Tiago Dantas, 18 anos, está às portas da equipa principal do Benfica. Não estabelece prazos, mas diz que espera lá voltar, depois de ter feito a pré-época às ordens de Bruno Lage, um treinador que o conhece muito bem. O médio criativo, que até já esteve perto do Manchester City, diz que está «num dos melhores da Europa» para se fazer jogador. Hoje, sabe bem o que quer – «ganhar a Liga dos Campeões pelo Benfica» – mas já esteve perto de trocar o futebol… pelo xadrez.
Maisfutebol - Como se apresenta como jogador?
Tiago Dantas - Sou um jogador elegante, que as pessoas gostam de ver jogar, um jogador que gosta que ele e a sua equipa tenham bola, a bola é coisa mais importante para mim durante o jogo. Sou um daqueles jogadores que as pessoas vêm ao estádio para ver.
MF - Jogadores mais técnicos e criativos, como se define, fazem falta ao futebol?
TD - Sim, hoje o futebol é mais físico e cada vez é mais raro existir este tipo de jogadores, mas, aqui no Benfica, as pessoas dão muita atenção ao individual e à qualidade do jogador.
MF - Tem 1,69 e 58 kg. Alguma vez teve problemas com a estrutura física no futebol?
TD - Aqui no Benfica, as pessoas sempre foram muito honestas comigo. Nunca puseram em causa a minha qualidade por ser mais baixo ou menos forte do que outros. Aqui as coisas sempre foram fluindo da forma mais correta, na minha opinião.
MF - E a prova disso é que está no Benfica há 14 anos (tem 18 de idade). Há alguém, atualmente no clube, com mais anos de Benfica do que o Tiago?
TD - O presidente talvez (risos)… Eu entrei aos quatro anos, comecei a jogar futebol aos três, e tenho vindo a percorrer todos os escalões no clube. Sinto-me muito privilegiado por fazer este percurso, já vi muitos jogadores a entrar e a sair do clube, e isso muitas vezes não é fácil, porque perdemos o contacto com pessoas que se tornam amigas.
MF - É de Tires, por isso percorria quase 80 kms todos os dias para treinar. Como recorda essa altura?
TD - Os meus pais ou meus avós iam-me buscar à escola e levavam-me, inicialmente, até ao campo dos Pupilos do Exército (junto ao Estádio da Luz). Quando começámos a vir para o Seixal, havia uma carrinha que nos trazia dos Pupilos, mas a partir dos sub-14 comecei a vir de transportes públicos. Saía da escola, apanhava o comboio, depois o barco, e fazia o resto do caminho a pé. Para casa, era o inverso.
MF - Já que falamos da infância, trouxe, para esta entrevista, um tabuleiro de xadrez porque sei que jogava quando era mais novo…
TD - Na minha escola era obrigatório ter aulas de xadrez, era uma paixão que eu tinha, e houve um momento em que cheguei a ponderar o que queria fazer: ou jogava futebol ou xadrez. Cheguei a falar com os meus pais e com o meu treinador na altura, que era o Nuno Azevedo, e ele, bem, aconselhou-me a ficar no futebol, que era o que estava certo. Mas adorava jogar xadrez, cheguei a participar em campeonatos nacionais.
MF - E hoje, se não fosse jogador de futebol, o que seria?
TD - Eu gosto muito de jogar ténis... É um hobby que tenho, procuro jogar sempre que tenho oportunidade, passo tardes e noites a ver o Estoril Open e outros torneios. Nas folgas costumo jogar ténis ou padel.
MF - Reconhece esta pessoa?
TD - É a minha irmã, joga no Sporting, e também na Seleção…
MF - Como é lá em casa? O Tiago joga no Benfica, a Joana no Sporting…
TD - Há que respeitar, ela está no Sporting, dá tudo pelo clube, honra a camisola, mas não falamos muito de futebol em casa. Falo mais com o meu pai. Já passamos tanto tempo fechados nos centros de estágios, e passamos tantas horas a pensar exclusivamente no futebol, por isso, em casa, temos de falar de outras coisas.
MF - Como é que recebeu a notícia de que ia fazer a pré-época com a equipa principal do Benfica?
TD - Estava de férias quando me ligaram a informar. Fiquei extremamente feliz, liguei logo aos meus familiares, ao meu agente. Estar ao lado de jogadores que idolatro foi o concretizar de um sonho.
MF - O que realça do que aprendeu naquele mês e meio a treinar-se sempre às ordens de Bruno Lage na equipa principal?
TD - Deu para perceber o nível que é preciso para estar no mesmo grupo daqueles jogadores. Na formação ensinam-nos muito, desde muito novos, para quando chegarmos a estes patamares estarmos preparados.
MF - Depois da pré-época voltou para a equipa B. Compreendeu essa decisão do treinador?
TD - A porta da equipa principal está aberta, mas não está escancarada. Temos de continuar a trabalhar e percorrer o nosso caminho. É um caminho individual, depende de jogador para jogador, temos de fazer as coisas bem porque as pessoas estão atentas - a direção, o treinador da equipa principal - àquilo que fazemos dentro e fora de campo.
MF - Já conhece Bruno Lage desde os tempos da equipa B. Que importância tem esse aspeto para os jogadores da formação?
