Marafona: «O meu treino é às 16 horas, não sei a que horas é o dos outros» - TVI

Marafona: «O meu treino é às 16 horas, não sei a que horas é o dos outros»

Entrevista ao guarda-redes internacional português do Alanyaspor – Parte I: Marafona volta a trabalhar esta quarta-feira no centro de treinos, apesar da pandemia de covid-19 e da suspensão do campeonato turco

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Um dos heróis da Taça de Portugal do Sp. Braga em 2016. Uma II Liga pelo Moreirense. Ainda Varzim, Marítimo, Desp. Aves e Paços de Ferreira. E a estreia na seleção nacional, duplamente «marcante»: 28 de março de 2017, Portugal-Suécia no Funchal, no dia de aniversário do filho.

Aos 32 anos, após grave lesão em 2017, seguida de uma época sem jogar, com recuperação longa à rotura do ligamento cruzado anterior do joelho direito, Marafona ficou tapado nas opções de Abel em Braga e rumou ao Alanyaspor, da Turquia, em 2019.

À primeira experiência no estrangeiro, a felicidade de novo na baliza. É um dos sete totalistas do campeonato: 26 jogos, 2340 minutos. O segundo mais utilizado do plantel em todas as provas. Na mira, a conquista da Taça turca e a melhor classificação do clube. No meio da pandemia de covid-19, que já registou mais de 1.850 infetados e pelo menos 44 mortes no país, Marafona vai continuar a treinar a partir desta quarta-feira em Alanya, apesar da suspensão do campeonato. O derradeiro treino tinha sido na última quinta-feira.

Do dia em que quase esteve «ao abandono» em Istambul, aos militares nas ruas de Gaziantep perto da fronteira com a Síria, as memórias do Jamor e uma ida quase certa, não concretizada, para o Olympiakos.

Entrevista a Marafona - Parte II: «Salvador disse-me que a única pessoa que não me queria no Braga era Abel»

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Maisfutebol (MF) – Primeira experiência fora de Portugal, aos 32 anos. Como aparece a Turquia, o Alanyaspor?

Marafona (M) – Devido à última época menos conseguida no Sp. Braga, optei por emigrar. Foi através de um empresário que trabalha com o Alanyaspor, costumava ir ver os jogos do Sp. Braga. Dos poucos que viu, gostou e convidou-me.

MF – Há vários portugueses na Turquia. O Candeias já tinha passado pelo Alanyaspor. Aconselhou-se com algum colega antes do acordo?

M – Sim. Era um país que não conhecia. Mas, felizmente, tinha aqui o Baiano [ndr: ex-colega no Sp. Braga] e o Djalma [ex-colega no Marítimo]. Pude fazer as minhas perguntas e decidir. Tendo ex-companheiros num país diferente, num clube diferente, ajudou imenso.

MF – Houve proposta para continuar no Sp. Braga? Teve outras?

M – Houve uma abordagem inicial do Sp. Braga para a continuidade, mas depois o treinador, o Abel, não contava comigo. Não avançámos. Tinha possibilidade de continuar em Portugal, mas financeiramente vir para fora era melhor.

MF – O que implicou a nível pessoal e familiar a mudança? Tem dois filhos, mulher…

M – Sair da zona de conforto e experimentar novas aventuras. Obviamente tive de trazer a minha mulher, os meus filhos. Uma realidade diferente, adaptámo-nos bem. O meu filho mais velho está numa escola de inglês e turco. A pequenina ainda fica em casa com a mãe.

MF – Como foi o primeiro dia no Alanyaspor?

M – Não vou mentir: o primeiro impacto não é fácil, mas depois acabas por habituar-te. Cultura e maneira de pensar são diferentes. Mesmo na organização. Vens habituado a uma coisa e tens de mudar.

MF – Metade do plantel é turco. O treinador também, apesar de haver várias nacionalidades. Como é a comunicação?

M – Tenho um tradutor, mas raramente se fala turco. É quase sempre inglês. O treinador fala inglês. Quando se fala em turco, há o tradutor.

MF – O que já sabe em turco?

M – Não é fácil. Mas já digo umas coisinhas. Günaydin (português: bom dia). Palavras básicas.

MF – Titular, 31 jogos. Utilização não vista nos últimos dois anos no Sp. Braga e perto das melhores épocas da carreira. Em que ponto estão as expectativas face ao que esperava?

M – O principal objetivo, além do financeiro, era voltar a jogar. Até agora, tenho-o feito bem e tenho conseguido bons jogos. A nível pessoal e coletivo, um bom campeonato.

MF – A Federação turca (TFF) foi uma das últimas a suspender a liga. Fê-lo a 19 de março. Ainda jogaram no dia 14, quando muitos países já tinham parado devido à covid-19. O Obi Mikel até rescindiu com o Trabzonspor. Jogaram com receio?

M – Na Turquia ainda era recente. Havia três casos, penso. Vendo as notícias, acabas por ter um bocado de receio. Mas somos profissionais. Tivemos de jogar.

MF – A paragem estendeu-se ao Alanyaspor? Continuam a treinar?

M – Vamos voltar a treinar, mas não o grupo todo. Três ou quatro numa hora, três ou quatro noutra. Para eles quererem treinar, estou a dar a minha opinião, é porque sentem que a Liga (TFF) não tem muita vontade de parar. Espero que não, mas acredito que se tiverem possibilidade de prosseguir com o campeonato, na minha opinião, vão prosseguir. É a minha opinião, acho que eles não querem parar. A preocupação é geral. Não sei o que vai acontecer.

MF – Quando voltam aos treinos?

