«No Benfica celebrei um golo do Sporting e o Bernardo Silva não gostou» - TVI

«No Benfica celebrei um golo do Sporting e o Bernardo Silva não gostou»

Entrevista a Batis Candé, antigo avançado de leões e águias, sportinguista assumido. Carreira foi interrompida por uma lesão grave e uma cirurgia mal sucedida em 2017. Ficaram as memórias.

Relacionados

A vida pode ser traiçoeira. Batis Candé tinha a promessa de uma carreira no futebol profissional pela frente quando se lesionou gravemente num joelho. A cirurgia para corrigir a rotura de ligamentos em setembro de 2017 correu mal e o antigo avançado de Sporting e Benfica não voltou a entrar num relvado. 

Batis jogou com Podence e Gelson Martins de 2010 a 2012 no Sporting, fez uma época com Bernardo Silva e Gonçalo Guedes no Benfica em 2012/13 e até foi oficialmente anunciado como reforço do Manchester City ainda antes de assinar pelas águias. Uma confusão que nunca lhe foi devidamente esclarecida pelo seu antigo empresário, Catió Baldé.

Depois de aceitar o adeus ao futebol, Batis agarrou as memórias e fala dos dois anos a viver na Academia de Alcochete, a passagem pelo Manchester City e o desvio para o Benfica, bem como o dia em que festejou num estágio das águias um golo do seu Sporting. 

PARTE I: Jogou no Sporting e no Benfica, erro médico atirou-o para o desemprego


Maisfutebol - Com que idade veio para Portugal, depois de nascer na Guiné-Bissau?
Batis Candé - Tinha 15 anos quando cheguei a Portugal para jogar no Sporting. Em Bissau jogava na academia do empresário Catió Baldé. Eu não o conhecia, mas ele visitou a academia e deu-nos uma palestra. No final perguntou quem era o Batis. Disse-me que já tinha ouvido falar de mim e que o Benfica estava a precisar de um avançado. Passado algum tempo, o Jean Paul, antigo diretor da academia de Alcochete, esteve em Bissau e disse-me que o Sporting também me queria. Acabei por vir para o Sporting e vivi dois anos na academia. O meu colega de quarto era o Carlos Mané. É um rapaz cinco estrelas. Como não ligava muito à televisão, deixava-me ficar com o comando.

Que memórias guarda dos dois anos de leão ao peito?
Sempre fui sportinguista, realizei o sonho de jogar lá. Não é fácil sair da Guiné e entrar num clube tão grande. Eu não falava corretamente a língua portuguesa, a comida era diferente, toda a família estava longe… chorava muito, todos os dias. Comecei nos Sub16 com o Gelson Martins, o Daniel Podence, o Ricardo Tavares, o Francisco Geraldes, o Mauro Riquicho, uma equipa de craques.

Quem foram os seus treinadores no Sporting?
No primeiro ano foi o mister Nuno Santos e no segundo o José Lima. Os meus colegas diziam que o mister Lima era o meu pai (risos). Eu às vezes fazia birras sem necessidade, ele chamava-me a atenção, mas depois no dia de jogo lá estava eu a titular.

Que tipo de avançado é o Batis?
Gosto de descair para a esquerda, sou forte no um para um e gosto de procurar o choque com os defesas. Não sou esquerdino, mas sempre fiz muitos golos de pé esquerdo.

Qual foi o jogador que mais o impressionou no Sporting?
Se falarmos só de talento, o Tiago Fernandes. Não sei onde ele está a jogar atualmente [em julho de 2019 estava na Islândia]. Era o nosso número dez, um craque. Depois tínhamos o baixinho Podence, a quem ninguém tirava a bola, o Gelson Martins e o Eusébio [jogador do Rapperswill, na Suíça]. Eram muito rápidos. Mas o Podence e o Tiago Fernandes eram craques. O Chico Geraldes também era muito bom, rematava de qualquer lado. Mas o que mais me impressionou foi o Tiago. Era um bocado lento, não se esforçava muito, é pena. No meu primeiro ano era sempre titular, mas depois passou a jogar menos vezes, a perder espaço. Era o Bernardo Silva do Sporting.

Sem os seus pais, quem cuidou de si em Portugal?
As pessoas do Sporting. As senhoras que trabalhavam na academia vinham ver se eu ia à escola, se cumpria os horários, faziam de mãe. Os meus dias começavam às sete da manhã, às 7h30 era o pequeno-almoço e às oito saía o autocarro para a escola. Voltávamos às quatro da tarde, lanchava, ia à sala de estudo e o treino começava por volta das seis. Os jogos eram ao domingo, ou ao sábado. Essa era a parte mais dura. Os jogos acabavam e depois os jogadores iam almoçar com os pais. Para mim era muito, muito complicado não ter os meus pais comigo.

Como é que geria essa ausência?
Com os colegas que estavam na mesma situação. Uma vez jogámos contra o Belenenses e no final do jogo só quatro jogadores é que entraram no autocarro: eu, o Gelson, o Núrio Fortuna e o Riquicho. Os outros foram almoçar com os pais. O Núrio começou a brincar com a situação e eu só tinha vontade de chorar. A minha mãe continua na Guiné e o meu pai está no Luxemburgo. É difícil gerir a saudade e isso reflete-se no nosso rendimento. É importante ter alguém ao nosso lado para nos dizer o que devemos ou não fazer.

Jogava com regularidade no Sporting?
Sim, nos Sub17 fiz 28 golos no campeonato e só falhei dois jogos.

