Pedro Martins: «Nos anos 90 o futebolista pisava muito o risco» - TVI

Pedro Martins: «Nos anos 90 o futebolista pisava muito o risco»

Pedro Martins

Entrevista ao treinador do Olympiakos - Parte III

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Os três anos de leão ao peito deram a Pedro Martins uma perspetiva importante sobre o que deve ser o comportamento de um profissional de futebol.

Nesta entrevista ao Maisfutebol, a poucos dias de defrontar o Arsenal com o seu Olympiakos, o treinador português olha para o seu percurso como atleta e lembra episódios e nomes marcantes na década de 90. A década onde o futebolista «pisava muito mais o risco». 

Oportunidade ainda para voltar ao princípio de tudo e falar dos pais, da loja da família, dos dois irmãos e da avó. Uma visita guiada pelas memórias de Santa Maria da Feira e por um coração entregue ao Feirense.


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Maisfutebol – Fez mais de 100 jogos pelo Sporting, mas só ganhou uma Supertaça em três anos. O Leandro, avançado que foi seu colega de equipa, admitiu ao Maisfutebol que o seu comportamento social não era bom. Isso explica o insucesso?

Pedro Martins – Às vezes encontramos excelentes grupos, mas esse grupo que tinha o Leandro não era um bom grupo [1997/98, Octávio Machado, Vicente Cantatore e Carlos Manuel foram os treinadores]. Havia qualidade, mas pouca ambição e pouca cultura e informação sobre o que era o Sporting. No ano anterior tínhamos lutado com o FC Porto pelo título, mesmo sem grandes nomes. Não havia estrelas, havia equipa de trabalho, ambição e querer. O Sporting quis mudar o paradigma e correu mal. Contratou jogadores que não faziam a mínima ideia do que era ter a responsabilidade de representar o clube.

MF – Consegue dar exemplos concretos?

PM – Contei essa história recentemente [ao Expresso]. Na véspera de um jogo em Faro, o meu colega de quarto quis sair à noite. Era um miúdo que tinha acabado de chegar ao Sporting. E eu avisei-o que não ia pactuar com esse comportamento, que estava ali para ganhar. Mas também tenho de dizer que foi a única situação desse género que vi. Nos anos 90, o futebolista pisava muito mais o risco. Hoje em dia há mais responsabilidade, apesar de vivermos numa sociedade com miúdos sem experiências de rua, de socialização. É um novo estilo de vida. Mesmo assim, o profissionalismo é maior e não é fácil ver as asneiras que eu via há 20 anos.

MF – O próprio treinador tem um apoio diferente, uma equipa técnica maior.

PM – Quando comecei como treinador principal [União de Lamas, 2006] eu próprio tomava conta do treino físico. Agora veja a minha equipa técnica aqui no Olympiakos: tenho mais quatro treinadores comigo no campo diariamente, um deles para o treino dos guarda-redes; depois tenho um treinador que está sempre no ginásio e trata da prevenção de lesões; tenho um fisioterapeuta que trabalha com atletas que estão a voltar de lesões; tenho um nutricionista que controla duas das três refeições mais importantes do dia, pois tomamos o pequeno-almoço e o almoço juntos. O acompanhamento é perfeito. Há quem trate das casas, das burocracias, mas o controlo também é maior e abrange até as horas de sono. Todos eles são importantes para ajudar o treinador a tomar decisões, mas não podemos ser reféns destas ferramentas que são importantes para o dia a dia.

MF – Gosta de comunicar depois dos jogos ou é apenas uma obrigação que tem de cumprir?

PM – Há momentos em que há desgaste físico, emocional e é violento ter de falar à comunicação social. Estamos mais chateados, a disponibilidade mental não é a mesma. Mas o pior é nas provas da UEFA. Acaba o jogo e temos de falar na flash a várias televisões e depois ainda na conferência de imprensa. É praticamente uma hora nisto. O desgaste é tremendo para o treinador. Depois da primeira e da segunda declaração, começa a ser violento. Por isso é que dizem que os treinadores dizem sempre a mesma coisa. Mas as questões também são quase sempre as mesmas. Podíamos pensar em dar mais voz a outros intervenientes, colocar também mais futebolistas a falar aos media.

