Tozé: «Quando saí de Guimarães fui abordado por um ‘grande’» - TVI

Tozé: «Quando saí de Guimarães fui abordado por um ‘grande’»

Entrevista ao futebolista português do Al Nasr, do Dubai – Parte I

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Aluno de excelência, Tozé possui uma das mentes mais estimulantes no mundo do futebol. A forma como o futebolista português do Al Nasr reflete sobre o estado do futebol, e sobre a própria carreira, é raríssima. Um tratado de lucidez para confirmar nesta entrevista ao Maisfutebol

Aos 28 anos, o médio formado no FC Porto vive o segundo ano seguido no Al Nasr, do Dubai, e está a gostar tanto que até já se imagina a ficar por lá mais uns anos. Mesmo que essa mudança para o Médio Oriente lhe tenha interrompido um período de franca afirmação em Portugal.

Nos dois últimos anos na nossa liga, Tozé fez 67 jogos e 20 golos entre Moreirense e Vitória de Guimarães. Um dos três grandes bateu-lhe à porta, mas a opção de carreira foi outra. 
  

PARTE II: «Acabei o secundário com média de 20, só baixei nos exames»

PARTE III: «Um DJ gastou 250 mil euros numa festa aqui no Dubai»

Maisfutebol – Entre 2017 e 2019 fez épocas de muito bom nível. Ao sair para o Dubai, e apesar do apelo financeiro, não temeu hipotecar a dimensão desportiva da sua carreira?

Tozé – Quando surgiu a proposta do Al Nasr pensei nisso, claro. Pondero muito sobre as minhas decisões. Sei que houve uma abordagem de um dos ‘grandes’ quando acabei o contrato com o Vitória, até porque era um jogador a custo zero e podia assinar com qualquer clube, e isso podia aproximar-me da Seleção Nacional. Se desse seguimento a essas duas boas épocas, e a jogar num clube grande, claro que poderia voltar a representar Portugal. É algo que adoro, tenho mais de 60 internacionalizações até aos sub21 [65 jogos, 9 golos], são muitos jogos a representar o meu país. Seria um sonho chegar à seleção A. Vamos ver. Estando aqui, tenho noção de que as coisas são mais difíceis. Mas posso voltar à Europa. Basta olhar para a história do José Fonte, que chegou muito tarde e já foi campeão europeu. Pensei muito nisso antes de optar pelo Dubai, claro, mas medi os prós e os contras. Há muitas coisas cá que me agradam, além da parte financeira. O estilo de vida, o bem-estar familiar, a qualidade de vida, a segurança. Acho que dei um passo certo.

MF – O tipo de futebol que o Tozé pratica encaixou bem no Dubai também.

T – Sou tecnicista, mas também muito competitivo. Gosto de recuperar bolas e lutar. Li uma entrevista do Luís Castro onde ele dizia que um jogador é pago para treinar e não para ser titular. Faz todo o sentido. Encaixo nisso, adoro treinar e juntar essa competitividade a tudo o que faço. Eles [Al Nasr] pensavam que vinha um dez só tecnicista, mas gosto de disputar duelos e lutar até ao fim. Acho que acabei por surpreender as pessoas de cá.

MF – Falou do Luís Castro. Foi o treinador que conseguiu fazer com que o Tozé melhor se expressasse em campo?

T – Acho que sim. É inevitável falar dele. Fiz duas épocas e 30 golos com o mister: 21 na equipa B do FC Porto e nove no Vitória. Com as assistências, acho que contribuí para mais de 40 golos. A forma como ele lidera enquadra-se com a minha forma de estar. Teve uma enorme influência na minha carreira.

MF – Do FC Porto B do Tozé há algum jogador que merecesse uma carreira superior?

MF – O Fredéric Maciel. Em relação ao que fez na formação e na equipa B, diria que merecia estar num clube maior do que tem atualmente [Lusitânia de Lourosa]. Essa equipa foi vice-campeã da II Liga e lembro-me de um jogo em que apresentou o seguinte onze inicial: Fabiano Freitas; Fucile; Abdoulaye, Mangala e Quiñones; Herrera, Carlos Eduardo e Quintero; Ricardo Pereira, Kléber e Tozé (risos). O Herrera fez alguns golos pela equipa B, estava a adaptar-se e depois acabou por ser capitão do FC Porto. Merece esse reconhecimento pelo trabalho e resiliência. E hoje está no Atlético Madrid. A equipa B foi uma experiência muito, muito positiva, com uma importância fulcral na minha carreira e no futebol português. As equipas B estão diretamente ligadas ao sucesso das seleções nacionais. Não há um vazio competitivo, os jogadores de 19/20 anos estão a competir. São fundamentais.

