«Vivo obcecado por ser melhor treinador de futebol» - TVI

«Vivo obcecado por ser melhor treinador de futebol»

Entrevista a Daniel Ramos, treinador do Santa Clara - Parte I

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O Santa Clara está a fazer a melhor época de sempre. Nunca, à 18º jornada, o emblema açoriano chegou com 25 pontos e num confortável sétimo classificado. Exceção feita ao sensacional Paços de Ferreira, a equipa de Daniel Ramos é aquela que mais está a surpreender pela positiva na Liga - isto, claro, se não quisermos referir o líder Sporting.

Para falar sobre o excelente trabalho nos Açores, o treinador vilacondense abre a porta ao Maisfutebol e responde a tudo durante 90 minutos. A qualidade do futebol, os jogadores vendidos, a ideia de jogo, as limitações de um clube insular, enfim, uma conversa descomplexada com um dos treinadores mais interessantes do campeonato português. 

Sabia, por exemplo, que o plantel do Santa Clara tem de partilhar espaços de treinos com alunos de uma escola secundária em algumas sessões de trabalho?


PARTE II: «Não me vou enganar, o Morita tem um futuro brilhante»

PARTE III: «Não é por ganhar uns jogos que vamos beber duas cervejas»

PARTE IV: «Comecei a jogar nos seniores com 13 anos»

Maisfutebol – Estava nos seus planos voltar ao Santa Clara, quatro anos depois?
Daniel Ramos – A minha vinda era um desejo antigo por parte da estrutura do Santa Clara. O presidente [Rui Cordeiro] e o Diogo Boa-Alma [diretor desportivo], que tinham trabalhado comigo já em 2016, ligavam-me anualmente e perguntavam quando é que eu regressava ao clube. No final da época anterior abordaram-me, resolvemos as coisas e decidi voltar. Acho que tinha deixado cá uma boa imagem, um ótimo trabalho, mas um trabalho por acabar. Eu estive cá quatro meses e saí para o Marítimo, para me estrear na I Liga. O processo foi correto e ficámos amigos. Partilhámos essa amizade em todos estes anos. Por isso voltei, para dar continuidade ao que esperavam de mim. Sentia e sinto que sou bem-vindo a este clube. E sinto-me apoiado. No futebol isso é essencial, porque ao longo da época passamos por ciclos negativos, por maus resultados, e é fundamental o apoio de quem dirige ao treinador.

MF – No futebol português isso é praticamente um oásis no meio do deserto.
DR – Percebo o que diz. No Santa Clara tenho dirigentes que são amigos e que gostam de falar comigo, de me dar apoio nos momentos em que a equipa não está tão bem. Esse aspeto foi decisivo para regressar a Ponta Delgada. Mas também percebi que o clube evoluiu muito nestes quatro anos, há diferenças significativas. É um clube mais profissional e mais preparado para responder às exigências do principal escalão português. Mesmo assim, todos sabemos que há ainda margem para evoluir e melhorar no clube. Quero ajudar o clube a crescer neste ano de centenário. Pretendo aliar o lado desportivo ao lado familiar. Gosto de me sentir bem no dia-a-dia, gosto de trabalhar num ambiente bom.

MF – O que lhe pediu a SAD do Santa Clara para a época 2020/21?
DR – Pediu-me duas coisas. A manutenção sem sobressaltos, para que o coração não ande sempre preocupado (risos), e a valorização de ativos. O Santa Clara não corta as pernas aos seus atletas, gosta e tem necessidade de fazer vendas e precisa de retorno financeiro. A SAD pediu também a minha colaboração nesse aspeto. As receitas neste período de pandemia são curtíssimas e vender atletas é preponderante. Queremos a melhor classificação possível [o nono lugar em 2019/20 é o melhor registo de sempre], queremos viver longe dos lugares perigosos e valorizar atletas. Até agora estamos a cumprir em absoluto com isso. Fizemos uma boa primeira volta e cumprimos todos os objetivos intermédios que tínhamos: queríamos chegar aos 20 pontos a meio da Liga e conseguimos chegar aos 22. Estamos a aliar bons resultados a boas exibições, estamos no bom caminho.

MF – O seu antecessor [João Henriques] queixava-se da falta de um bom campo relvado para treinar. Isso já foi resolvido?
DR – Esse é um dos problemas que o clube tem. Não vou ser queixinhas, mas é um problema. Nós temos o relvado principal - é muito antigo e acredito que um novo tapete esteja em equação – e depois os espaços de treino não são propícios. Treinamos em dois relvados que pertencem a escolas e no período escolar temos os miúdos a treinar ao mesmo tempo do que nós. Várias turmas. Temos esse entrave. São espaços municipais, temos de solicitar autorizações. Raramente treinamos dois dias no mesmo relvado. Temos três espaços para trabalhar e todos muito diferentes entre si, com pisos diferentes. Isso aumenta logo o risco de lesões. Mas eu, ao vir para cá, já sabia que era assim. E enquanto não for possível ser melhor, será assim.

MF – Há perspetivas realistas para melhorar as infraestruturas do Santa Clara?
DR – Sim, há a perspetiva de ter uma academia. Tem de ser encontrado o espaço certo para que essa academia arranque. Isso permitirá dar um salto qualitativo muito grande e ter, por exemplo, uma equipa B ou de sub23. Nós não temos. Temos o plantel principal e depois os sub19, mas a competitividade do campeonato dos juniores não é muito grande. É difícil ter jogadores sub19 preparados para responder bem numa chamada à equipa sénior. Gostávamos de ter essa equipa intermédia para valorizar ainda mais a formação do Santa Clara.

MF – Tem 50 anos e cinco épocas de I Liga. Sente-se preparado para agarrar um projeto que implique a luta pelo campeonato nacional? Em Portugal ou noutra liga?
DR – A resposta é clara: sim. Preparado, sem dúvida, estou. Já tenho mais de 600 jogos como treinador. Venho de uma carreira de duas décadas e sinto-me orgulhoso neste progresso, nesta caminhada. Longa, sim, mas sustentada. Adquiri muita experiência nas outras divisões e na I Liga. Isso permite-me dizer que estou preparado. Sinto capacidade de dar uma boa resposta num clube grande. Pelo progresso, pelas vivências, pelas dinâmicas do dia a dia. Terá de haver adaptação e algum jogo de cintura para as adversidades e as exigências num patamar superior. Quem trabalha na adversidade, como trabalhei eu em tantos momentos, é capaz de reagir bem a isso. E não nos podemos esquecer que os melhores clubes nos dão ferramentas que os outros não dão. Há pressão, claro, mas trabalhamos com as condições perfeitas.

MF - Pensa nisso regularmente?
DR - Em chegar a um 'grande'? Não vivo obcecado com isso, mas sinto-me obcecado em ser melhor treinador de futebol. Sinto-me orgulhoso até por mostrar o meu trabalho a treinadores que pedem para estagiar comigo. E eu não tive isso, tive de vasculhar tudo, de diferentes formas. Passo muita informação, se calhar demasiada. Mas isso também me obriga a renovar-me e a melhorar.

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