MF – Voltando à sua carreira de futebolista. Consegue escolher os futebolistas mais talentosos que teve como colegas de equipa?

PM – Um é o Pedro Barbosa. Ainda bem que teve a coragem de tirar o cabelo. O que ele tinha já lhe estava a ficar mal (risos). O Pedro era um jogador acima da média. Fez uma carreira aquém do seu grande potencial.

MF – Era mesmo um craque?

PM – O Pedro era capaz de tirar um coelho da cartola nos espaços mais reduzidos. Só um jogador como o Pedro poderia fazer isso. Quando estava bem disposto, o Pedro era um jogador muito difícil de parar. Outro craque era o Assis, o irmão do Ronaldinho Gaúcho. Tinha uma canhota que fazia lembrar o Maradona. E o Ricardo Carvalho, no Alverca, já fazia a diferença. Era um jogador com um potencial incrível e percebia-se que ia ter uma grande carreira. Depois, mais tarde, adorei ver o Luís Fabiano no FC Porto. Vi poucos pontas-de-lança como ele. Era jovem, estava desadaptado ao processo de treino, mas tinha uma capacidade de finalização soberba.

MF – E depois havia o Dani. Foi seu colega no Sporting também.

PM – O Dani era um grande jogador, um talento único. Houve grandes transferências com o Dani porque toda a gente olhava para ele e via que era especial. Se eu disse que o Pedro Barbosa ficou aquém do que podia, o Dani ainda muito mais.

MF – Falemos da Seleção Nacional. Apesar de ter sido titular no Sporting três anos, o Pedro só teve uma internacionalização. Lembra-se bem desse jogo?

PM – Muito bem, foi um orgulho, um momento único [Irlanda do Norte, 26 minutos no lugar de Oceano em 1997]. O Artur Jorge deu-me essa oportunidade. Não fiz mais jogos, infelizmente, porque para o meio-campo as opções eram fantásticas. Percebi isso perfeitamente. Paulo Sousa, Paulinho Santos, Paulo Bento, Oceano, até o Barroso. Era difícil jogar mais vezes, até porque só um destes cabia na equipa titular.

MF – O Pedro estava na seleção no dia em que o Sá Pinto agrediu o Artur Jorge.

PM – Nem queríamos acreditar. O Artur foi de uma condescendência rara, desculpou mais tarde o Sá, mostrou enorme humanismo. O próprio Sá assumiu o erro. Acho que nem o ele queria acreditar no que fez.

MF – Vamos à sua infância. Quais as memórias mais fortes desses seus primeiros anos?

PM – A minha mãe tinha uma loja que vendia um pouco de tudo e a nossa casa ficava por cima. Ao lado ficava uma garagem onde o meu pai reparava motorizadas e bicicletas. Ele trabalhava num grande grupo empresarial do mundo automóvel e quando chegava a casa ainda ia para a sua pequena oficina. Mais tarde estabeleceu-se sozinho. Fomos criados com a minha mãe, a minha avó, uma família humilde.

MF – Era muito chegado aos seus pais?

PM – Sim, dos meus pais e da minha avó. Foi ela que me criou também. Nunca se opuseram à minha paixão pelo futebol. Tentaram subtilmente manipular-me e levar-me para o negócio deles (risos). Mas não mais do que isso. Todos perceberam muito cedo qual o caminho que eu queria seguir.

MF – Algum dos seus dois irmãos foi futebolista?

PM – Só nas camadas jovens do Feirense. Fui ver muitos jogos deles. E o meu pai foi dirigente do clube nos anos 70, na altura da primeira subida à I Divisão. Nasci no mundo artístico da bola (risos).

MF – O Feirense é o clube do seu coração?

PM – Sim, é um amor incondicional. É o clube da minha terra e onde, mais tarde ou mais cedo, voltarei. Não de forma profissional, talvez, mas quando regressar a casa será o clube que acompanharei. Na hora certa voltarei às minhas raízes.         

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