MF – A exigência da II Liga nada tem a ver com a dos juniores. É um salto ótimo.

T – É uma liga competitiva, jogámos contra atletas experientes, somos obrigados a mudar o nosso estilo. Há equipas que se fecham muito e são agressivas, há equipas que são muito fortes e que nos encostam atrás e nos obrigam a defender. As equipas B foram das melhores coisas que aconteceram ao futebol português nos últimos anos. Gosto de refletir sobre o futebol. É a minha vida, tenho o privilégio de ser pago para ser futebolista e no futuro não sei se serei treinador ou se os meus filhos vão jogar. Quero sempre o melhor para o nosso futebol e gosto de perceber o que se passa.

MF – Em Portugal ainda há problemas com salários em atraso. Nos Emirados como são as coisas?

T – Na minha equipa é tudo exemplar. Fala-se que uma ou outra equipa terá algum atraso. Não sei se por falta de dinheiro ou se por problemas pontuais. Mas o quadro geral é muito positivo.

MF – Ainda fez dois jogos pela equipa principal do FC Porto. Ambas contra o Olhanense.

T – São memórias muito especiais. A primeira vez que entrei no Dragão… vai ficar para sempre. Eu já tinha sido convocado quatro vezes pelo mister Vítor Pereira. Estive no banco na Luz, por exemplo, num empate 2-2. E depois até estava à espera de entrar em Guimarães (risos). Estávamos a ganhar 4-0 e pensei que ia entrar. Podia ter a minha chance, mas depois entrei em casa contra o Olhanense. E há coisas engraçadas. Eu estava a aquecer, há um penálti para nós e o mister Vítor Pereira chama-me para eu entrar. Estou a trocar de camisola e o Jackson falha o penálti. Mas o mister manteve a alteração e eu entrei na mesma. Empatámos 1-1. A camisola desse primeiro jogo (temos direito a duas, na verdade) foram bem entregues: uma para a minha família e uma para o Paulinho Santos. O Vitor foi importante e deu-me a oportunidade de treinar muitas vezes com a equipa A. Um plantel de luxo. Estar envolvido com essa equipa é inesquecível. É mais fácil jogar com tanta qualidade à volta. Temos de decidir depressa. O passe entra sempre, eles são mesmo muito bons. Gostava de ter tido mais preponderância no FC Porto, mas só posso agradecer as oportunidades.

MF – Nunca integrou oficialmente, digamos assim, o plantel do FC Porto desde o início?

T – No segundo ano do Vítor [2012/13] ia fazer a pré-época, cheguei a falar com o mister sobre isso. Por acaso fui jogar o Europeu de sub19 e tive de começar mais tarde. Por isso entrei novamente na equipa B. Isso atrasou o meu processo na equipa A, mas mesmo mais tarde ele voltou a chamar-me. Fui dos primeiros da equipa B a ser lançado na equipa do FC Porto.

MF – Ainda fez um jogo a titular com o Luís Castro, em Olhão.

T – O Paulo Fonseca saiu, o Luís Castro foi promovido e acho que o mister me chamou como forma de reconhecimento pelo trabalho na equipa B. Agradeço-lhe isso também. Nesse ano pensei que ia mesmo entrar no plantel da equipa A – já tinha dois anos de muitos jogos na equipa B e uma presença quase constante nos treinos da equipa A -, mas acabei por ser emprestado ao Estoril, envolvido na transferência do Evandro. Nesse ano, em 2014, pensei que o passo lógico era ser promovido, mas saí para um clube da I Liga e fui feliz. Se o Vítor Pereira tivesse continuado, se calhar as coisas eram diferentes, mas veio um novo treinador [Julen Lopetegui] com ideias diferentes, o que é normal.

MF – E fez um golo ao FC Porto de penálti. Um momento que acabou por ser polémico e que originou até alguma discussão na entrada dos balneários.

T – Empatámos 2-2, o Óliver marcou já depois dos 90. O meu golo já foi perto do fim. Eu estava emprestado, marquei ao FC Porto, depois houve alguma história no fim, e é um jogo marcante na minha carreira por tudo isso.

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