TD - É bom ter uma pessoa com quem já trabalhámos num patamar superior. Acho que o Ferro, o Jota, o Florentino, e outros jogadores, que transitaram para a equipa principal em Janeiro passado, têm esse sentimento.
MF - Teve alguma espécie de padrinho na equipa principal?
TD - Quem me acolheu de forma especial foi o Pizzi. Ainda hoje falamos, trocamos algumas mensagens. É um grande jogador e um excelente ser humano…
MF - Vocês têm algumas semelhanças no estilo de jogo, jogam na mesma posição…
TD - Sim, pode dizer-se que sim…
MF - Já é o segundo ano na equipa B, com apenas 18 anos. Está cada vez mais preparado para enfrentar os desafios dos campeonatos profissionais?
TD - A transição de júnior para sénior foi mais difícil. Tinha vindo de uma lesão de três meses, fui para a equipa B e os primeiros dois meses foram complicados. Depois, começou o campeonato, fui utilizado muitas vezes, depois voltei para os juniores. Este é o ciclo que fazemos para estarmos preparados para quando chegar a oportunidade de me fixar na equipa principal.
MF – A UEFA Youth League, competição em que o Benfica tem tradição, é também um bom palco para os jovens jogadores, como o Tiago, que já tem três golos em três jogos?
TD - Sim, temos um grupo unido e competitivo, com um bom espírito. São jogadores dos sub-19, dos sub-23 e da equipa B que se juntam alguns dias antes dos jogos.
MF - Sente que está num dos melhores clube do mundo para se formar como jogador?
TD - Sem dúvida, o Benfica dá-nos todas as condições de que precisamos para singrar. Como disse há dias o Guga Rodrigues [do Famalicão], que passou pela formação do Benfica, só não dá jogador aqui quem não quer. É mesmo verdade. Aqui, todas as infra-estruturas são do melhor que existe, não sei se há muitos clubes na Europa com as condições que nós temos aqui. Só temos de aproveitá-las.
MF - Além disso que referiu, há muita proximidade entre direção e jogadores da formação. O presidente Luís Filipe Vieira passa muitas horas no centro de Estágios e fala constantemente sobre este projeto…
TD - Sim, é muito importante para nós que o presidente conheça cada vez mais os jogadores, que veja cada vez mais o que fazemos dentro do campo. Há uma ligação direta à restante estrutura e ao treinador da equipa principal.
MF - É difícil não encarar isso como uma pressão extra para confirmarem as expectativas que depositam em vocês?
TD - Cada um é como é. Não nos podemos comparar ao que outros já fizeram e é assim que vamos chegar longe, como eu espero chegar. O caminho certo é ser humilde, simples e dar o melhor de nós dentro do campo, para, quando acabar o jogo, irmos ter com as nossas famílias de consciência tranquila.
MF - O que significa para o Tiago o dia 10 de julho de 2019?
TD - O dia 10 de julho?
MF - O dia em que se estreou no Estádio da Luz, na pré-época, num jogo com o Anderlecht…
TD - Ah, como é que me esquecia (risos)…? Esse dia foi estranho, nunca pensei realmente em ter essa oportunidade, e entrar para o lugar do Jonas, que foi o jogador que foi no Benfica, a estreia no Estádio da Luz, que estava cheio, foi algo único. Tudo farei para voltar a competir nesse estádio.
MF - O que lhe disse o Jonas no momento em que saiu para entrar o Tiago?
TD - Ele estava muito emocionado, era a sua despedida do Benfica, desejou-me apenas boa sorte.
MF - Já tinha estado na Luz, com o estádio cheio, mas como adepto, ou apanha bolas, a entrar de mão dada com os jogadores…
TD - Cheguei a entrar no estádio agarrado ao Miccoli…Foram várias as vezes em que entrei de mão dada com jogadores da equipa principal, e recordar esse tempo, ver a evolução que tive até entrar como jogador do Benfica na Luz, é incrível.
MF - Tem feito tudo o que está ao seu alcance para se fixar na equipa principal do Benfica?
TD - Penso que tenho feito as coisas bem, as pessoas têm-me dito isso e só tenho de continuar assim.
MF - Estabelece algum prazo para lá chegar?
TD - Não ligo a isso. Se tiver um prazo na cabeça, e depois falhar o objetivo, podia pensar que as coisas não estavam a correr bem. Mais vale não criar essas expectativas e continuar a fazer o meu caminho porque as coisas vão acontecer.
MF - Mas essas expectativas em relação ao Tiago já estão criadas. Já se escreveu que pode ser o sucessor de João Félix… Como é que lida com essas comparações?
TD - É uma questão de nos abstrairmos, às vezes não é fácil, porque hoje em dia a informação chega de todo o lado. Mas as pessoas do Benfica, sobretudo da área da Psicologia, aconselham os jogadores a tentar abstraírem-se desse tipo de notícias, que temos de encarar como aspetos extra que não nos favorecem.
MF - Na sua opinião, o João Félix é o maior talento que passou pela formação do Benfica?
TD - Daqueles com quem joguei e que vi jogar, o Félix é, sem dúvida, um dos melhores. Não me surpreende o que ele tem feito, tem muita qualidade, muito à-vontade à frente da baliza, e isso faz dele o jogador que é.
MF - Qual é o seu maior sonho no futebol?
TD - Ganhar uma Liga dos Campeões no Benfica e ser campeão do Mundo por Portugal.