais, mas foi uma experiência de um ano e meio muito boa. Fui campeão e vou guardar isso para o resto da minha vida.

MF – E o Benfica? Que clube encontrou em comparação com o Flamengo?
A – O Flamengo antigamente não tinha o dinheiro e a estrutura que tem hoje. O Benfica tinha uma excelente estrutura.

MF – O que o surpreendeu mais quando chegou?
A – A torcida apaixonada. Sempre a incentivar e a lotar os estádios.

MF – Chegou na mesma altura de outros dois brasileiros: Éder Luís e Alan Kardec. Como foi a vossa adaptação?
A – Foi muito fácil. Na época o Benfica tinha vários brasileiros, além de portugueses e argentinos. Era um grupo muito bom e unido. Fui bem recebido por todos.

MF – E qual foi o primeiro impacto que teve do trabalho com Jorge Jesus?
A – Eu não estava acostumado àquele jeito que ele tinha. Um jeito muito enérgico, a cobrar muito nos jogos e nos treinos. Quando ele cobrava muito de um jogador, às vezes dava vontade de sorrir, mas tínhamos de nos segurar. Se ele visse...

MF – Ele gritava-lhe muito nos treinos?
A – [risos] Poxa, muito! Sofri muito com ele a gritar comigo! Saí do Brasil para um tipo de futebol totalmente diferente.

MF – Quais foram as maiores diferenças que encontrou?
A – Não precisar de correr tanto para poder ocupar um espaço que outro colega deixa. O ritmo de jogo e o toque de bola era muito mais rápido em Portugal e o jogo mais pegado.

MF – Jorge Jesus pedia-lhe coisas que nunca tinha feito?
A – Muitas coisas, sim. Fiz coisas que nunca tinha feito no Flamengo e nos outros clubes por onde passei. Pedia sempre para acelerar o passe, porque o jogo era muito corrido e tínhamos de acelerar as jogadas, que muitas vezes saíam em um ou dois toques. Sempre que desse, pedia para trabalhar verticalmente, para quebrar as linhas dos adversários.

MF – E qual foi o jogador que mais o surpreendeu no Benfica?
A – Não foi bem surpreender, porque eu já sabia que ele era muito bom jogador. Mas o Saviola, que era um jogador muito inteligente. Por ser muito baixinho, os adversários achavam que iam levar a melhor, mas ele era um craque.

MF – O Airton só se estreou pelo Benfica ao fim de dois meses, numa vitória por 4-0 sobre o Leixões. Lembra-se desse jogo?
A – Hmm. Agora você me pegou...

MF – Saiu com cãibras.
A – [risos] Era novo e era a minha estreia! Acho que isso aconteceu por várias coisas: pela falta de ritmo, pela velocidade do jogo e pelo fator emocional. Mas notei logo que o futebol português era muito rápido.

No jogo com o FC Porto, que deu o título aos dragões no Estádio da Luz. Airton jogou a lateral-direito e saiu lesionado.

MF – Foi quase sempre suplente de Javi García. Acreditava que tinha capacidade para lutar com ele por um lugar no onze, ou percebeu que dificilmente isso seria possível enquanto ele estivesse na equipa?
A – Quando cheguei, a equipa já estava praticamente montada e a ganhar. Essa foi a equipa mais forte em que trabalhei, em termos de qualidade do elenco. Cheguei muito jovem, à procura do meu espaço, e o Benfica sabia do meu potencial e qualidade. Nos jogos em que joguei, procurei sempre ajudar.

MF – Na segunda época acabou por fazer mais jogos [28], mas foi para esquecer no plano coletivo. Havia um grande FC Porto, que venceu o Benfica várias vezes.
A – É sempre complicado jogar num clube grande e não ganhar nos clássicos. Isso causa tristeza nos adeptos e nos jogadores. Acho que a diferença entre as duas equipas não era tão grande. Eles estavam num momento melhor, mas o nosso plantel talvez fosse melhor do que o deles.

MF – O que faltava, então? Confiança nesses jogos com o FC Porto?
A – Não acho que fosse confiança. Mas fizemos jogos infelizes, sobretudo contra eles, porque ganhávamos os outros.

MF – Derrota a abrir a Supertaça, 5-0 no Dragão, eliminação na Taça e derrota na Luz no jogo que dá o título ao FC Porto. Neste último jogo, o Airton até foi titular. Como estava o ambiente entre os jogadores no fim?
A – Ver o nosso rival ser campeão dentro do nosso estádio foi muito triste. Ficámos todos muito abatidos. Foi a primeira vez que aconteceu comigo e senti bastante, porque era muito jovem e não tinha muita experiência.

MF – No final dessa época acabou por voltar ao Flamengo. Era algo que queria?
A – Fiquei feliz por poder voltar para o Flamengo, o clube que me revelou para o futebol. Mas claro que queria ficar mais tempo no Benfica: se pudesse, tinha ficado até hoje. Mas foi um regresso muito bom num primeiro momento.

MF – Falou com Jorge Jesus antes de voltar para o Brasil?
A – Sim. Ele disse-me que eu era muito jovem e que tinha bastante potencial. Disse-me que queria que eu tivesse mais minutos de jogo e que por isso é que tinha pedido para que eu fosse emprestado. Disse-me que voltaria se eu fizesse um bom ano no Flamengo.

MF – Isso ficou acordado?
A – Sim. Eu até cheguei bem ao Flamengo, só que acabei por ter uma lesão. Parei algum tempo e isso dificultou a minha sequência de jogos. Houve a possibilidade de voltar, mas depois acabei por ir para o Internacional. Fiquei lá um ano e depois fui para o Botafogo e rescindi o meu contrato com o Benfica.

MF – Quais são as melhores memórias que guarda desse ano e meio no Benfica?
A – A festa no Marquês. Fiquei surpreendido, não esperava tanta gente a comemorar. O Benfica também estava há alguns anos sem ser campeão e foi gratificante eu ter jogado no jogo do título.

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(entrevista originalmente publicada às 23h50 de 08/05/2020)

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