M – Eu começo amanhã [quarta-feira]. Há pouco, falava da organização. Por exemplo, o meu treino é às 16 horas, mas não sei a que horas é o dos outros. Possivelmente vou treinar com os outros guarda-redes. No centro de treinos têm quartos individuais, para não utilizar o balneário. Equipamo-nos no quarto, vamos para o treino. Acaba, banho no quarto, não se pode comer no clube. E voltamos para casa.

MF – O Alanyaspor está no sexto lugar, à espreita dos lugares europeus, em vantagem nas meias-finais da Taça. Está a ser uma época positiva?

M – Penso que sim. O Alanyaspor está há poucos anos na liga [ndr: desde 2016/2017]. Tem tido crescimento grande. Se continuar assim, apesar deste problema, poderá fazer a melhor época da sua história [melhor foi o nono lugar, em 2019]. Só por isso, época positiva.

Marafona leva 31 jogos em 2019/2020 pelo Alanyaspor. É o habitual titular (Foto: Alanyaspor)

MF – É objetivo vencer a taça? E há um lugar a atingir no campeonato?

M – Não temos um lugar definido. Vamos jogo a jogo, para ganhar. A Taça é objetivo assumido por todos, poderíamos chegar à final. Estamos perto.

MF – Há estádios clássicos pelo ambiente na Turquia. Já foi aos recintos de Besiktas ou Galatasaray. Como é jogar nesses estádios?

M – É o que todo o jogador gosta. Estádios cheios, muito barulho. Espetacular. Nesse aspeto, a Turquia, principalmente nesses estádios, é extraordinária.

MF – São nove meses na Turquia. Já viveu alguma situação mais caricata ou arriscada?

M – No início, quando viemos de um estágio, fomos para um hotel. Tínhamos de sair ao meio-dia e só voltar no dia a seguir, às 17 horas. Eu nada conhecia, estava há pouco tempo aqui, em Istambul. Ao meio-dia, perguntei para onde iríamos. Disseram que tinha de safar-me. Ia haver um dia de folga, mas a partir do meio-dia cada um tinha de responsabilizar-se para onde queria ir e só tinha de voltar no dia a seguir, às 17 horas, ao hotel. A coisa disto é que eu nada conhecia. Não tinha ninguém, estava ao abandono.

MF – Como resolveu a situação? Havia uma noite pela frente…

M – Acabei por reservar um quarto para mim e ficar por lá. Os outros já sabiam como isto funciona e já se organizaram se outra maneira.

MF – Vive em Alanya, na Riviera turca, sudoeste do país, à beira-mar. Como é a vida aí? A cultura, a gastronomia, os hábitos…

M – Alanya é uma cidade tranquila, nesta altura não tem muita gente. É uma cidade turística. Daqui a um mês, se calhar, já a vemos cheia. É pacata, há bom tempo, vive-se bem, sem problemas. A religião é diferente, gastronomia também. Aqui, por exemplo, não existe carne de porco. Principalmente na gastronomia, há pratos que deixam alguma saudade, que aqui não dá para fazer. Uns rojões, um arroz de cabidela, essas coisas.

MF – Qual foi a coisa mais esquisita que comeu?

M – Aqui a nada obrigam, mas têm a carne deles, não estamos habituados, é diferente da nossa e custa um bocadinho mais a engolir (risos). O kebab é o menos. Agora, carne de ovelha, carneiro, é mais complicado.

MF – Sobre a questão da prevenção da covid-19, já há condicionamentos?

M – Já se vê as pessoas, nas lojas, com desinfetantes e máscaras. Talvez, no fim desta semana, vão começar a fechar estabelecimentos. Faço a minha vida normalmente, mas sem sair de casa. As escolas estão fechadas. Agora, restaurantes, cafés, lojas, está tudo aberto.

MF – Crê que as competições esta época vão acabar? Até pela continuidade dos treinos…

M – Pela insistência e persistência que mantém, principalmente nos treinos, penso que, tendo uma abertura, vão continuar a liga. Mas é a minha opinião, não sei se vai acontecer.

MF – Tem contrato até 2021. Pretende ficar aí mais tempo?

MF – Penso em cumprir o meu contrato. Tenho outras coisas pendentes. No meu último ano de contrato, o meu filho entra para a escola primária. Vou pensar se depois é ou não para continuar na Turquia.

MF – Já teve vários avançados pela frente na Turquia. Radamel Falcao, por exemplo. Houve algum mais complicado de encarar?

M – O campeonato turco tem bons avançados. Mas não vejo um que se distancie dos outros.

MF – Que diferenças aponta no estilo e no método do futebol português para o turco?

M – O português é mais organizado, taticamente mais difícil. Aqui joga-se mais para o espetáculo. Uma equipa, se estiver a ganhar 3-0 ao intervalo, não escandaliza que vá perder o jogo. Aqui é mais aberto, não tão tático.

MF – Sente saudades de Portugal?

M – Há dias e momentos em que bate saudade. Amigos e a família. Falo quase todos os dias com a minha família.

MF – A Turquia vive por vezes alguma instabilidade política e social. Já viveu ou presenciou alguma situação mais perigosa?

M – Não. Até já fomos jogar àquele clube que fica na fronteira com a Síria, o Gaziantep. Realmente, aspeto não é muito bonito, mas nunca presenciei nada especial.

MF – Não sentiram problemas ou tensão?

M - Sente-se sempre aquela tensãozinha, porque naquela cidade, praticamente de dois em dois quilómetros, tem militares, tanques. Coisas que nós, portugueses, não estamos habituados a ver na rua. Foi a cidade, à primeira vista, que mais custou ir.

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