Mesmo assim saiu do Sporting. Porquê?
Perguntam-me sempre isso, ainda por cima sendo eu sportinguista. Não sei explicar. Eu fazia aquilo que me mandavam [os empresários]. Fiz uma boa época nos Sub17 e o Manchester City interessou-se por mim, disse-me o empresário Catió Baldé. Tinha o sonho de jogar lá e fui lá treinar com eles. Fiz a pré-época com os Sub18 do City.

Nunca assinou contrato?
Nunca assinei, apesar de o clube ter anunciado isso. Certo dia, de manhã, fui tomar pequeno-almoço e os meus colegas deram-me os parabéns. Um rapaz brasileiro, o Gabriel, disse-me que tinha acabado de sair no site oficial do clube essa notícia. Eu não sabia de nada, nunca assinei. O treinador do City falou comigo no mesmo dia, comigo e com o Jorge Intíma, e pediu para irmos ter com a equipa à Alemanha, para o final da pré-época. Dois dias depois, o Catió Baldé ligou-me a dizer que eu ia para o Benfica. Perguntei-lhe sobre o City e ele disse-me que o Benfica já me queria há muito tempo e que era melhor para mim ficar em Portugal.

E foi assim que trocou o Sporting pelo Benfica. Sem nunca ter assinado pelo City.
Foi uma surpresa para todos. Dias depois fui com o Benfica para um torneio na China e um empresário conhecido viu-nos no aeroporto. Perguntou-me quando iria para Manchester e eu expliquei-lhe o que se estava a passar. Não sei, até hoje, porque não joguei no City e assinei pelo Benfica.

O senhor Catió Baldé continuou a ser o seu empresário?
Não, não, deixou de ser há muito tempo. Acabei por saber algumas coisas e rompemos. Quando saí do Wolverhampton deixei de trabalhar com ele.

Ainda passou pelo Wolverhampton?
Sim, estive lá quatro meses depois de sair do Benfica. Em 2013.

O que encontrou no Benfica em 2012?
Cheguei lá e pensei que ia ser titular indiscutível. O grupo era fantástico, cheio de talento e as lesões não me deixaram jogar mais. Joguei menos vezes. Tive duas roturas musculares e uma lesão no quinto metatarso. Estive muito tempo parado. Na China fiz um bom torneio e no regresso o mister Luís Tralhão disse-me que ia ser titular da equipa. As lesões não ajudaram.

Deve ter boas histórias sobre esse ano no Benfica.
Lembro-me de um jogo em casa do Nacional da Madeira. O Gonçalo Guedes jogou na frente comigo e houve um lance em que ele não me passou a bola. Fiquei com azia e disse-lhe que até ao fim do jogo também não lhe ia passar a bola. Ele saiu e fez queixa de mim ao mister João Tralhão. Fui substituído por causa disso.

E essa equipa tinha o Bernardo Silva.
Foi o melhor futebolista com quem joguei em toda a carreira. Não digo isso por ele estar no City. Tínhamos o Cancelo, Bruno Varela, Hélder Costa, grande equipa. Esses três dias, por exemplo, treinavam muitas vezes com a equipa B e depois jogavam pelos Sub19. O Bernardo Silva treinava todos os dias connosco. Nessa viagem para a Madeira cruzámo-nos com o Sporting no avião, o treinador era o mister Sá Pinto.

Falou consigo?
Sim, ele conhecia-me bem. Ficava sempre contente quando falava com essas pessoas do Sporting. Aliás, depois do nosso jogo ficámos no hotel à espera do final do jogo do Sporting contra o Marítimo, porque íamos voltar todos juntos para o Continente. Estávamos a ver o jogo deles e perto do fim o Sporting marcou. Eu, com a emoção, gritei logo ‘golo!’. O Bernardo Silva não gostou e perguntou-me logo: ‘És do Benfica ou do Sporting? Se estás no Benfica não te podes manifestar em golos do Sporting!’. O mister João Tralhão chamou-me e perguntou-me se eu era benfiquista ou sportinguista. Eu disse que era benfiquista, mas ele insistiu e eu disse a verdade. ‘Olha, aqui os teus colegas já sabem disso, mas tens de ter cuidado, há coisas que deves evitar’, disse-me ele. Ainda tive a felicidade de treinar uma vez com a equipa principal do Benfica. Luisão, Gaitán, Maxi, Aimar. O Aimar é o meu ídolo e ainda tenho aqui uma camisola oferecida por ele.

O Jorge Jesus teve alguma conversa consigo?
Não. Aliás, isso foi num sábado. Eu treinei com a equipa principal de manhã e pensei que à tarde já não jogaria pelos juniores. Fui para o meu quarto, mas ainda acabei por entrar à tarde e fazer um golo ao Coimbrões. Treinei pelos seniores de manhã e marquei pelos juniores à tarde. Foi pena só ter ficado um ano. Fui a um torneio em Espanha e fui o melhor marcador com quatro golo. Nesse torneio estava o Real Madrid, por exemplo. O melhor jogador do torneio foi o Enzo, o filho do Zidane.

E como surge então o Wolverhampton?
As pessoas mandavam-me fazer e eu sabia. Foi assim. Fui eu e o Eusébio, andámos sempre juntos. Ficámos quatro meses a treinar, mas não assinámos contrato e fomos para clubes menores em Inglaterra.

Continue a ler esta notícia

Relacionados